Pacto social

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Os representantes do candidato eleito à presidência da República do Brasil, bem como o próprio, frequentemente apontam a necessidade da concretização de um pacto social, a ser celebrado no início da nova administração, para facilitar a governabilidade do país. A maioria da população não possui a menor idéia do que seja isto. Assim, vamos procurar recordar sua origem.
O antecedente próximo é o Pacto de Moncloa, realizado na Espanha, com muito sucesso, e invocado por todos que pensam em imitá-lo. É preciso realçar, contudo, que na Espanha existiam condições excepcionais. Havia um vácuo de poder, com a morte do general Franco, a existência de um forte agente moderador, representado pela figura carismática do próprio rei da Espanha, e pela predisposição natural de todos os atores políticos em viabilizá-lo, pois as opções eram dantescas.
No Brasil, a situação é bem diferente. Não tivemos uma guerra civil recente, felizmente. Não possuímos uma figura carismática para moderar as tratativas. Sequer acreditamos haver predisposição autêntica de todos os interlocutores em abrir mão de parte de seus direitos, em benefício de outras categorias. Na realidade, não visualizamos nos segmentos convocados para dialogar capacidade de renúncia em grau adequado às exigências da grave conjuntura vivenciada pela nação.
De fato, um pacto social caracteriza-se pelo diálogo entre os diversos atores políticos, reais representantes de seus respectivos segmentos e classes sociais, com o objetivo de cada um deles abrir mão de alguns privilégios e vantagens, objetivando assegurar o benefício da comunidade, de modo a que , no final, todos sejam beneficiados realmente. Talvez o verdadeiro objetivo seja o de facilitar o nível de persuasão das forças antagônicas ou mesmo indiferentes, no sentido de cooptá-las para colaborar com a futura administração.
Para que uma iniciativa deste porte tenha êxito é preciso um trabalho de base, com um período de tempo de maturação adequado, com a tentativa de preparação dos atores políticos para o desenrolar das negociações. E, inicialmente, procurar conciliar as correntes antagônicas existentes no próprio partido que ganhou as eleições.
A corrente mais de esquerda, representada pelos deputados eleitos Luciana Genro e Lindberg, defende a ruptura do acordo com o FMI, enquanto o coordenador geral, o prefeito de Ribeirão Preto, sinaliza para o mercado que tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes. Em qual deles acreditar?
E aí começa o trabalho mais complexo, o de acomodar os pensamentos dos diversos partidos que não participaram da vitória. Com qual PMDB negociar? O que apoiou Lula desde o início, o de Roberto Requião, José Sarney, de Itamar Franco, ou de Milton Temmer, Geddel de Lima e outros, até hoje comprometidos como o esquema governista de FHC?
Vejam que não é fácil a concretização de um pacto social entre as diferentes correntes de pensamento político. E o que fazer, quando começa o diálogo entre representantes dos empregadores e dos empregados? Diante de uma inflação, medida pelo IPCA, indicador oficial da administração, de cerca de 10%, em 2002, o representante da Fiesp comunica que a sua condição é a de congelar os salários, enquanto os preços dos demais bens e serviços, inclusive os administrados pelo poder público crescem em 20%, como a energia, o combustível e outros.
E o representante da Febraban nega-se a sequer conversar sobre a possibilidade de os setores mais agraciados, até o presente momento, pela “política econômica” de FHC compensar os fartos lucros obtidos com uma concessão maior aos mais atingidos pelas medidas duras de concentração de renda, impostas pelos “donos do mundo” à administração títere de FHC. Cinicamente, eles declaram que qualquer concessão por parte deles deverá ser precedida por outra, anterior, dos detentores de renda fixa.
Infelizmente, não é tradição no Brasil a concessão de qualquer coisa por outra que não proporcione aos doadores maiores vantagens e benefícios. O setor financeiro deverá, em 2003, ser o mais lucrativo de todos, com remuneração anual acima de 18%, e deverá continuar a tripudiar sobre as atividades produtivas do país, por falta de poder que o enquadre devidamente, como é feito rotineiramente nos EUA, na Europa e no Resto do Mundo.
Esta é a grande dificuldade da concretização de um pacto social, em benefício de toda a comunidade. Ninguém quer abrir mão de nada. Pelo contrário, querem usufruir a situação para obter maiores vantagens e benefícios. Oxalá estejamos equivocados e todos se acertem em prol dos interesses maiores do país.

Marcos Coimbra
Professor titular de Economia junto à Universidade Candido Mendes, professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e conselheiro da Escola Superior de Guerra (ESG).
Correio eletrônico: [email protected]
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