Órgãos de controle questionam esquema da ‘securitização de créditos’

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O esquema que o Projeto de Lei Complementar (PLP) 459/2017 quer “legalizar” já foi implementado pelo mercado financeiro em alguns estados e municípios e tem sido fortemente questionado pelos diversos órgãos de controle, por exemplo:

a) O Ministério Público de Contas, em sua manifestação no processo TC 016.585/2009-0, que tramita no TCU, afirmou que o referido mecanismo é ilegal e fere a Lei de Responsabilidade Fiscal de forma nítida e clara, conforme trechos transcritos a seguir, devido à sua relevância:

Trata-se, portanto, de desenho que apresenta em sua essência a mesma estrutura adotada pelos entes que optaram por criar uma empresa pública emissora de debêntures lastreadas em créditos tributários, por meio da qual o ente federado obtém do mercado uma antecipação de receitas que serão auferidas somente no futuro e que, quando o forem, serão destinadas ao pagamento dos credores, numa nítida e clara, ao ver do Ministério Público de Contas, operação de crédito, conforme o conceito amplo adotado no artigo 29, III, da LRF.”

(…) “Arrumaram um subterfúgio ilegal com aparência legal para antecipação de receita e burlar a LRF – que pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, e regras para antecipação de receitas.”

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(…) “Esse mecanismo compromete as gestões futuras e prejudica a sustentabilidade fiscal do município – as receitas de parceladas em Dívida Ativa ou espontaneamente entrariam também no futuro (em outras gestões).”

 

Operação transforma gestores públicos

em ‘criminosos’, devido a desvio de tributos

 

b) O Tribunal de Contas da União já analisou esse mecanismo nos processos TC 016.585/2009-0 e TC 043.416/2012-8, tendo identificado diversos riscos de tais operações, conforme apresentação feita durante a audiência pública de 7/11/2017, antes mencionada:

Possível ofensa aos princípios constitucionais da igualdade e legalidade no tocante à tributação;

Possível ofensa à regra de não vinculação das receitas prevista na Constituição;

Indícios de custos efetivos superiores às operações clássicas de financiamento;

Possível impacto negativo na transparência das operações para a sociedade e na supervisão do Governo Federal sobre o real nível de endividamento de estados e municípios;

Não individualização dos créditos cedidos pode inviabilizar análise de custos e economicidade das operações.

c) O Tribunal de Contas da União proferiu as seguintes decisões cautelares sobre o tema:

Ministro Bruno Dantas (25/11/2014): Com fundamento no art. 276, caput, do RI/TCU, adotar medida cautelar determinando à Comissão de Valores Mobiliários que suspenda o registro do FIDC-NP Dívida Ativa de Nova Iguaçu, bem como o registro de qualquer fundo que tenha em sua constituição direitos creditórios que se enquadrem na hipótese prevista no art. 1º, § 1º, inc. II, da Instrução CVM 444/2006, caracterizados como operações de crédito pela análise da CVM e que não contenham autorização expressa do Ministério da Fazenda, emitida nos termos do art. 32 da LRF. (TC 043.416/2012-8);

Ministro Raimundo Carreiro (11/12/2014): Nos termos do art. 276, caput, do RI/TCU, determinar cautelarmente à Comissão de Valores Mobiliários que não proceda, ou suspenda, caso já tenha sido realizado, o registro do Fundo Especial da Dívida Ativa do Distrito Federal – Fedat/DF. (TC 016.585/2009-0);

d) O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ajuizou Ação Civil Pública (0297334-52.2017.8.19.0001) contra a Companhia Fluminense de Securitização S/A (CFSEC S/A, criada para operar o mecanismo de que trata o PLP 459/2017), por considerar ilegal e constitucionalmente proibida, a operação ainda gera um aumento do endividamento público estadual. Pede-se também a desconstituição da companhia ré, por ser ela divorciada, tanto do “relevante interesse coletivo” constitucionalmente imposto para a constituição de entes da Administração Pública Indireta em geral, quanto da finalidade pública, exigida para todo e qualquer ato administrativo.

