Conversamos sobre os impactos da Reforma Tributária no Simples Nacional com Diego Zacarias dos Santos, diretor de auditoria interna e assuntos regulatórios da Contabilizei.
Quais serão os impactos da Reforma Tributária no Simples Nacional?
A Reforma Tributária é um avanço, pois ela vai simplificar o contexto legislativo. Cabe destacar que o consumo possui cinco tributos que estão na esfera desse processo, sendo que três deles, IPI, PIS e Cofins, são de competência federal, o ICMS é de competência estadual, e o ISS é de competência municipal.
Nesse contexto, nós temos a União, 26 estados mais o Distrito Federal, e mais de 5.500 municípios emitindo e mudando regras o tempo todo, o que transformou o sistema tributário em um verdadeiro manicômio e faz com que o processo de compliance seja bastante desafiador.
Essa simplificação vai ter impacto nos três regimes tributários: o Lucro Real, que são as empresas de grande porte, que podem ser de capital aberto ou fechado; o Lucro Presumido; e o Simples, sendo que as pequenas empresas estão no Lucro Presumido ou no Simples.
No Lucro Presumido, nós vamos ter mudanças benéficas para os pequenos, pois se hoje ele não permite que as empresas tomem créditos dos impostos de consumo, com a Reforma Tributária elas passarão a tomá-los; mas quando nós vamos para o Simples, estão sendo divulgadas informações de que nada vai mudar, pois o que vai acontecer é um mero intercâmbio dos impostos que estão contidos na DAS (Documento de Arrecadação do Simples), ou seja, do PIS/Cofins para a CBS, e do ICMS e do ISS para o IBS.
Essa seria a única mudança, mas quando nos debruçamos sobre a Emenda Constitucional 132/2023 e a Lei Complementar 214/2025, nós começamos a ver uma série de impactos.
O primeiro impacto está relacionado à transferência do crédito. Pouca gente sabe, mas o Simples transfere crédito para uma pessoa jurídica que está no Lucro Real. Por exemplo, se a empresa que está no Simples está no Anexo III e paga 6% sobre o seu faturamento, metade desse valor se refere aos impostos de consumo (PIS/Cofins, ICMS e ISS). Com isso, a empresa do Simples paga cerca de 3% de impostos sobre consumo, mas a empresa do lucro real se credita a 9,25% referente ao PIS/Cofins, o que é supervantajoso para ela. Com a Reforma Tributária, o Simples não vai mais transferir 9,25% para as empresas do Lucro Real, mas apenas 3%, exatamente o que é pago na DAS.
Como a empresa do Lucro Real vai tomar um crédito menor, o seu custo de aquisição vai ficar maior. Com isso, ela pode pressionar a empresa do Simples para que ela faça duas coisas: reduza o seu preço, diminuindo a sua margem, de forma a compensar a redução do crédito de 9,25% para 3%; ou migre para o Lucro Presumido para que ela possa transferir o crédito integral da operação, ou seja, os cerca de 28% do IVA (CBS + IBS). Isso vai acontecer, pois ninguém quer pagar mais.
Contudo, se as empresas do Simples forem obrigadas a mudar para o Lucro Presumido por pressão dos seus clientes, elas não vão mais pagar 6%, e sim 28%. Dessa forma, por mais que elas tenham direito a crédito, elas vão pagar muito mais impostos. Um impacto que está sendo pouco falado é que vai haver um aumento substancial de preços para os consumidores, principalmente por parte das empresas que prestam serviços, pois elas não vão ter como absorver um aumento de tributação de 6% para 28%.
Para que as empresas não sejam pressionadas a sair do Simples, a Reforma criou o Simples Nacional Híbrido. Por esse sistema, os impostos de consumo que estão na DAS, cerca de 3%, poderão ser recolhidos pela empresa do Simples fora da DAS de forma a gerar crédito para os seus clientes pessoa jurídica.
O problema é que esse recolhimento não vai ser de 3%, mas de 28%, que vão compor o preço do serviço ou do produto no final do dia. Isso vai trazer uma camada de complexidade para o Simples que hoje não existe, pois, em vez de se ter uma única guia de pagamento de impostos, ele vai passar a ter duas: a guia de 3% referente ao INSS, Imposto de Renda e CPP (Contribuição Patronal Previdenciária) e a guia dos impostos de consumo.
Essa mudança vai exigir das pequenas empresas e das empresas de contabilidade a simulação de cenários para saber o que vai fazer mais sentido: ficar no Simples e recolher a DAS ou ir para o Simples Híbrido e recolher duas guias? Ficar no Simples ou migrar para o Lucro Presumido? Quem for Simples e não fizer conta, corre o risco de pagar mais impostos do que deveria devido a pressão dos seus clientes pessoa jurídica para que possam tomar crédito.
