Conversamos com Eduardo Araújo, diretor da Tax All Consultoria Tributária, sobre um ângulo esquecido da discussão sobre a desoneração da folha: as empresas.
Por que a desoneração da folha foi criada?
O efeito da desoneração é deixar o custo de contratação mais barato para empresas que gastam mais com a folha em relação ao seu faturamento. Quando o governo coloca a questão da desoneração, um dos principais intuitos é evitar o desemprego, pois se ele está dando condições para que o empregador facilite a contratação de pessoas, isso tende a diminuí-lo.
Por exemplo, quando uma empresa está analisando a possibilidade de abrir uma filial, ela verifica que vai ter que contratar “x” pessoas e que isso vai lhe custar, só de INSS, 28% da folha, sendo que esse percentual aumenta para 36% quando se somam as provisões de 13º e de férias. Isso faz com que muitos empreendimentos não se tornem viáveis, pois o custo de folha é muito alto. Se a empresa decidir por não fazer a expansão, ela deixa de contratar mais pessoas. Contudo, quando essa empresa vê que pode economizar parte desse custo, a operação pode se tornar viável.
Além da desoneração deixar a folha de pagamento mais barata, reduzindo a informalidade e o desemprego e gerando novas vagas no mercado, ela também tem um efeito que ninguém coloca: os custos do governo também ficam mais baratos, pois várias empresas que são beneficiadas pela desoneração possuem como principal contratante o próprio governo, pois quando ele solta uma licitação, as empresas desoneradas usam uma tabela, e as não desoneradas, outra, sendo que, geralmente, o preço da empresa desonerada fica mais barato.
Quando o governo criou a desoneração da folha, por mais que ele tenha aberto mão de parte de arrecadação do INSS, ele consegue ganhar de outras formas?
O governo ganha, por exemplo, com a redução da informalidade. A desoneração possibilita que as empresas possam formalizar vínculos empregatícios que antes eram informais. Com essa formalização, você traz mais arrecadação para o INSS. Como antes não havia nada, isso fazia com que muitas pessoas ficassem na informalidade, o que fazia com que o governo ficasse sem os 28% do INSS. Depois que o governo soltou a desoneração, o empresário viu que não precisava mais correr esses riscos, já que o custo do INSS havia caído.
Por exemplo, por que muitas empresas fazem a pejotização do ramo jornalístico? Se uma rede de televisão contrata um jornalista pagando R$ 10 mil na CLT, ela vai ter que pagar um FGTS de 8% e um INSS de 28% do valor do salário, ou seja, o equivalente a 36% do que a empresa paga para o funcionário vai para o governo. Assim, a rede de televisão vai dizer ao funcionário que é melhor ele ser Pessoa Jurídica (PJ), pois ele vai receber os mesmos R$ 10 mil, mas ela não vai ter que pagar R$ 3,6 mil para o governo, que vai ficas a ver navios.
Quando o governo permite que um setor seja desonerado, a empresa vê que esse percentual cai bastante e que não precisa mais correr o risco de ficar fazendo PJ. Ela traz a pessoa para o regime celetista, e o governo passa a receber uma fatia que antes ele não via.
Com relação ao desemprego, se a empresa está passando por um aperto financeiro e vê que a mão de obra é um dos seus maiores custos, ela demite funcionários, já que é caro mantê-los, mas se esse custo passa a ser mais barato, ela vai, provavelmente, demitir menos ou talvez nem demita. Isso pode impactar na redução de desemprego em setores que, às vezes, não estão passando por uma boa situação devido a algum momento da economia.
Voltando ao caso de uma expansão. Por exemplo, quando uma grande confecção vai abrir uma fábrica, ela analisa se vale a pena abri-la no Brasil ou mandar a produção para a China, onde a mão de obra é mais barata. A empresa pode chegar à conclusão que, mesmo com o custo de logística, o custo de contratação no Brasil é tão grande que é mais barato contratar gente em outro país. Isso faz com que a desoneração possa gerar um aumento de emprego, justamente o que muitas pessoas dizem que ela não faz.
Como funciona a desoneração da folha?
Vamos imaginar uma empresa de tecnologia que tem 10 funcionários, sendo que cada um ganha R$ 10 mil mensais, o que gera uma folha mensal de R$ 100 mil. Sobre essa folha, a empresa, que não é desonerada, vai ter que pagar para o governo 28% de INSS. Apenas para que o cálculo fique mais fácil, não vamos considerar 13º salário e férias, o que aumenta esse percentual para 36%. Na desoneração, em vez de a empresa recolher 28% para o INSS, ela passa a recolher 8%. Só que para que ela tenha essa economia, ela tem que pagar um percentual sobre o faturamento, que no caso de uma empresa de tecnologia é de 4,5%. Se a empresa fatura R$ 300 mil mensais, ela tem que pagar R$ 13,5 mil. Com isso, ela economiza R$ 20 mil, mas gasta R$ 13,5 mil, o que chamamos de pedágio. No final das contas, ela tem uma economia de R$ 6,5 mil.
Os empresários sempre têm que fazer esse cálculo, pois se o faturamento descolar da folha, não compensa fazer a desoneração. Isso porque se o faturamento cresce, mas a folha não, esses 4,5% ficam muito caros; porém não é muito comum uma empresa que possui um grande índice de funcionários conseguir descolar o faturamento da folha. Cabe destacar que esse percentual do faturamento varia de acordo com o setor, podendo ser 1,5%, 3% ou 4,5%.
