O professor Celso Lafer fez-se conhecido à sombra de três importantes e respeitáveis personagens. No mundo intelectual, Hannah Arendt, que o orientou em sua tese, e Norberto Bobbio, de quem prefaciou e comentou obras. No mundo econômico e industrial, seu sogro, José Mindlin, de cuja empresa, a Metal Leve, foi diretor.
Sua carreira de professor da faculdade de direito do Largo São Francisco não tinha nada de original mas, pelo menos, contribuía para a formação intelectual dos jovens candidatos a advogados. Mas o deslumbramento pelo brilho de cargos públicos e funções diplomáticas desviou-o de seus ideais arendtianos, para colocá-lo sob a maléfica influência dos Srs. Fernando Collor de Mello, de quem foi ministro do Exterior, e Fernando Henrique Cardoso, de quem é ministro da Indústria.
No dia 29 de abril passado, com um artigo publicado num grande jornal de São Paulo, em inflamada defesa da privatização de Furnas, Celso Lafer atingiu o estágio mais lamentável de sua carreira. Permito-me colocar as seguintes perguntas: o que levou o ministro da Indústria a escrever sobre questões da alçada do Ministério da Energia? De onde tirou Celso Lafer a idéia de que retalhar Furnas para entregá-la a grupos privados (provavelmente estrangeiros) desfará monopólios naturais? Será que ele não percebeu que, se Furnas fosse entregue, por exemplo, à Light (que já controla a distribuição de eletricidade no Rio e em São Paulo), aí mesmo é que teríamos um fortíssimo grupo a exercer monopólio sobre os maiores mercados do Brasil ? E não previu que, se o grupo beneficiado com a entrega de Furnas fosse outro, comporia com a Light um poderosíssimo cartel?
Talvez mobilizado pelo artigo do professor Celso Lafer, o ministro da Energia tomou da pena e escreveu, para um grande jornal do Rio, no dia 11/05, um artigo em defesa da desmoralizada privatização de Furnas. Melhor seria que não o tivesse feito, pois desnudou sua monumental ignorância em matéria de sistemas elétricos, que ninguém imaginava fosse, a um tempo, tão minuciosa e abrangente. De fato, Sua Excelência ignora os mínimos detalhes de tudo o que diz respeito ao sistema elétrico brasileiro. No mundo de ficção do ministro, os serviços públicos melhoram com a privatização, apesar do desmentido da realidade e de um inédito apagão até hoje sem justificativa oficial. Para ele, a transferência de grandes blocos de energia através de interligações regionais é uma desvantagem! É de pasmar que um ministro declare isso por escrito. Através dessa transferência consegue-se mais energia com as mesmas instalações. Não fosse essa vantagem, já estaríamos sob racionamento, pois os investimentos privados que o ministro ardorosamente defende só existem no papel onde o artigo foi escrito.
Advoga instalações de usinas térmicas a gás junto aos centros de carga sem explicar que, por ser o gás um mercado não interruptível, estaremos queimando combustível e vertendo água nos reservatórios. Omite também a liberdade de preços e obrigações dos produtores independentes, que nem com essas vantagens se animam a fazer investimentos no país. A concorrência dos geradores, citada como grande benefício, só provoca queda de preços quando há sobras de energia. Perante a insuficiência de oferta, os preços sobem. Num “gran finale”, defende a cisão de Furnas que nada mais é do que parte de um grande engano técnico, que associa o sistema de transmissão apenas ao transporte de energia quando, na realidade, todos que conhecem o sistema brasileiro sabem que a transmissão tem papel preponderante na determinação da energia garantida das usinas. Os contra exemplos do binômio privatização-confiabilidade são nossos vizinhos. Argentina e Chile estão com sérios problemas de abastecimento apesar dos decantados benefícios da iniciativa privada.
Roberto Pereira D”Araujo
Engenheiro eletricista aposentado, trabalhou 23 anos em Furnas Centrais Elétricas.