Origem da crise atual

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pobreza e desigualdade
Pobreza e desigualdade (foto de Francois Walschaerts/CE)

Na película cinematográfica do autor Costa-Gravas intitulada Adultos na Sala – O jogo do Poder, podemos enxergar com clareza cristalina, a força da banca internacional na definição dos destinos das nações, ao redor do planeta.

Nesse contexto, a atual crise estrutural do capitalismo contemporâneo não pode ser tida como provocada pela pandemia da Covid-19, embora esta lhe confira uma nova forma, e nem pela queda da taxa de lucro e/ou pela financeirização.

De verdade, ela é provocada pela contradição entre o trabalho privado e o trabalho social, que se desdobra na superprodução de capital. Este se valoriza com um sentido ou lógica que é apreendido pela categoria do capital fictício. O capital sobrante que precisa ser eliminado, mas não é.

O capital fictício é um desdobramento dialético do processo de substantivação das formas do capital, desde o capital de comércio de dinheiro, passando pelo capital a juros, e culminando no capital fictício. Não se trata de que o capital nos mercados financeiros seja hipertrofiado (financeirização), limitando os mercados produtivos, ou ainda, de que o capital fictício ao meramente se apropriar de valor, e não contribuir para a produção leve à crise.

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Essas interpretações ainda que soem razoáveis são devedoras muito mais de um pensamento keynesiano, na medida em que contrapõe um capital produtivo frente a outro capital financeiro (apropriador, especulativo, rapina etc.). É aparência e não a essência.

Na disputa acirrada pelos destinos brasileiros, pós-2022, a corrente política que se denomina “terceira via” representa esta fração do capital nacional e internacional que garante toda sua lucratividade “gerenciando” as apostas futuras do valor dos títulos da dívida pública, dos retornos no mercado de ações e no giro dos swaps cambiais.

Para estes “gestores”, o que existe antes é a expectativa de que, no futuro, exista uma magnitude de valor da qual possam se apropriar. Vende-se no presente os direitos de apropriação futura de um valor que ainda nem foi produzido. Pode até ser que a produção futura de valor, de fato, corrobore essa expectativa. Mas também pode ser que o processo futuro de produção não corresponda à expectativa previamente mercantilizada pelos títulos de apropriação transacionados. Daí as “bolhas” que geram crises adicionais.

Há uma superprodução de capital (fictício) e que é crescente. Para resolver essa barreira, ou a própria crise, há a necessidade de um brutal processo de desvalorização desses direitos de apropriação em excesso, o que aprofunda para níveis ainda não vistos os impactos econômicos e sociais da crise, e/ou o capitalismo deve elevar sobremaneira a produção de valor, via retomada do crescimento.

Isso exige o aumento da exploração do trabalho para níveis tampouco vistos na história do capitalismo, com todos seus efeitos sociais que podemos vislumbrar. Este segundo caminho já começamos a vivenciar. As reformas trabalhistas e previdenciárias comprovam no Brasil essa trajetória.

A vertente popular de caráter social-liberal-desenvolvimentista representada, tanto pela corrente lulista, quanto pelo bloco cirista, ambas lutam para reduzir o risco de aprofundamento da institucionalização do modelo rentista (metas de inflação, teto de gastos, privatizações, desnacionalização da economia) que tira poder e graus de liberdade das políticas públicas industriais, sociais e ambientais consideradas necessárias para superar o atual ambiente de estagnação que domina o tecido produtivo nacional.

Senão, vejamos. Na película A Bolsa ou a Vida, de Silvio Tendler, o criativo autor revela o cotidiano do pequeno “empreendedor” ao morar na periferia de um grande centro, acordar cedo, andar em um transporte de massa, bancar todos os custos indiretos de sua atividade e ter a necessidade de guardar uma reserva de emergência na poupança.

Na mesma linha, outro filme intitulado Recursos Desumanos mostra um ex-gerente de recursos humanos desempregado na França e suas agruras para equilibrar o orçamento familiar, o pagamento de sua hipoteca e a idade avançada limitando sua volta ao mercado. Portanto, a precarização do emprego é, também, um fenômeno mundial.

Na terra da jabuticaba, enquanto a elite pensa na questão ambiental, o andar de baixo luta para não se contaminar na pandemia, se imunizar para sobreviver, ter uma ocupação produtiva para pagar suas contas e se livrar de uma carestia que ganha contornos dramáticos. O preço do feijão é o que interessa com cesta básica cara. A marcha da evolução do preço da bandeira tarifária vermelha incidente na conta de luz mensal das famílias brasileiras mostra que, em maio, era de apenas R$ 4,126 e entre setembro de 2021 e abril de 2022 será de R$ 15. Multiplicou quase 4 vezes num curtíssimo tempo.

O desempenho de uma economia depende essencialmente de quatro variáveis. São elas: o consumo efetivo das pessoas, o consumo do governo, o investimento das empresas e o saldo da balança comercial. O consumo é uma derivação da renda. Não haverá recuperação da economia a partir do consumo. O consumo do governo em gastos sociais tem sido diminuído desde a implementação do “teto de gastos”. A tendência é que a economia siga em crise. Não há milagres sem razões.

Resumo da ópera: “O certo é incerto / O incerto é uma estrada reta / De vez em quando acerto / Depois tropeço no meio da linha”, conforme os versos geniais e atuais do poeta Jorge Salomão!

 

Ranulfo Vidigal é economista.

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