A desoneração gera mais competitividade para as empresas?
Gera. Vamos pensar em duas empresas de construção civil que estão participando de uma licitação do governo. A primeira investe muito mais em tecnologia, o que faz com que ela tenha que contratar menos mão de cobra. Neste exemplo, essa empresa não é desonerada, pois como ela consegue fazer o serviço com mais tecnologia, ela tem mais margem, o que faz com que o seu faturamento descole da folha. A segunda não investe tanto em tecnologia, tem muita mão de obra e é desonerada. Na licitação, a segunda empresa vai ter que dizer que é desonerada, e quando ela faz isso, ela tem que baixar o seu preço.
Geralmente, o governo faz o orçamento da obra em um cenário normal. Se a licitação for de R$ 6 milhões e essa empresa ganhar, ela não vai poder cobrar R$ 6 milhões do governo. Quando ela pega a planilha do governo e a transforma em um modelo desonerado, a obra de R$ 6 milhões passa, por exemplo, para R$ 5 milhões, pois esse benefício tributário não fica com ela, e sim com o contratante, neste caso, o governo. Como ela vai ter que baixar o seu preço, a outra empresa, mesmo não sendo desonerada, também vai ter que baixar o seu, caso queira vencer a licitação. Neste caso, o governo não quer nem saber, pois ele quer o menor preço e qualidade. Isso faz com que os preços, automaticamente, baixem, o que gera mais competitividade.
Esse efeito também acontece no mercado privado. A empresa desonerada sabe que tem mais margem para reduzir o seu valor, já que ela tem um ganho tributário embutido, o que a torna mais competitiva. Uma empresa não desonerada não vai conseguir dar desconto, pois os seus funcionários custam 20% a mais que os funcionários da empresa desonerada.
As empresas que possuem desoneração da folha contratam efetivamente ou ficam com dinheiro em caixa?
Nos casos em que o contratante é o governo, esse dinheiro não fica no caixa, pois, como disse, ele vai para o preço final do produto. Agora, quando você vai para o setor privado, nem sempre isso acontece, pois depende da disputa. Se a empresa tem um contratante que não conhece isso e não tem concorrência, ela, provavelmente, não vai baixar o preço sem o contratante pedir, o que faz com que a empresa tenha mais margem. Se isso acontecer, ou ela vai ter um aumento de lucratividade ou vai pegar essa margem para fazer a expansão do seu negócio.
Por exemplo, nós já tivemos o caso de uma empresa que não era desonerada e que ganhou uma licitação, que geralmente é de 5 anos, mas que dois anos depois entrou na desoneração. Quando o governo tomou conhecimento da sua desoneração, a partir do mês seguinte a fatura de cobrança passou a ser menor. No ramo privado, isso não acontece em 100% dos casos, pois depende da situação. Pode acontecer de o empresário colocar o dinheiro no bolso, mas em empresas que estão em constante crescimento, isso não acontece, pois os recursos são reinvestidos.
Quando se diz que a desoneração enriqueceu empresários, provavelmente, isso aconteceu em uma empresa que não está conseguindo crescer, pois em vez de o empresário reinvestir, ele está colocando no seu bolso. Pode ter certeza que quando essa empresa é comparada aos seus concorrentes, ela está ficando para trás, pois se a empresa teve um ganho de benefício, isso tinha que ter gerado mais capacidade de investimento, o que faria com que o seu processo de crescimento fosse acelerado.
Hipoteticamente, o que aconteceria com as empresas caso a desoneração da folha acabasse?
Nós temos várias empresas que se beneficiam com a desoneração, sendo uma delas uma transportadora. No dia 27/12/2023, nós tivemos a aprovação da Lei 14.784, que prorrogava a desoneração da folha até 2027, mas no dia 28/12/2023, o governo editou a MP 1.202 que revogava os seus benefícios. Quando conversamos com essa transportadora, nós lhe dissemos que ela não poderia mais utilizar a desoneração a partir de março e que isso representaria R$ 500 mil a mais de custo por mês. Diante dessas informações, ela nos disse que não teria condições de pagar, pois já havia feito todo o planejamento do ano prevendo a desoneração, e se isso acontecesse, a guia teria que ser parcelada e ela teria que fazer um plano de reestruturação para enxugar custos e mandar gente embora para conseguir pagar a fatura do mês seguinte.
Como muitas empresas já fizeram o seu planejamento estratégico contando com a desoneração até 2027, quando o governo muda a regra no meio do caminho, muitas delas ou vão ficar inadimplentes, ou vão ter que desacelerar o crescimento ou vão ter que cortar custos, o que, nesses setores, pode ter certeza, significa demissão.
Na Emenda Constitucional 132/2023, que trata da Reforma Tributária, constava um prazo de 90 dias para que o governo encaminhasse a reforma dos tributos da folha. Eu não tenho conhecimento se esse projeto já foi enviado ao Congresso, mas espera-se que essa não seja uma desoneração para apenas 17 setores e sim para todas as empresas que querem aumentar a contratação de funcionários. Isso é o que resolveria de fato. O governo desoneraria a folha das empresas, mas cobraria um percentual a mais sobre o faturamento. Contudo, isso tem que ser controlado. Se a empresa está crescendo e está aumentando a quantidade de funcionários, a desoneração da folha está fazendo sentido, pois ela está gerando mais empregos.