Conversamos sobre o atual momento geopolítico com José Luiz Niemeyer, professor de relações internacionais do Ibmec do Rio de Janeiro.
Como deverão ficar as relações entre Estados Unidos e Europa?
Desde a Segunda Guerra Mundial que os Estados Unidos e muitos países europeus são aliados. É importante ressaltar que já na Primeira Guerra Mundial, na qual os Estados Unidos não participaram tão ativamente, havia uma necessidade de aproximação entre os dois lados. Com o fim da Guerra Fria (1991), a relevância acabou ficando na mesa dos Estados Unidos, mas sempre tendo os europeus como seus aliados. Neste momento, a aproximação ad hoc, muito momentânea, de Estados Unidos e Rússia, com os americanos sendo fiadores de uma paz que interessa muito mais à Rússia do que à Ucrânia e à União Europeia, faz com que haja um distanciamento dos Estados Unidos com relação a aliados europeus como França, Alemanha e Itália.
Alguns analistas dizem que Trump está tentando tirar a Rússia de Putin da esfera de influência da China. O problema é que Putin sempre jogou o seu jogo. É possível tirar a Rússia da esfera de influência da China de forma consistente e perene?
Não, não é possível, pois existe um projeto de uma aliança permanente entre Pequim e Moscou. Trump tem dois objetivos. Primeiro, ele está tentando fazer com que a Rússia não busque tanta autonomia e que não se aproxime da China. Segundo, ele está tentando fazer uma tríade, com uma certa estabilidade, entre Estados Unidos, China e Rússia, usando a Rússia para diminuir a influência chinesa.
O problema é que essa visão é de muito curto prazo, até porque Trump não possui uma visão de longo prazo. Isso porque ele já percebeu que não é possível ter uma visão de longo prazo em função do poder cada vez maior da China e da sua influência no sistema internacional, e da volta da própria Rússia à cena internacional, com o país ganhando autonomia nos últimos anos, anexando a Criméia e estando em vias de anexar 20% da Ucrânia.
Trump está tentando fazer o que é possível dentro daquilo que é possível, mas isso não vai se sustentar no médio e longo prazo.
Qual o grande problema dos Estados Unidos com a China?
Eu não considero que o governo Trump tenha uma questão de interpretação da democracia em relação à China. O governo chinês é autoritário, autocrático e de partido único, mas Trump também possui uma ação autoritária em relação à rotina democrática, o que faz com que não haja tanta diferença em relação à política interna. Agora, com relação à economia, ao comércio e às questões estratégico-militares, existem muitas diferenças. Os Estados Unidos são mais fortes que a China do ponto de vista econômico e militar, mas a China aumentou muito o seu poderio militar, principalmente o naval.
Trump levou a guerra comercial para um novo estágio, mas a visão de democratas e republicanos sobre a China é diferente?
O governo Trump tem uma posição diferente de um governo tradicional republicano. Geralmente, os republicanos têm um olhar muito norte-norte com relação à segurança internacional, olhando para Europa Central, Rússia e China. Já os democratas possuem um olhar mais sul-sul, preocupando-se mais com direitos humanos, democracia e questões comerciais. É por isso que o governo democrata, geralmente, interfere muito na agenda brasileira de política externa.
Trump é diferente de um republicano tradicional, pois ele tem uma postura muito isolacionista do ponto de vista econômico-comercial. Ele quer transformar os Estados Unidos em uma autarquia com as tarifas que estão sendo implementadas. Nos temas de segurança internacional, Trump é diferente dos republicanos, pois ele é mais seletivo nos temas. Eu vejo Trump pensando muito onde ele vai atuar, seja em relação ao Oriente Médio, à China ou à Coreia do Norte.
Como Trump é mais seletivo nos temas de segurança internacional, ele acaba focando muito nos temas de economia. Por exemplo, ele está tentando deixar claro para a China que a competição entre os dois países será, primeiramente, no campo econômico-comercial, para depois, bem depois, e só se for o caso, se posicionar em temas de segurança.
A China tem tido uma visão belicosa com relação ao Mar da China, mas agora tenta se aproximar dos seus vizinhos. Isso não é incoerente?
