Os problemas do setor aéreo brasileiro

Segundo o analista Daronco, o descasamento receita x custo e a alavancagem operacional são os principais problemas das companhias aéreas brasileiras.

440
João Daronco
João Daronco (foto divulgação, Suno Research)

Conversamos sobre os problemas do setor aéreo brasileiro com João Daronco, analista CNPI da Suno Research.

O que está acontecendo com a Gol?

Basicamente, a Gol passou por um momento bem difícil durante a pandemia, o que fez com que a empresa se alavancasse, ou seja, como ela não estava conseguindo gerar o fluxo de caixa operacional necessário para que se mantivesse saudável, ela teve que recorrer a dívida, que cresceu de forma significativa, muitas vezes descontrolada, e acabou ficando bastante cara. Como a Gol não conseguiu mais se ver saindo desse ciclo vicioso, a empresa teve que entrar com o pedido de recuperação judicial para sair dele.

Por que o processo de recuperação judicial da Gol, da mesma forma que o processo da Latam em mai/2020, foi pedido nos Estados Unidos e não no Brasil?

Na minha visão, essa é uma questão mais estratégica da empresa. Os Estados Unidos, em geral, apresentam uma estrutura de recuperação judicial mais madura, que os investidores já conhecem com um maior grau de profundidade. Além disso, os controladores da Gol estão nos Estados Unidos. Pode ser que as conversas tenham sido mais fáceis por lá, o que fez com que a companhia optasse pela justiça americana, mas pode ser que a Gol também peça uma recuperação judicial no Brasil.

Na sua avaliação, como está a saúde financeira das companhias áreas brasileiras?

A saúde financeira das companhias brasileiras sempre foi um problema, pois elas sempre operaram bastante alavancadas, grande parte das vezes com dívidas em dólar num cenário em que o Brasil sempre apresentou instabilidades, o que piorou, na minha visão, com a pandemia. Por conta dessas grandes alavancagens operacionais e da queda do volume de viagens, as empresas precisaram se alavancar ainda mais, pegando mais dinheiro emprestado, senão elas teriam que fechar as suas operações.

Espaço Publicitáriocnseg

Num primeiro momento, esse dinheiro é benéfico para a empresa, mas ele acaba machucando muito nos anos seguintes por conta da despesa financeira. Como o endividamento foi feito quando o patamar de juros era outro, quando eles começaram a subir, as despesas financeiras passaram a machucar mais. É por isso que o setor passa por um momento difícil e delicado. Esse ainda é um dos principais pontos de atenção para quem analisa o setor aéreo. 

Quais são os principais problemas estruturais que sempre afetam as companhias áreas brasileiras?

O primeiro problema está relacionado às receitas e aos custos, sendo esse o mais sabido por todos. As receitas são em reais, pois as pessoas compram as passagens em reais, o que depende muito do poder aquisitivo do brasileiro. Se pegarmos um recorte dos últimos 15 anos, vamos ver que esse poder aquisitivo não cresceu. Do outro lado, essas empresas têm grande parte dos seus custos em dólares, como o leasing das aeronaves e os combustíveis, que também são dolarizados. Isso faz com que haja um descasamento.

Se as empresas fizessem algum tipo de repasse dos custos para as passagens, elas teriam uma diminuição significativa da demanda. Como durante a pandemia a renda das famílias caiu e o dólar disparou, se elas tivessem feito um repasse integral, o volume teria caído ainda mais. Se isso tivesse acontecido, talvez elas demorassem mais para se recuperar. Esse é um jogo bastante difícil para as companhias aéreas. Por exemplo, as empresas de commodities possuem custos em reais e receitas dolarizadas.

O segundo problema, que talvez seja o crucial, é a questão da grande alavancagem operacional. Quando uma empresa faz o leasing de uma aeronave, se ela estiver voando ou não, o leasing tem o mesmo custo. Se a aeronave está voando cheia ou com metade da capacidade, ela está pagando o mesmo leasing. Dessa forma, em momentos em que há uma queda na demanda, a questão da alavancagem operacional machuca muito essas empresas. Quando tudo vai bem, elas conseguem ter as suas operações rodando direito, mas quando acontece algum problema, essa alavancagem operacional pesa muito contra.

Eu sei que o desenvolvimento de um avião não ocorre de um dia para o outro, mas a Embraer não poderia atender parte desse mercado, pelo menos no que se refere aos aviões do porte do Boeing 737 e dos Airbus A319 e A320?

A Embraer não fabrica aeronaves como as que são feitas pela Boeing e pela Airbus, que realmente são para transporte massivo de pessoas. Ela fabrica aviões mais voltados para o mercado executivo, como o Legacy. Foi a partir dele que a Embraer passou a desenvolver outros aviões. Além disso, ela também trabalha com defesa e segurança. No passado, a Boeing quis comprar a Embraer, pois os portfólios das duas empresas são complementares, mas eu não acredito que a Embraer teria expertise para fabricar aviões como os que você mencionou.

O Governo Federal está analisando uma série de medidas para socorrer as companhias aéreas. Considerando as medidas que estão sendo veiculadas, mas que ainda não foram instituídas, elas, de fato, resolvem a situação ou são apenas um paliativo?

Esse é um setor muito difícil por conta da alavancagem operacional. Imagine que você faz o leasing dessas aeronaves gigantescas e tem que pagar a Boeing e a Airbus mensalmente, mas se der qualquer problema, a alavancagem operacional vai corroer todo o seu resultado. A empresa vai ter que pegar uma dívida para cobrir o rombo tendo que trabalhar nos anos seguintes para pagá-la, o que vai gerar um grande descasamento entre receita e custo.

Querendo ou não, essa peculiaridade não é apenas do Brasil. Nos Estados Unidos, aconteceu a mesma coisa por causa da pandemia. Como a alavancagem operacional bateu forte nas companhias aéreas, essas empresas também tiveram que pedir ajuda para pegar dinheiro, fazer seus pagamentos e conseguir manter a operação, mas, na minha visão, essas medidas são paliativas.

Liberar o mercado brasileiro para companhias estrangeiras resolveria o problema?

Essa não é uma aposta simples. Com o aumento de companhias aéreas, pode haver algum tipo de aumento da qualidade e do serviço, pois as empresas internacionais, geralmente, possuem uma robustez financeira maior. Isso acaba gerando uma diminuição do risco Brasil, pois uma empresa brasileira está totalmente exposta ao mercado doméstico. Qualquer coisa que aconteça nele, a empresa não tem outra operação para segurar as pontas até a volta do mercado doméstico brasileiro. Como uma empresa internacional tem operações em vários países, enquanto um vai mal, outro está indo muito bem, o que consegue segurar as pontas no final do dia. Na minha visão, isso poderia ser positivo sim.

Considerando a conversa que tivemos, existe algum outro ponto que você gostaria de acrescentar?

A história não se repete, mas rima. Se olharmos o histórico das companhias aéreas, ele não foge disso. Qual companhia aérea tem mais de 20 anos? Pouquíssimas. O investidor deve ficar atento a esse tipo de indicativo.

Siga o canal \"Monitor Mercantil\" no WhatsApp:cnseg

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui