ONU: total de refugiados cresce em razão de conflitos armados

Eventos climáticos e guerras elevam contingente; segundo a Acnur, número total de pessoas deslocadas à força subiu para 120 milhões em maio de 2024

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Campo de refugiados de Maghazi, em Gaza (Foto: Agência Xinhua)
Campo de refugiados de Maghazi, em Gaza (Foto: Agência Xinhua)

Mais de 120 milhões de pessoas em todo o mundo estão deslocadas à força de suas casas devido a perseguições, conflitos, violência e violação de seus direitos. Isso representou, segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), um aumento de 8% em relação ao ano anterior. Se todas essas pessoas vivessem atualmente em um mesmo território, elas formariam o 12º país mais populoso do mundo.

Esse número é mais do que o dobro do que havia há 10 anos: em 2014, a Acnur apontava 59 milhões de pessoas vivendo nessa condição. “Se a cada 10 anos a gente dobrar o total de pessoas forçadas a se deslocarem, inevitavelmente os recursos já escassos não darão conta de responder a esse deslocamento”, observa Miguel Pachioni, oficial de comunicação da Acnur, em entrevista à Agência Brasil.

Desse contingente deslocado em todo o mundo, mais de 43 milhões são refugiados que necessitam de proteção internacional.

“A pessoa refugiada é aquela que foi forçada a se deslocar em razão de perseguições associadas à sua nacionalidade, orientação sexual, religião, opinião política, enfim, diferentes fatores que fazem com que ela se sinta perseguida. Nesse ato, ela tem que deixar o seu país de origem para buscar proteção internacional em outra nação. Então, pelo fato dela atravessar uma fronteira, deixar o seu país de origem e buscar a condição de refugiada em outro local, em outro país, ela já é considerada solicitante da condição de refúgio”, explica.

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Essa condição difere da encontrada por um imigrante porque o refugiado não pode retornar ao seu país de origem sob risco de sua própria vida. Já um imigrante pode buscar melhores oportunidades econômicas em outra nação e retornar ao seu país quando quiser.

O número de pessoas deslocadas tem crescido nos últimos anos porque os conflitos estão mais espalhados pelo mundo. Além disso, destaca Pachioni, isso também deriva da incapacidade de soluções para essas crises, principalmente a curto prazo.

“O crescimento que se deu de 8% na população refugiada entre os anos de 2022 e 2023 vai nos dizer que os conflitos armados hoje existentes no mundo estão mais distribuídos pelo globo, ou seja, há mais conflitos e mais emergências humanitárias no mundo e eles estão se tornando mais duradouros do que no passado. Isso representa, de fato, uma crise do sistema político global por não conseguir resolver conflitos que acabam perdurando ao longo de anos”, afirma Pachioni, citando como exemplos as situações enfrentadas por Ucrânia, Iraque, Sudão e Afeganistão.

Outro fator que tem ajudado a aumentar o número de deslocados no mundo envolve eventos climáticos extremos. “A questão climática também vem se impondo e fazendo com que pessoas tenham que deixar os seus locais de origem em razão tanto do contexto das mudanças climáticas como também do contexto de desastres naturais, que são concomitantes”, enfatiza.

“Até dezembro de 2023, quase 75% das pessoas deslocadas à força viviam em países de alta ou extrema exposição a riscos relacionados ao clima. Elas já estavam em um processo muito fragilizado. E cerca de metade dessas pessoas deslocadas à força vivia em países onde permanecia exposta a conflitos e a esses mesmos riscos relacionados ao clima”, ressalta.

Para ele, a questão do clima não é só uma urgência no mundo: ela tem impactado também o sistema de financiamento das ajudas humanitárias. “Não temos como prever em 2025 que locais tendem a ter um deslocamento forçado em razão do contexto das mudanças climáticas. Esse tipo de faro a gente já tem em relação a conflitos armados. O conflito não acontece da noite para o dia – a gente tem indícios de conjunturas políticas, em especial, que fazem com que se tenha um entendimento sobre áreas onde conflitos podem ser iniciados. Mas o mesmo não acontece de forma tão clara quanto à questão climática”, acrescenta.

