Onde começa realmente o pacto social?

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Trabalhadores e patrões, ou seus prepostos – os administradores prosseguirão história afora discutindo sempre como dividir os resultados – lucro ou prejuízo – da atividade empresarial. Este universo, composto de empresas dos mais diversos tamanhos e compromissos creditícios, reagirá diferentemente às muitas obrigações legais, fiscais e trabalhistas, exigindo que todas se reduzam. Em contrapartida, fisco, acionistas e trabalhadores estarão sempre a exigir uma parcela maior do resultado gerado por elas.
No que se refere às obrigações trabalhistas, as reações seguem a escala ou o tamanho da empresa. Assim, as grandes não só cumprem as leis trabalhistas do país como ainda concedem vantagens adicionais aos trabalhadores, não asseguradas nem pela legislação nem por acordos sindicais, tais como horários flexíveis de trabalho, salários adicionais e participação nos lucros,esta já prescrita na Constituição desde 1946.
Na medida em que a escala das empresas se reduz, a instabilidade de seus resultados a cada ano as levam a constantemente solicitar aos legisladores, via seus órgãos de classe, a redução de seus diversos compromissos legais, incluindo a legislação trabalhista.
Se do ponto de vista das grandes empresas a legislação trabalhista exige poucas vantagens comparativamente às que já concedem, do ponto de vista dos sindicatos mais articulados e mais fortes é possível obtê-las via pressões negociais. Certamente esta é a visão e a praxis do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, berço do PT paulista.
Porém, à margem destes conflitos entre capital e trabalho, de há muito adequadamente registrados nos manuais de sociologia, economia e administração de empresas, nos capítulos referentes à administração de pessoal ou de recursos humanos, outro desafio poderoso se instala na vida de qualquer empresa em seu esforço de crescimento. Refiro-me à obtenção de crédito, para crescer, com a contrapartida de sua remuneração, os juros.
A expansão do capitalismo no último século não seria possível sem a expansão do crédito, concedido não apenas às empresas mas igualmente às pessoas físicas que, com seu alongamento, via maior número de prestações, podem comprar inúmeros produtos.
A tomada de crédito por parte das empresas, expresso no passivo de seus balanços sociais como dívidas de curto, médio e longo prazo, envolverá desde percentuais baixos quando comparados ao patrimônio dessas, em torno de 20%, até percentuais elevados, de 80%. Dependendo das taxas de juros, as empresas aumentam ou reduzem o volume de crédito que tomam, e dependendo da taxa de câmbio, do volume de crédito que irão buscar no exterior.
O Brasil alucinado do Plano Real, ao manter o real sobrevalorizado por muitos anos em conjunto com altas taxas de juros internos, induziu o empresariado brasileiro a ampliar a tomada de recursos no exterior, à época a um custo menor, mas hoje completamente perdido devido ao excesso da desvalorização cambial.
A dívida privada ao exterior soma US$ 120 bilhões, a exigir diferentes esforços para resgatá-la, conforme a cotação do dólar. A rigor, se o dólar dobra de preço, sobretudo porque os banqueiros privados do exterior reduzem a concessão de crédito ao país e aos empresários, só haverá recursos em reais para pagamento de metade da dívida, sendo inevitável sua renegociação.
Por mais que discutam trabalhadores e patrões à busca de uma melhor ou diferente divisão do bolo dos resultados da empresa, positivos se e quando o forem, as despesas da empresa ampliar-se-ão pela necessidade de comprar dólar ou divisas para liquidar tais empréstimos outrora baratos, cuja rolagem oscila agora desde o difícil ao impossível.
Portanto, tais compromissos em dólar vulnerabilizaram as empresas que, em boa parte, pouco terão a oferecer no terreno do pacto social, exceto buscarem a redução de seus compromissos fiscais, legais e trabalhistas para enfrentar o pagamento da dívida no exterior.
Entendido assim o problema, tem-se que o pacto social só poderá ser negociado em benefício dos trabalhadores quando as empresas reduzirem o arrocho externo a que foram submetidas pelos truques do atual governo, disfarçados na roupagem de um neoliberalismo que muitos economistas não logravam entender. Sobretudo no aspecto referente ao capital especulativo e respectiva liberdade de movimentação internacional inerente ao modelo adotado, senão sua face principal.
Como reduzir o arrocho sobre as empresas e mesmo sobre o país advindo da dívida externa, cujo valor em reais quase dobrou neste último ano? Renegociando-a, ou caso a caso como foi o exemplo da semana da Globopar, ou coletivamente, através da adoção de mecanismos específicos de renegociação que poderiam e deveriam ser copatrocinados pelo FMI, Bird e Banco Mundial, além de outros organismos internacionais.
Assim o Brasil, ao invés de evoluir inevitavelmente para a moratória, como sugeriu estudo recente do Economist Inteligence Unity, fá-lo-ia na direção da renegociação de sua dívida externa e nas asas do PT, a partir do imenso capital político expresso na votação ao Lula.
No meu entendimento, aí começa o tão falado pacto social, porque a situação econômica do Brasil de hoje está completamente atrelada a seu endividamento a comandar dialeticamente seu processo econômico e financeiro (como já registrei em outros artigos), o que, aliás, colocou Lula na presidência, resposta direta e de confronto ao modelo neoliberal que enterrou o país, ou sua antítese.
Aceitar passivamente a alternativa da moratória, o que muitos empresários desejam, é o risco de se introduzir uma nova década perdida como a dos anos 80.
Uma vez renegociada a dívida externa, incluindo-se um período de carência para o pagamento dos compromissos além da óbvia dilatação de seus prazos, o país terá condições de reduzir os elevados juros internos, e as empresas, com melhor receita, poderão, agora sim, ser pressionadas a ampliarem seus benefícios aos trabalhadores, ao invés de apenas, na sua pressão pró pacto social, ainda buscarem arrancar mais benefícios ao governo e aos próprios trabalhadores.
Não entender a dívida construída pela gestão FHC como o verdadeiro problema brasileiro contemporâneo levará a se construir utopias no campo econômico-social, pela falta de recursos que dela decorre, até para o combate a fome.
Comecem pela renegociação da dívida externa, PT e presidente Lula, e o Brasil respirará melhor, abrindo espaço para seu verdadeiro crescimento que, com o PT no poder, atingirá estágio mais elevado, em decorrência de sua filosofia partidária de distribuição de renda.

Paulo Guilherme Hostin Sämy
Analista, ex-conselheiro da Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais (Abamec-Rio), especialista em bancos e comércio exterior.

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