Os fins não justificam os meios: quem diz isso?

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Tenho lido essa frase grandiloquente sacudida a torto e a direito pelos anti-lavajatistas de plantão como se fosse a última cartada moral que lhes resta para desmerecer e minar o valor ético e legal da Operação Lava Jato para, ao final, vê-la extinguida de todo por meio do STF.

O objetivo mais cobiçado desse esforço concatenado a partir de um grupo de agentes políticos e jurídicos e da alta economia brasileira é obter a anulação dos processos que levaram à cadeia os principais cabeças do PT (não certamente gente como Eduardo Cunha) e algumas das figuras ilustres do empresariado brasileiro.

Por outro lado, se regozijam os anti-lavajatistas tão desavergonhadamente dessa frase que não percebem ou fingem não perceber que já caíram, caem constantemente e continuarão a cair assustadoramente nas amarras lógicas dessa frase, como, aliás, cai todo mundo no seu dia a dia, pela impossibilidade de se ter tão distintamente opostos os fins e os meios nas relações humanas cotidianas.

 

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Tão cercados que estão, que Dom Sebastião

virá salvar os defensores da Lava Jato?

 

Os anti-lavajatistas sabem especialmente da grandiosidade da roubalheira de dinheiro público perpetrada de muitos modos e maneiras em benefício de um partido e de uma ideologia já desacreditada pela forca da história há muito tempo.

Quem ainda pretende justificar o desfalque de meio trilhão de reais do tesouro nacional entre 2003 e 2017 na mão grossa e boba geme algo em torno de “foi para o bem do povo brasileiro mais humilde”. Quer dizer, para essa gente os fins justificam os meios, ainda que de um modo um tanto obscuro e sofismável, o que não pode acontecer para nenhum outro, até em casos tão menos claros e menos prejudiciais ao bem comum.

Por outro lado, o relativismo oportunístico da aplicação dessa máxima lógica ganha ares de justiciamento implacável a cujos estertores de maledicência a sociedade brasileira está sendo forçada a se submeter por esse conluio poderoso. Vejamos como e por quê.

Desde o seu jurista-mor, Gilmar Mendes, os anti-lavajatistes acusam o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol de, em algumas mensagens obtidas criminosamente dos seus celulares, terem planejado e até praticado atos de natureza antiética e ilegal com o intuito de prejudicar a defesa de alguns réus daquela Operação.

Em primeiro lugar, alegam que conversa entre juiz e promotor não faz parte do cânone jurídico brasileiro. Isto parece ter sido desmentido por muitos depoimentos de juízes que demonstraram em vários momentos que essa prática se dá no cotidiano dos atos jurisdicionais sem prejuízo da sua legalidade e legitimidade.

Em segundo lugar, pelas análises de diversos juristas reconhecidos em seu metier, as mensagens trocadas entre os referidos juiz e promotor não conspurcam a natureza ética da relação que deve prevalecer entre essas duas entidades jurisdicionais durante um processo investigativo, nem tampouco por consequência teriam prejudicado o curso das investigações em detrimento aos réus em causa.

Alguns juristas apontam uma ou outra ocasião em que se poderia acusar o procurador Deltan Dallagnol de ter ido além do seu âmbito de ação, mas em nenhum momento de um modo que mereça punição disciplinar ou desprezo profissional. Ao contrário, a maioria das mensagens trocadas revelam um alto grau de modéstia e contenção nas palavras e nas comemorações de vitórias de seus atos. Enfim, muito pouco ou quase nada há nessas mensagens para se brandir o açoite de maledicências, como costumam fazer os anti-lavajatistas.

Já não vituperam os anti-lavajatistas pela falta de provas. Elas estão aí nos autos de condenações, nas delações confirmadas, nas homologações de tribunais, nas devoluções de bilhões de reais, guardadas em bancos e paraísos fiscais, nas covas de licores e vinhos, nos apartamentos e chácaras, nas fazendas abscônditas, nos cofres e nos colchões das alcovas, quem sabe.

De onde mais obter desculpas esfarrapadas e sofismas erísticos para manter a aura de santidade dos condenados. Não serão por acaso vítimas da arbitrariedade? Não estaremos vivendo sob a águia do fascismo? Ou a suástica do nazismo? Ou a bata negra da Inquisição?

Mas, aí é que está, a campanha anti-lavajatista está a mil. Não importam que não tenham mais como fazer contorcionismos jurídicos. Agora é partir para cima. Os seus membros afiaram suas espadas por todos os modos e técnicas que puderam e as brandem com vitupérios estridentes em todas as ocasiões.

As hordas mais inesperadas estão se agrupando, dos hunos aos tártaros, dos sarracenos aos vikings, dos batavos aos janduís. Montaram acampamento de guerra em Brasília. Armaram o cerco aos castros de defesa, bombardeiam com artigos flamantes em jornais, declarações vociferantes em tribunas e votações devastadoras que nem pela segurança de seu povo torcem mais. E, pois, já se sentem preparados para a investida final. Será essa semana no STF? Será na próxima? Será na Câmara dos Deputados ou no Senado?

Enquanto isso os defensores da Lava Jato, quais gregos em Salamina contra a armada de Xerxes, mas sem um Tucídides para os orientar, tentam contrabalançar sua inferioridade numérica por novas táticas de demolição de argumentos e demonstrações de veracidade. Debalde. Tão cercados que estão, que Dom Sebastião virá a lhes salvar?

Mércio Gomes

Ph.D em Antropologia, presidiu a Funai entre 2003 e 2007. Atualmente leciona na UFRJ. Autor de diversos livros, mantém o blog O Brasil Inevitável.

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