Outro ponto é que as empresas do Simples vão precisar entender o perfil dos seus clientes, pois não vai ser uma questão de escolher o regime tributário, se fica no Simples ou se vai para o Lucro Presumido. Isso porque, se a empresa tem, majoritariamente, clientes pessoa jurídica, ela vai ter que avaliar se eles vão pedir ou não créditos. Se essa empresa pedir crédito, ela vai pedir para que a empresa do Simples recolha fora da DAS, mas se isso acontecer, e a empresa tiver que aumentar o preço, será que ela vai concordar com isso? Será que a empresa do Simples vai ter que acabar migrando para o Lucro Presumido?
Se o cliente for pessoa física, a tendência é que não haja impacto. Isso porque se a empresa ficar no Simples, a única diferença é que os impostos de consumo que hoje estão dentro da DAS vão mudar, o que não vai gerar impacto para o cliente pessoa física.
Isso remete a outro impacto que pouco se está falando: as empresas vão ter que aprender a formar preço, pois se ela não souber precificar, dependendo do perfil dos seus clientes, ela pode ter menos lucro ou até prejuízo. Como disse, as empresas só vão conseguir enxergar essas mudanças quando elas pararem para simular e fazer contas.
Se a empresa ficar no Simples, o Split de Pagamento vai reter o valor da DAS?
Essa é uma dúvida que nós temos, pois o Split de Pagamento ainda não tem uma regulamentação. O que nós temos são três modelos de Split: o Inteligente, o Super Inteligente e o específico para as empresas de varejo. Como não existe uma previsão se o Split se aplica ou não ao Simples, na nossa visão como Contabilizei, isso não faz o menor sentido.
Isso porque no Simples, quando se faz o cálculo dos impostos, você precisa considerar o valor total da nota fiscal em um contexto para calcular o valor que vai ser pago. Não é apenas pegar 6% e aplicar sobre o faturamento. Para isso, existe um cálculo chamado RBT12 (receita bruta total de 12 meses proporcionalizada). Inclusive, nós já questionamos a Receita Federal sobre como vai ficar esse cálculo caso haja Split de Pagamento.
Além disso, existe o aspecto legal. A princípio, o Split de Pagamento deveria ser para as empresas que estão em regimes regulares, ou seja, que não recolhem impostos em uma sistemática, digamos assim, simplificada, como o caso do Simples. Contudo, existe a possibilidade de que o Split seja exigido para o Simples Nacional Híbrido.
As alíquotas do Simples devem ser revistas por causa da CBS (PIS/Cofins) e do IBS (ISS)?
Depende. Se a empresa do Simples atende pessoas físicas, ela vai continuar recolhendo 6%, mas em vez de enxergar dentro da DAS o PIS/Cofins, ICMS e ISS, ela vai enxergar a CBS (PIS/Cofins) e o IBS (ICMS e ISS), além dos outros tributos como Imposto de Renda, INSS e CPP. Nesse cenário, não vai existir uma mudança de alíquota, mas um mero intercâmbio de impostos.
Agora, se a empresa do Simples atender pessoas jurídicas que precisam do crédito, ela vai recolher por fora, e nesse caso nós estamos falando de uma mudança de alíquotas, pois, como disse, a empresa vai passar de 3% na DAS para 28% fora da DAS.
Apenas confirmando: mesmo que as empresas do Simples não queiram sair do regime, elas podem ser pressionadas a sair do regime para que suas notas concedam créditos, correto?
Correto. Além das ponderações que fiz na primeira resposta, existe o caso das empresas que possuem um mix de clientes pessoa jurídica e pessoa física. Se essa empresa migrar para o Lucro Presumido, ela vai ter um incremento no preço, pois o IVA é de 28%. Isso não vai ser um problema para os clientes pessoa jurídica, pois eles terão direito ao crédito, mas será para os clientes pessoa física, que vão acabar pagando mais, pois não terão direito ao crédito. Se a empresa não fizer contas e simulações de forma correta, antes de fazer qualquer mudança, ela pode perder clientes, receita, mercado e competitividade.
No que as empresas do Simples devem ficar de olho para 2026 e 2027?
Para 2026, existem duas grandes mudanças. A primeira é o início da Nota Fiscal de Serviço Eletrônica padrão nacional. Essa mudança vai alcançar todos os regimes tributários. Na nova nota, nós vamos ter o campo da CBS, com uma alíquota de 0,9%, e do IBS, com uma alíquota de 0,1%, além dos impostos atuais que já constam na nota fiscal de serviços.
O ponto é que os novos impostos vão ser destacados a partir de 2026, mas não vão ser recolhidos. Isso porque, como nós vamos ter um período de teste no ano que vem, a Receita não vai exigir o recolhimento desses tributos.
