O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta terça-feira, que, em busca de resolver os problemas do planeta, os líderes mundiais andam em círculos e têm resultados ineficientes. Ao abrir o debate de chefes de Estado da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, Lula citou o Pacto para o Futuro, documento adotado pelos países para reforçar a cooperação global.
“Sua difícil aprovação demonstra o enfraquecimento de nossa capacidade coletiva de negociação e diálogo. Seu alcance limitado também é a expressão do paradoxo do nosso tempo: andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes”, disse Lula.
“Nem mesmo com a tragédia da Covid-19, fomos capazes de nos unir em torno de um Tratado sobre Pandemias na Organização Mundial da Saúde. Precisamos ir muito além e dotar a ONU dos meios necessários para enfrentar as mudanças vertiginosas do panorama internacional”, acrescentou o presidente.
Para Lula, a crise da governança global requer transformações estruturais e essa missão recai sobre a Assembleia Geral, “expressão maior do multilateralismo”. Segundo ele, prestes a completar 80 anos, a Carta das Nações Unidas nunca passou por uma reforma abrangente. Na fundação da ONU, eram 51 países, hoje somos 193.
“A versão atual da Carta não trata de alguns dos desafios mais prementes da humanidade”, disse Lula, citando os diversos conflitos armados existentes no mundo, “com potencial de se tornarem confrontos generalizados”.
De acordo com o presidente, na ocasião da fundação da ONU, várias nações, principalmente no continente africano, estavam sob domínio colonial e “não tiveram voz sobre seus objetivos e funcionamento”. Ainda, para Lula, não há equilíbrio de gênero no exercício das mais altas funções e o cargo de secretário-geral jamais foi ocupado por uma mulher.
“Estamos chegando ao final do primeiro quarto do século XXI com as Nações Unidas cada vez mais esvaziada e paralisada. Não bastam ajustes pontuais, precisamos contemplar uma ampla revisão da Carta”, disse.
O Brasil propõe a transformação do Conselho Econômico e Social no principal foro para o tratamento do desenvolvimento sustentável e do combate à mudança climática, com capacidade real de inspirar as instituições financeiras; a revitalização do papel da Assembleia Geral, inclusive em temas de paz e segurança internacionais; o fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz; e a reforma do Conselho de Segurança, com foco em sua composição, métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e representativo das realidades contemporâneas.
Para Lula, a reforma do Conselho de Segurança da ONU é urgente, com uma representação adequada de países emergentes. Hoje, esse conselho, com poder de tomar importantes decisões sobre conflitos internacionais, reúne apenas EUA, Rússia, China, França e Reino Unido como membros permanentes. Segundo as regras, para que uma resolução seja aprovada, é preciso o apoio de nove do total de 15 membros, sendo que nenhum dos membros permanentes pode vetar o texto.
“A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial”, afirmou o brasileiro.
“Não tenho ilusões sobre a complexidade de uma reforma como essa, que enfrentará interesses cristalizados de manutenção do status quo. Exigirá enorme esforço de negociação, mas essa é a nossa responsabilidade. Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre os seus escombros uma nova governança global. A vontade da maioria pode persuadir os que se apegam às expressões cruas dos mecanismos do poder”, acrescentou.
O discurso de Lula na ONU reflete os temas prioritários do Brasil no G20: o combate às desigualdades e à fome, o enfrentamento às mudanças climáticas e a reforma das instituições de governança global. Até novembro deste ano, o país está na presidência do bloco que reúne 19 países e duas entidades regionais – União Europeia e União Africana.
Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, em seu discurso de abertura, “as Nações Unidas são a plataforma universal para o diálogo e o consenso.”
“O debate global acontece aqui, ou não acontece.”
“Estamos em uma era de transformação épica, enfrentando desafios como nunca vimos antes, desafios que exigem soluções globais. No entanto, as divisões geopolíticas continuam se aprofundando. O planeta continua esquentando. As guerras continuam sem nenhuma pista de como terminarão. E a postura nuclear e as novas armas lançam uma sombra escura. Estamos nos aproximando do inimaginável – um barril de pólvora que corre o risco de engolir o mundo.”
Guterres lembrou que a Cúpula do Futuro foi um primeiro passo, “mas ainda temos um longo caminho a percorrer.”
