“A Covid-19 expôs e aumentou as desigualdades econômicas por toda a parte.” A avaliação é do professor de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Matheus Albergaria:
“À medida que andamos pelos bairros da cidade de São Paulo, notamos um maior número de moradores de rua e de pessoas pedindo esmola, o que sugere que a desigualdade de renda aumentou no período da pandemia. Aparentemente, quem era pobre ficou ainda mais pobre, ao passo que quem era rico ficou mais rico no período posterior à pandemia”, salienta o professor, advertindo que esse é um sinal sugestivo de aumento da desigualdade na sociedade brasileira contemporânea.
O Brasil foi um dos países que mais sofreram com a pandemia, mesmo considerando que historicamente, nosso país sempre foi um dos mais desiguais do mundo.
“Padrões de desigualdade nestes moldes também valem para países como Índia, Rússia, EUA e diversos países africanos, por exemplo”, diz Albergaria.
Segundo ele, “convivemos, ao mesmo tempo, com pessoas subsistindo em situação de miséria e pessoas vivendo em ‘ilhas de prosperidade’; como se tivéssemos dois países diferentes dentro do Brasil: um pobre e subdesenvolvido e outro materialmente próspero e desenvolvido”.
Matheus Albergaria vai além, ao destacar alguns dos potenciais mecanismos a partir dos quais a pandemia causou uma piora nas condições de vida da população:
“A pandemia acabou exacerbando a questão da desigualdade no Brasil, a partir de distintos canais. Dependendo da ocupação de algumas pessoas, elas puderam trabalhar a partir de casa e continuaram recebendo seus salários normalmente. Essas pessoas tiveram um maior grau de estabilidade econômica ao longo dos últimos anos e, consequentemente, acabaram ficando relativamente mais ricas do que aquelas pessoas que perderam o emprego ou passaram a trabalhar sob piores condições, por exemplo”.
Segundo o economista, um importante canal a partir do qual a desigualdade aumentou – e deve aumentar ainda mais nos próximos anos – foi a educação.
“Algumas pessoas tiveram poucas oportunidades educacionais oferecidas durante a pandemia, seja por falta de acesso à educação e treinamento profissional, seja por conta de novas formas de ensino, o que acabou prejudicando a aprendizagem de parte da população no período. Como economistas, sabemos que algumas dessas pessoas provavelmente terão salários inferiores no futuro – uma vez que há uma relação direta entre educação e ganhos salariais ao longo do tempo – em comparação àquelas que tiveram condições de investir em educação e treinamento durante a pandemia”, comentou Albergaria.
Outro canal a partir do qual a desigualdade aumentou e deve aumentar ainda mais no futuro foi a saúde.
“Ao longo dos últimos anos, observamos a ocorrência de altas taxas de mortalidade na população brasileira, principalmente no caso de pessoas de baixa renda ou sem acesso a condições adequadas de saúde”, salienta.
O professor relembrou o fato de que as 600 mil mortes ocorridas no período pós-pandemia, além de deixar profundas cicatrizes emocionais, em termos de saúde, para alguns sobreviventes, também contribuíram para a aumentar a desigualdade, haja visto que prejudicou a qualidade de vida de alguns brasileiros que foram contaminados pela Covid-19.
Matheus Albergaria diz acreditar que os governos, seja em nível municipal, estadual ou federal, devem atentar para o fato de que a desigualdade deve aumentar no futuro, seja por conta dos canais por ele mencionados – renda, educação e saúde – seja por outros possíveis canais alternativos. Em termos gerais, esses canais podem vir a exercer significativos impactos sobre a vida econômica dos brasileiros no longo prazo:
“Hoje, sabemos da importância de eventos específicos, ocorridos ao longo da história de uma localidade, que podem vir a ter efeitos econômicos permanentes sobre as condições de vida da população. Neste sentido, é importante que o governo passe a focar em políticas públicas voltadas para o combate à desigualdade, atentando ainda para possíveis consequências da mesma, como um possível aumento da criminalidade ao longo dos próximos anos”, finaliza.
No final de 2020, 19,1 milhões de pessoas conviviam diariamente com a fome no Brasil. Em pouco mais de um ano, esse cenário atingiu a preocupante marca de 33,1 milhões de brasileiros. Os números, divulgados no início de junho, são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
De acordo com João Paulo Vergueiro, conselheiro do Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP) e diretor-executivo da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR,) as estatísticas demonstram que a desigualdade se aprofundou nos últimos anos e a chegada da Covid-19 impactou as pessoas de forma diferente.
“Quem tinha mais recursos, conseguiu lidar melhor com a situação, diferentemente de quem já não contava com muito e, nesse caso, as dificuldades se ampliaram. Fatos como o aumento do desemprego, a inflação, que é a maior em décadas, além das tragédias que surgiram nesse tempo, contribuíram para o avanço da fome no país”, avalia.
Ao mesmo tempo em que o Brasil se depara com o aumento da fome, levantamento da ONU revela que o país desperdiça cerca de 27 milhões de toneladas de alimentos por ano. A pesquisa mostra, ainda, que 60% dos alimentos jogados fora são do consumo de famílias.
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