A China tem se aproximado dos seus vizinhos muito com uma perspectiva econômica-comercial. Ela está certa, pois as tarifas implementadas pela Casa Branca deixaram claro que os países que orbitam ao seu redor também vão ter tarifas de importação muito altas sob os seus produtos. Trump dividiu o mundo entre a China e seus parceiros e os parceiros americanos do Pacífico e do Atlântico, fora Canadá e México, que possuem uma interdependência complexa com os Estados Unidos. Por exemplo, Trump deixou o Brasil com uma tarifa baixa.
Qual a sua avaliação sobre o tratamento dos Estados Unidos em relação ao Canadá, que é o vizinho que todo o país pediu a Deus, à Groenlândia, que pertence à Dinamarca, e ao Panamá, com relação à questão do Canal? A forma como Trump tem se posicionado em relação a esses assuntos não pode servir de justificativa para postura da Rússia com relação à Ucrânia e incentivar a China em relação à Taiwan?
Excelente pergunta. Nós achávamos que tudo seria resolvido em laboratório no século 21, mas isso não vai acontecer. Cada vez mais, o que vai contar para o sistema internacional é a questão do espaço. Carl Schmitt, um teórico importante da ciência política, apesar de ter sido um dos teóricos do nazismo, escreveu um livro chamado Nomos da Terra, onde ele fala que o controle do espaço é fundamental.
A questão do controle do espaço ficou mais importante porque onde há espaço, há recursos. Além disso, você precisa controlar a logística, pois espaço sem logística não vale nada. É por isso que os Estados Unidos estão preocupados com a Groenlândia, o Canal do Panamá e as terras do Ártico.
É por isso que a China está preocupada com o Mar da China e o Sudeste Asiático, o que fez com que Estados Unidos, Inglaterra e Austrália se unissem através do Aukus, que visa ter influência nesta região.
É por isso que a Rússia invadiu a Ucrânia e tenta, novamente, liderar o espaço que era da União Soviética. Todos esses países estão preocupados com seus espaços e como desenvolver as suas logísticas nesses espaços. É por isso que a China, em parceria com a Rússia, está desenvolvendo a Nova Rota da Seda.
Outro país que precisa se preocupar com o seu espaço é o Brasil. Tanto com relação à Amazônia Verde quanto à Amazônia Azul. Aliás, na semana passada, o Brasil ganhou um novo espaço nas suas águas territoriais, ratificado pela ONU, e que possui, praticamente, o tamanho da Alemanha.
Os organismos multilaterais ainda atendem às necessidades contemporâneas ou precisam ser reformados?
Precisam ser reformados. Desde o regime de comércio a partir da OMC (Organização Mundial do Comércio), passando por todas as agências da ONU (Organização das Nações Unidas), seja por falta de recursos, seja por falta de eficácia, até o seu Conselho de Segurança, composto por cinco assentos permanentes e dez não permanentes. Por exemplo, existe um projeto para aumentar o número de assentos permanentes para 10, mas isso não sai do papel. Para que isso aconteça, é preciso tanto do apoio dos membros permanentes, que jogam essa discussão sempre para a frente, quanto do plenário da ONU, que poderia ajudar nessa negociação.
Outra questão grave do Conselho, e que precisa ser revista, é o veto. Seria melhor aumentar o número de países permanentes para 10 e fazer com que o veto fosse definido por uma maioria de 6 países. Hoje, o veto de apenas um país joga por terra qualquer discussão em relação à segurança internacional.
Como você tem visto o Brasil diante desse cenário?
O Brasil está muito bem. O país está longe do centro de disruptura, o que é muito importante, produz proteínas e detém muitos recursos, por mais que precise melhorar a sua exploração e saber negociá-los no sistema internacional. Inclusive, o Brasil pode exportar serviços na área de biorrecursos, o que poucos países têm capacidade de fazer.
Além disso, o Brasil é um dos poucos países que recebe pessoas e empresas de qualquer parte do mundo, e quando olhamos as cidades médias, as que não ficaram inchadas como as grandes, nós vemos um país equilibrado do ponto de vista do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Por fim, o Brasil é um país que vive um processo de aprimoramento da sua democracia de massa. É por isso que o Brasil está bem quando o comparamos com outros países e suas situações domésticas.