A questão é que o não recolhimento tem uma condicionante: a entrega das obrigações acessórias. O problema é que, até agora, não se tem clareza sobre o que são essas obrigações acessórias. A priori, o que tem sido veiculado é que essa obrigação seria a emissão da nota fiscal, mas eu não acredito que essa seja a única.
A segunda mudança é o recolhimento do 1% da CBS e do IBS, o que depende do cumprimento ou não das obrigações acessórias.
Além disso, nós temos outra grande mudança para 2026, que não está relacionada à Reforma Tributária, mas que vem no seu contexto: o enquadramento do Simples, que seria feito em janeiro e parte de fevereiro de 2027, passou para setembro de 2026. Com essa antecipação, as empresas terão menos tempo para regularizar seus débitos e suas pendências de obrigações acessórias, o que é uma condição para que elas possam optar pelo Simples e conseguir o enquadramento.
Para 2027, o assunto começa a ficar mais apimentado. Por exemplo, a partir desse ano, começa o intercâmbio dos impostos da DAS, ou seja, os 3% de PIS/Cofins, ICMS e ISS vão migrar para CBS e IBS até que eles somem 3%. Esse processo vai acontecer dentro da DAS, a não ser que a empresa migre para o Híbrido.
Em 2027, nós também temos a morte do PIS e da Cofins, que darão lugar à CBS. Se uma empresa do Simples tiver um cliente pessoa jurídica que precisa de crédito, ela vai recolher a CBS por fora da DAS, mas se ela fizer isso, em tese ela está saindo do sistema simplificado de recolhimento e passando para um regime regular de recolhimento, justamente o que o Lucro Presumido e o Lucro Real fazem.
Isso vai trazer uma complexidade, pois essas empresas do Simples vão tomar créditos. Esse ponto também está relacionado à questão da competitividade que mencionei, pois se a empresa do Simples recolher dentro da DAS, ela não vai ter direito a crédito além de transmitir um crédito menor.
O que deve acontecer com o Simples nos próximos anos?
O Simples vem sendo criticado há muito tempo, por mais que ele seja elogiado pela sistemática simplificada de recolhimento, propicie uma carga tributária menor em comparação ao Lucro Presumido e ao Lucro Real, seja composto, majoritariamente, por pequenos empreendedores, e contribua com a geração de empregos em uma proporção muito maior que as grandes empresas.
O problema é que o Simples passou a ser utilizado por grandes grupos empresariais que passaram a constituir várias empresas enquadradas no regime para fatiar o faturamento, pagando, por consequência, menos impostos do que pagariam no Lucro Presumido ou no Lucro Real.
Com isso, nós passamos a ter muita evasão fiscal, que é uma das principais críticas relacionadas ao Simples. O Simples também é criticado por ser uma renúncia fiscal, mas essa crítica não está correta, pois o tratamento diferenciado do regime está previsto na Constituição (Artigo 179).
Com relação às perspectivas do Simples, tanto pelo contexto da Reforma Tributária, que desidratou o regime pelos diversos motivos que mencionei ao longo da entrevista, quanto pelas críticas que são feitas, como a evasão fiscal e a renúncia fiscal, existe uma tendência natural para que o Simples seja repensado de forma a minimizar a evasão fiscal, mas propiciando o tratamento diferenciado para as pequenas empresas, já que elas, dependendo do seu momento, não conseguem arcar com a carga tributária e a complexidade do Lucro Presumido e do Lucro Real. O Simples não vai morrer, mas ele deve ser reformulado.
Considerando a nossa conversa, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Se a empresa do Simples não estiver amparada por uma empresa de contabilidade que dê suporte e ajude a navegar pelas mudanças que vão acontecer durante o período de transição, as chances de o negócio sofrer, ou até mesmo morrer, são grandes. Contar com um contador ou com um assessor tributarista é uma recomendação essencial.
O empreendedor do Simples tem que se inteirar sobre os impactos da Reforma Tributária no seu negócio. Se ele ainda não fez isso, ele está atrasado, pois haverá alterações de impostos; alterações de alíquotas, caso o tributo seja recolhido fora da DAS, e impactos no fluxo de caixa.
Além disso, o empreendedor vai precisar aprender a formar preço e a negociar para repactuar contratos com os seus fornecedores. Isso porque eu falei dos clientes, mas também existem os fornecedores, que também vão estar sujeitos ao contexto da Reforma Tributária. Se isso não for feito, o empreendedor pode pagar mais caro pelos insumos que precisa.
Desde já, é preciso entender o perfil de clientes e simular impactos, pois embora as mudanças do Simples comecem, de fato, em 2027, a partir de 2026 já haverá alterações importantes. Se isso não acontecer, existe um grande risco de a empresa do Simples queimar a largada.
