Parte desses 43 milhões de refugiados tem encontrado no Brasil um lugar de acolhimento. Isso decorre da Lei de Refúgio brasileira (Lei nº 9.474/1997) ser considerada uma das mais avançadas no mundo. Quando essas pessoas chegam ao Brasil e têm sua condição de refugiadas reconhecida pelo governo brasileiro elas não podem ser expulsas, nem extraditadas para o país onde dizem sofrer a perseguição. “A gente tem uma legislação muito favorável ao acolhimento e proteção das pessoas que solicitam a condição de refugiadas aqui”, acentua Pachioni.

O governo brasileiro reconheceu 77.193 pessoas como refugiadas em 2023, o maior quantitativo verificado ao longo de toda história do sistema de refúgio nacional e que representou variação positiva de 1.232,1%, se comparado a 2022. Ao todo, 143.033 pessoas já são reconhecidas pelo Brasil como refugiadas.

Segundo ele, pessoas de 150 nacionalidades diferentes solicitaram a condição de refúgio no Brasil. “Isso mostra como diversa é a população que vem ao Brasil em busca de proteção”, explica.

Mas embora seja considerado um país acolhedor, o Brasil ainda necessita melhorar seu processo de integração local, ressaltou o representante da Acnur.

“O Brasil é acolhedor. Mas o ponto crucial, a virada de chave necessária situa-se no processo de integração, em fazer com que essas pessoas estejam no Brasil e possam exercer de forma plena suas atividades para que sejam autossuficientes”, observa.

Uma das primeiras barreiras que o refugiado encontra ao chegar por aqui é a língua. “Tem um dado importantíssimo: em torno de 69% da população refugiada hoje no mundo situa-se em país vizinho ao seu. Quando olhamos para a perspectiva do Brasil, uma primeira barreira que essas pessoas enfrentam é a linguística. Não há lusófonos entre nossos vizinhos. Então, a barreira linguística é uma barreira inicial nesse enfrentamento”, salienta Pachioni.

Outras complicações que podem existir por aqui decorrem do olhar discriminatório de algumas pessoas e da desinformação sobre o processo de empregabilidade dos refugiados, principalmente relacionados ao desconhecimento dos departamentos de recursos humanos das empresas sobre as documentações.

“À medida em que as pessoas refugiadas – que estão formadas em diferentes áreas de conhecimento e com seus diferentes idiomas – tenham oportunidades de estar integradas, essas oportunidades transformam-se também em rentabilidade para a economia local de onde elas estão inseridas. Então, se a gente pensar que um afegão abrirá o seu próprio negócio no Brasil, como um negócio de gastronomia, a matéria-prima que ele consumirá desse negócio é fruto da produção brasileira; o meio de distribuição desses alimentos também vai ser fruto da distribuição de outros serviços brasileiros. Se a gente propiciar que essas pessoas, com todas as suas capacidades, tenham oportunidades, essa será uma virada de chave importante para fazer com que a sociedade, onde ela está inserida, também se desenvolva social, econômica e politicamente”, afirma.

Todas essas dificuldades, aponta a Acnur, poderiam ser superadas por meio de uma responsabilidade compartilhada. “A articulação entre poder público, iniciativa privada e instituições como, por exemplo, a academia, são fundamentais para que a gente possa construir ambientes mais favoráveis de integração e desenvolvimento social e econômico como um todo”, opina Pachioni.

Ele acrescenta que “é preciso que haja uma sinergia em favor do processo de integração dessas pessoas. E essa sinergia depende dos amplos aspectos sociais que compõem a nossa sociedade. Eu estou falando aqui, por exemplo, de uma mobilização do setor privado que esteja mais engajado sobre o potencial de empregabilidade dessas pessoas e o quanto elas agregam, por exemplo, em inovação e bem-estar social dentro dos ambientes de trabalho. Estou falando também de políticas públicas que considerem novamente o potencial que essas pessoas trazem para as suas formações. Outro ponto relevante é a articulação de políticas públicas voltadas para essa população”, afirma.

Por 12 anos consecutivos, houve aumentos dos números globais de deslocamento forçado. O aumento mais recente, que eleva o número total de pessoas deslocadas à força para 120 milhões, de acordo com dados de maio de 2024, deve-se tanto às consequências de conflitos novos e existentes quanto à incapacidade de resolver crises prolongadas. Com base nesses dados, a população deslocada global quase equivaleria à população de um país do tamanho do México.