“Para chegar lá, é necessário enfrentar três grandes fatores de insustentabilidade. Um mundo de impunidade – em que as violações e os abusos ameaçam a própria base do direito internacional e da Carta das Nações Unidas. Um mundo de desigualdade – em que as injustiças e as queixas ameaçam minar os países ou até mesmo levá-los ao limite. E um mundo de incertezas – em que riscos globais não gerenciados ameaçam nosso futuro de maneiras desconhecidas. Esses mundos de impunidade, desigualdade e incerteza estão conectados e em colisão.”
Ainda segundo Guterres, “vemos essa era de impunidade em todos os lugares: no Oriente Médio, no coração da Europa, no Chifre da África e além. A guerra na Ucrânia está se alastrando sem sinais de enfraquecimento. Os civis estão pagando o preço – com o aumento do número de mortos e vidas e comunidades destruídas. É hora de uma paz justa baseada na Carta da ONU, no direito internacional e nas resoluções da ONU. Enquanto isso, Gaza é um pesadelo ininterrupto que ameaça levar toda a região com ele. Basta olhar para o Líbano. Todos nós deveríamos ficar alarmados com a escalada. O Líbano está à beira do abismo. O povo do Líbano, o povo de Israel e o povo do mundo não podem permitir que o Líbano se torne outra Gaza. Nada pode justificar os atos de terror abomináveis cometidos pelo Hamas em 7 de outubro, ou a tomada de reféns – ambos condenados por mim repetidamente. E nada pode justificar a punição coletiva do povo palestino. A velocidade e a escala da matança e da destruição em Gaza são diferentes de tudo o que aconteceu em meus anos como secretário-geral.”
Ao mesmo tempo, diz Guterres, o mundo ainda está lutando para se recuperar do aumento da desigualdade causado pela pandemia.
“Se analisarmos os 75 países mais pobres do mundo, um terço deles está em situação pior hoje do que há cinco anos. No mesmo período, os cinco homens mais ricos do planeta mais do que dobraram suas fortunas. E 1% da população mundial detém 43% do total de ativos financeiros do mundo. Em nível nacional, alguns governos estão aumentando a desigualdade em dez vezes, concedendo grandes isenções fiscais às empresas e aos ultrarricos em detrimento do investimento em saúde, educação e proteção social.”
A Assembleia Geral das Nações Unidas é um dos principais órgãos da ONU e reúne os 193 Estados que fazem parte da organização, com cada nação tendo o direito a um voto. Por tradição, cabe ao governo brasileiro fazer o primeiro discurso do debate geral, seguido do presidente dos EUA.
Este ano, o tema do debate geral da Assembleia Geral da ONU é “Não deixar ninguém para trás: agir em conjunto para o avanço da paz, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana para as gerações presentes e futuras”. Nesta sessão de trabalho, os chefes dos Estados-membros são convidados a discursar em uma oportunidade para apontar suas visões e preocupações diante do sistema multilateral.
Esta é a nona vez em que Lula abre o debate geral dos chefes de Estado. Ao longo de seus dois mandatos anteriores, ele participou do evento em todos os anos entre 2003 e 2009. Em 2010, foi representado pelo então ministro das Relações Exteriores e atual assessor especial da Presidência, Celso Amorim. No ano passado, em seu terceiro mandato, Lula também abriu a sessão de debates.
O presidente desembarcou em Nova Iorque no sábado. No domingo, discursou na Cúpula para o Futuro, um evento paralelo à Assembleia Geral da ONU. Segundo ele, o Pacto para o Futuro, documento a ser assinado pelos líderes mundiais, aponta uma direção a seguir, mas falta “ambição e ousadia” para que as Nações Unidas consigam cumprir seu papel.
Ontem, o presidente brasileiro participou de reuniões bilaterais, com o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz; com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen; e com o primeiro-ministro do Haiti, Garry Conille.
Ainda nesta terça-feira, Lula também coordena o evento “Em defesa da democracia, combatendo os extremismos”, em conjunto com o primeiro-minisrtro espanhol Pedro Sánchez. A iniciativa busca o fortalecimento das instituições no combate à desigualdade, à desinformação e ao radicalismo.
Com informações da Agência Brasil
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