Os canais de comunicação entre Brasil e Estados Unidos

Segundo Rubens Barbosa, o Brasil já deveria ter estabelecido canais de comunicação com o novo governo dos Estados Unidos desde a eleição de Trump.

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Embaixador Rubens Barbosa
Embaixador Rubens Barbosa

Conversamos com Rubens Barbosa sobre os canais de comunicação entre Brasil e Estados Unidos diante dos desafios colocados pela nova presidência de Donald Trump. Rubens foi embaixador em Washington de 1999 a 2004 e, atualmente, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

Qual a sua avaliação sobre as atuais relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos?

As relações diplomáticas são muito boas. O comércio entre os dois países está crescendo, e as relações são fluídas, mas há um problema com a nova política americana. Do ponto de vista do Brasil, o que interessa é a parte econômica-comercial, pois nós não temos força para entrar na parte política-internacional. Agora, como houve essas medidas americanas, nós precisamos conversar. Para isso, é preciso abrir os canais e ampliar o nível de relacionamento com os órgãos competentes dos Estados Unidos, que são o Departamento de Comércio e o USTR (United States Trade Representative).

Na sua avaliação, existe um canal de comunicação entre os altos escalões dos dois governos?

Não, não existe. O Lula não fala com o Trump, e o Mauro Vieira, ministro de Relações Exteriores, que eu saiba, ainda não falou com o Marco Rubio, secretário de Estado dos Estados Unidos. Eu vi no noticiário que o Celso Amorim, assessor especial da presidência, chamou o encarregado de negócios da embaixada americana no Brasil para conversar, mas esse é um canal de comunicação em um nível mais baixo. Se houve alguma comunicação entre os altos escalões, isso não se tornou público.

O governo brasileiro não deveria ter construído esse canal de comunicação logo após o resultado da eleição americana?

Há um mês que eu venho falando sobre isso. Desde a eleição de Trump, nós vimos uma ação política dos bolsonaristas em Washington, primeiro junto ao Trump e depois junto ao Marco Rubio. Agora, um mês após a posse, nós estamos vendo os primeiros movimentos do governo brasileiro. Eu acredito que a embaixada brasileira em Washington está sendo acionada pelo governo para que ela tente abrir canais de comunicação, pois eu não posso imaginar que isso não esteja acontecendo. Contudo, isso deveria ter sido feito antes.

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Em 2000, quando eu era embaixador em Washington, eu participei da transição da presidência de Bill Clinton (democrata) para a presidência de George W. Bush (republicano). Antes da eleição, a embaixada teve um papel muito importante na abertura de canais de comunicação, sendo que ninguém me mandou fazer isso. Eu tomei a iniciativa de falar com os políticos, participar das convenções, tanto republicana quanto democrata, e mandar memorandos para os dois candidatos, Bush e Al Gore (candidato democrata derrotado), falando sobre o Brasil e as principais questões entre os dois países. Por exemplo, Bush mandou um representante, que depois virou secretário, conversar comigo antes da eleição.

O que não pode são divergências ideológicas-partidárias interferirem no relacionamento entre os dois países, já que o interesse nacional é maior. Apesar das divergências entre os dois presidentes, eu imagino que a máquina burocrática brasileira esteja em contato com a máquina burocrática americana.

Agora, o relacionamento de todo mundo com o Trump é difícil. Veja que a Inglaterra sempre foi o primeiro país a ser recebido pelo presidente eleito dos Estados Unidos. Contudo, Trump já recebeu os primeiros-ministros do Japão, do Canadá e da Índia, mas ainda não recebeu o primeiro-ministro inglês. É por isso que, como Trump não possui uma regra, é preciso estabelecer canais de comunicação para levar a relação entre os dois países adiante.

Como construir esse canal nesse momento de forma a que ele seja efetivo?

As burocracias do Itamaraty e dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e da Fazenda têm que procurar as suas contrapartes em Washington para estabelecer canais de comunicação. Por exemplo, na questão da deportação de imigrantes brasileiros ilegais, o Itamaraty e a embaixada americana montaram um grupo de trabalho em Brasília que já resolveu a questão. Para que se possa resolver o problema das tarifas, é preciso montar um grupo que converse com os departamentos de Estado e de Comércio dos Estados Unidos. Indo além, o governo brasileiro já deveria ter feito um contato na área de meio ambiente, já que Trump tem uma posição diferente de Biden. Enfim, é preciso que se estabeleça canais de comunicação entre Brasília e Washington, que os ministros viajem e conversem, e que a embaixada brasileira em Washington atue. Isso porque relação diplomática é conversa o tempo todo.

Como disse, o fato de não haver afinidade ideológica não pode prejudicar a relação entre os dois países. Por exemplo, no caso da Argentina, Lula não fala com o seu presidente, Javier Milei, mas não existem problemas na relação comercial e econômica entre os dois países. Pelo contrário, a relação está fluindo muito bem. O mesmo deveria acontecer com os Estados Unidos.

A Argentina está em vantagem frente ao Brasil no relacionamento com os Estados Unidos?

Existe uma afinidade política entre os dois presidentes, mas a Argentina é uma fração do Brasil. O Brasil precisa ter uma visão de defesa do seu interesse e uma política que atenda essa visão, o que não existe. A Argentina diz que vai fazer um acordo com os Estados Unidos, mas eu não acredito nisso. O Brasil tem que ver qual é o seu interesse e promovê-lo dentro das suas vantagens competitivas, das suas limitações e das suas vulnerabilidades. Como o Brasil é uma potência regional média, ele precisa atuar como uma potência regional média, mas que possui a oitava economia do mundo e um comércio exterior de meio trilhão de dólares. O Brasil tem um peso, mas nós não avaliamos o seu peso. O país precisa ter uma política que responda a isso.

A discussão via Mercosul poderia ser uma saída, mas como não há afinidade ideológica entre os presidentes dos dois países, não sei se cabe falar do Mercosul. Por exemplo, como os países europeus estão divididos, nós precisamos ver como eles vão reagir, se de forma individual ou como União Europeia. Como o Mercosul possui a tarifa externa comum, essa atuação poderia ser discutida, mas para isso seria necessário haver um entendimento prévio dos países-membros do bloco.

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