No final de 2023, a região das Américas acolhia 23 milhões de pessoas protegidas ou assistidas pelos Estados, em colaboração com a Acnur e suas organizações parceiras. Apesar dos movimentos mistos de refugiados e migrantes sem precedentes na região – muitas vezes ao longo de rotas extremamente perigosas – soluções estão sendo adotadas para garantir a proteção, a regularização e a integração das pessoas em situação de deslocamento.

Um fator determinante no aumento das cifras foi o devastador conflito no Sudão: no final de 2023, um total de 10,8 milhões de sudaneses foram deslocados. Além disso, milhões de pessoas foram deslocadas em Mianmar (ex-Birmânia) e na República Democrática do Congo devido aos violentos conflitos ocorridos no ano passado. Da mesma forma, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) estima que, no final de 2023, cerca de 1,7 milhão de pessoas na Faixa de Gaza (75% da população) foram forçadas a se deslocar devido aos níveis catastróficos de violência, em sua maioria refugiados palestinos. Da mesma forma, a Síria continua sendo a maior crise de deslocamento do mundo, com 13,8 milhões de pessoas deslocadas à força dentro e fora do país.

“Por trás dessas cifras brutais e crescentes, estão inúmeras tragédias humanas. Esse sofrimento deve impulsionar a comunidade internacional a agir urgentemente para abordar as causas do deslocamento forçado”, declarou Filippo Grandi, alto comissário das Nações Unidas para Refugiados.

“É momento das partes em conflito respeitarem o direito internacional e as leis básicas da guerra. A realidade é que, sem maior cooperação e esforços conjuntos para abordar conflitos, violações dos direitos humanos e a crise climática, os números de deslocamento continuarão a aumentar, trazendo mais sofrimento e respostas humanitárias custosas”.

O aumento mais pronunciado nos números de deslocamento global ocorreu entre as pessoas que fogem de conflitos e permanecem dentro de seus países, totalizando 68,3 milhões, segundo dados do Observatório de Deslocamento Interno (IDMC, sigla em inglês). Isso representa um aumento de quase 50% em cinco anos.

O número de refugiados e outras pessoas que necessitam de proteção internacional subiu para 43,4 milhões, considerando aqueles sob os mandatos da Acnur e da UNRWA. Grande parte da população refugiada foi acolhida pelos países vizinhos, e 75% reside em países de renda baixa ou média que, juntos, produzem menos de 20% da renda mundial.

O relatório mostrou que, em todo o mundo, mais de 5 milhões de pessoas deslocadas internamente e 1 milhão de refugiados retornaram para casa em 2023, evidenciando alguns avanços em direção a soluções de longo prazo. Outro dado positivo é que as chegadas por reassentamento aumentaram para 154.300 em 2023.

Os países das Américas estão desempenhando um papel importante em termos de reassentamento e outras soluções. Segundo o relatório, os EUA receberam o maior número de refugiados reassentados a nível global, em 2023, com 75.100 pessoas, seguidos pelo Canadá, com quase 51.100 refugiados. Além disso, Brasil, Colômbia, Equador e Peru estão implementando vastos programas de regularização para refugiados e migrantes, garantindo documentação e acesso a serviços. No final de 2023, os países da região também acolhiam a maioria dos refugiados e migrantes da Venezuela. Além disso, a Colômbia lidera os esforços para implementar soluções inovadoras para deslocados internos.

“Os refugiados e as comunidades que os acolhem precisam de solidariedade. Todos eles podem contribuir para a sociedade, e de fato contribuem, quando há inclusão”, destacou Grandi.

“Cada vez mais, os países da região – juntamente com as agências da ONU e nossos parceiros, com o apoio da comunidade internacional – estão aplicando uma abordagem hemisférica no trabalho conjunto para abordar as causas profundas do deslocamento nos países de origem, responder às necessidades humanitárias e de proteção das pessoas em trânsito, e fortalecer a proteção, a inclusão e as soluções nos países de destino e de retorno”, acrescentou José Samaniego, diretor regional da Acnur para as Américas.

Com informações da Agência Brasil

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