Objetiva anular o processo licitatório de pregão, entre outros relevantes pedidos: que reconheça essa securitização como uma operação de crédito e, em virtude disso e da natureza dos recebíveis postos em jogo, que anule definitivamente a referida operação, caso ela venha a ocorrer. Requer também que a CFSEC seja declarada empresa pública dependente do Estado do Rio de Janeiro; que se declarem nulos todos os pagamentos, repasses e transferências orçamentárias e financeiras, efetuados pelo Estado do Rio, tendo como beneficiária a CFSEC, que ultrapassem os R$ 800 mil declarados como patrimônio; e que a companhia devolva ao tesouro estadual todos os valores recebidos além deste limite. (mprj.mp.br/web/guest/home/-/detalhe-noticia/visualizar/51301)

e) O Estado de Goiás suspendeu em 2018 o processo de contratação de instituição que iria estruturar a operação de “Securitização de Créditos Públicos” naquele estado (bit.ly/2PzNLwG), devido às graves consequências detectadas e elevadíssimo custo com taxas de estruturação, administração e outras que superavam R$ 325 milhões.

f) O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco suspendeu leilão da empresa estatal RECDA (criada para operar o mecanismo de que trata o PLP 459/2017 no Município de Recife), devido aos riscos de ilegalidade da operação que pode ser caracterizada como operação de crédito, conforme amplamente noticiado (tce.pe.gov.br/internet/index.php/lista-noticias/143-junho/2375-tce-suspende-pregao-da-prefeitura-do-recife)

g) O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul deferiu medida cautelar à representação apresentada pelo Ministério Público de Contas (Processo 11474-0200/16-6), suspendendo o funcionamento da InvestPOA, criada para operar o mecanismo de que trata o PLP 459/2017 no Município de Porto Alegre, conforme informações disponíveis em febrafite.org.br/wp-content/uploads/2016/11/decisao0911POA.pdf

h) O Tribunal de Contas do Estado do Paraná suspendeu definitivamente a cessão de créditos (bit.ly/2KgbE6O) pela PRSEC S/A. As operações de cessão de direitos creditórios pela empresa PRSEC S/A (empresa criada para operar o mecanismo de que trata o PLP 459/2017 no Estado do Paraná), foram suspensas, tendo em vista a sua desconformidade com a legislação que rege as operações de crédito, notadamente, o art. 32, caput e parágrafo 1o da Lei Complementar 101/2000, e a Resolução 43 do Senado Federal, aliada à possível afronta às regras de repartições e vinculações das receitas tributárias estabelecidas pelos arts. 158, incisos III e IV, 167, inciso IV, e 212, da Constituição Federal, além da falta de transparência acerca dos custos envolvidos, do impacto sobre gerações futuras, dos ganhos dos investidores, e da forma de aplicação do produto a ser obtido, destacadas nesta decisão, com fulcro nos arts. 1º, parágrafo 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, e 37, caput, da Constituição Federal. Informações disponíveis no Boletim Eletrônico TCE/PR no 1447, disponível em www1.tce.pr.gov.br/multimidia/2016/9/pdf/00302647.pdf

i) Em Salvador, diversas representações foram apresentadas junto ao Tribunal de Contas do Município de Salvador (Processo 05098-17 – Protocolado em 6/7/2017), Ministério Público Federal (00030462/2017 – Protocolado em 6/7/2017) e Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA 3.9.135644/2017 – Protocolado em 5/7/2017) em face do Prefeito da Cidade de Salvador, Sr. Antônio Carlos Peixoto DE Magalhães Neto, e do Secretário Municipal da Fazenda de Salvador, SR. Paulo Ganem Souto, e demais autoridades envolvidas na proposta de criação da Companhia de Desenvolvimento e Mobilização de Ativos de Salvador – CDEMS.

