A ONG Criola manifesta preocupação com as iniciativas que buscam restringir o acesso ao aborto legal no Brasil. A proposta aprovada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado na quarta-feira (15), que proíbe a interrupção da gestação após a 22ª semana, mesmo nos casos de estupro e risco à vida da gestante, representa um grave retrocesso e impacta especialmente a vida de meninas e mulheres negras.
De acordo com a organização, o projeto altera o Código Civil para garantir ao nascituro o “direito inviolável ao nascimento sadio e harmonioso”, impedindo o aborto legal nesse período e abrindo brechas para criminalizar mulheres em situação de vulnerabilidade.
“Fortalecer a autonomia das mulheres negras e garantir igualdade de direitos são passos essenciais para enfrentar a desigualdade histórica que atravessa as relações de raça e gênero no país”, reforça Mariane Marçal, assistente de coordenação de projetos e incidência política na organização.
A medida se soma à chamada “lei do nascituro” – conjunto de propostas legislativas, que busca criar um “Estatuto do Nascituro” – agravando, ainda mais o cenário de controle sobre os corpos das mulheres e retrocesso em direitos Essas decisões vão muito além do debate sobre o aborto: colocam em questão a própria capacidade das mulheres de decidirem sobre suas vidas e seus corpos, negando-lhes autonomia e isonomia.
Segundo ela, o Estado tem responsabilidade direta em garantir políticas públicas que protejam a vida e os direitos das mulheres. Ao negar ou restringir o acesso a serviços e informações sobre saúde sexual e reprodutiva, coloca-se em risco a vida de milhares de meninas e mulheres negras. “Defendemos que políticas públicas devem ser baseadas em direitos, ciência e justiça social, e não em valores morais e crenças que limitam a liberdade e a autonomia das mulheres”, pontua Marçal. A organização acredita que é dever de toda a sociedade romper com estruturas e discursos que aprisionam as mulheres em padrões conservadores, muitas vezes sustentados por interpretações religiosas usadas com fins políticos.
“A falta de informação qualificada e de acesso a serviços de saúde impede que as mulheres conheçam todos os cenários e exerçam seu direito de escolha de forma segura e consciente”, explica Mariane. Fortalecer políticas de cuidado, educação sexual e autonomia é essencial para que as mulheres, especialmente as mulheres negras, possam decidir sobre seus corpos e viver com dignidade em um Estado democrático de direitos.
Insegurança
Em setembro, Criola lançou um infográfico com dados sobre aborto inseguro entre meninas e mulheres negras, de 2015 a 2024, no estado do Rio de Janeiro. O estudo mostrou que ocorreram cerca de 230 mil abortos inseguros no período. Em 2024, os abortos nãoespecificados entre mulheres negras chegaram a 80% – reflexo do racismo estrutural, dentro de uma sociedade patriarcal, que mantém meninas e mulheres negras no topo das estatísticas de mortalidade e complicações por aborto inseguro.
A organização atua há mais de três décadas na luta por justiça reprodutiva, promovendo a formação e a instrumentalização de meninas e mulheres negras para que possam exercer seus direitos e atuar em seus territórios.
