j) Em São Paulo, foi apresentada Ação Popular, relativamente à empresa CPSEC S/A (Cia Paulista de Securitização S/A, empresa criada para operar o mecanismo de que trata o PLP 459/2017 no Estado de São Paulo), conforme processo 1039132-29.2016.8.26.0053, em andamento na 12ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, conforme notícia sinafresp.org.br/folha-de-sao-paulo-publica-sobre-a-acao-popular-movida-pelos-afrs/

k) O Ministério Público de Contas de Minas Gerais apresentou representação para suspender novas transferências patrimoniais de bens da Prefeitura de Belo Horizonte para a empresa PBH Ativos S/A, bem como a proibição de novas debêntures. O pedido de medida cautelar foi homologado no dia 18 de outubro de 2017 e está tramitando no Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCMG) otempo.com.br/capa/pol%C3%ADtica/mp-de-contas-pede-suspens%C3%A3o-de-repasses-para-pbh-ativos-1.1537706

l) A Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de Belo Horizonte apontou diversos indícios de ilegalidade da PBH Ativos S/A e enorme prejuízo para o município de Belo Horizonte (goo.gl/hgoYcD)

m) O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais suspendeu a segunda emissão da PBH Ativos S/A. O TCE-MG foi cientificado acerca dos documentos elaborados pela Auditoria Cidadã da Dívida sobre a PBH Ativos S/A: Relatório Preliminar Específico de Auditoria Cidadã da Dívida no 2/2017, de 3/11/2017 goo.gl/hgoYcD e respectivo Adendo 1, de 13/11/2017, para as devidas providências daquele Tribunal, tendo em vista a comprovação de:

(1) Realização de operação de crédito disfarçada, extremamente onerosa e não expressamente autorizada;

(2) Desvio do fluxo de arrecadação de créditos pagos pelos contribuintes, durante o seu percurso na rede bancária, e, adicionalmente,

(3) Cessão fiduciária de créditos públicos, o que implica a transferência da propriedade e controle sobre os créditos públicos, de tal forma que grande parte da arrecadação tributária sequer alcançará os cofres públicos.

 

O gestor público que implementar esse esquema

precisa estar ciente de que será investigado

 

Será que todos esses órgãos de controle estariam errados ao afirmar que a “securitização de créditos públicos” configura contratação irregular de dívida pública? Claro que não! O gestor público que implementar esse esquema precisa estar ciente de que será investigado! Os órgãos de controle estão alertas!

Exitem alternativas não criminosas para estados e municípios:

Estados possuem R$ 549 bilhões em créditos da Lei Kandir para receber da União (bit.ly/2oK2kSf – página 9)

O Governo Federal possui R$ 4 trilhões disponíveis, no caixa do Tesouro, do Banco Central e em reservas internacionais (bit.ly/2nIPovi)

Portanto, a União pode socorrer estados de imediato! Não há necessidade de “legalizar” o esquema da chamada “Securitização de Créditos Públicos” para que estados obtenham algum recurso de imediato, porém, em troca do desvio dos impostos que pagamos em proporções gigantescas, comprometendo gerações atuais e futuras.

Além disso, o orçamento público ficará gravemente comprometido, pois os impostos desviados sequer alcançarão os cofres públicos! Escândalo que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal e toda a legislação de finanças do país.

Líderes de todos os partidos na Câmara dos Deputados receberam interpelação extrajudicial (bit.ly/2CWLyDP) e não poderão alegar que desconheciam o verdadeiro alcance do PLP 459/2017, projeto que tem o texto totalmente cifrado, para dificultar a percepção do esquema que gera dívida pública ilegal, a qual é paga por fora dos controles orçamentários mediante o desvio dos impostos que pagamos, conforme denúncia (bit.ly/33rLINR) já protocolada na Câmara dos Deputados.

É urgente rejeitar o PLP 459/2017!

Maria Lucia Fattorelli

Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.

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