– Um tratado do início do século XVIII (27 de dezembro de 1703) demonstra como um país, distraído, pode abrir mão do seu futuro. O Tratado de Methuen, também citado como Tratado de Panos e Vinhos, foi firmado entre Portugal e Inglaterra. Esta negociou com os segmentos mais conservadores de Portugal na época e que fez com que Portugal levasse um “apaga luz”. John Methuen (1650-1706) foi constituído embaixador no caso pela rainha Ana, do Reino Unido, para negociar, e D. Manuel Teles da Silva, o marquês de Alegrete, ele próprio produtor de vinho, representou D. João V nas negociações.
– O acordo produziu efeitos de 1703 a 1736, envolvendo mercadorias têxteis inglesas v. vinhos portugueses. Em Portugal, a política interna opunha os interesses mercantis imediatistas dos setores mais conservadores (aumento do faturamento dos produtores de vinho) contra os interesses dos setores modernizantes do país (indústria têxtil).
– Em Portugal, negociava-se uma política ousada de fomento industrial, liderada pelo conde de Ericeira, abandonada com a vigência do Tratado de Methuen. Portugal exportava para a Inglaterra mercadorias como açúcar e fumo. A Inglaterra, importante parceiro comercial de Portugal, logo excluiu o fumo da sua pauta de importações. Logo mais, o açúcar produzido nas suas colônias substituiu a cota adquirida junto a Portugal. Asfixiou assim a resistência dos setores políticos ligados a essas áreas.
Portugal tinha tudo. Ou quase tudo…
Portugal teve tudo para superar a Inglaterra com seus os têxteis de qualidade superior à dos ingleses e com a eventual implantação da política de fomento industrial. Ou quase tudo, pois entrou em um moto-contínuo descendente, decorrente da mudança de uso da terra, da produção de produtos alimentares para vinícolas, advindo queda na produção de alimentos, escassez e necessidade de mais importações, sem que o acréscimo na produção e exportação do vinho português conseguisse equilibrar a balança comercial entre os dois países.
A armadilha
A maior facilidade de colocação do vinho português no mercado inglês seria instrumentalizada pela diferença de tarifas entre o produto de Portugal e outros, sobretudo os vinhos franceses. Estabelecidas paritariamente, as alíquotas guardavam a mesma diferença proporcional que a Inglaterra era obrigada a respeitar, mas conseguia desarmar, ao menos parcialmente, elevando na mesma proporção as alíquotas dos vinhos procedentes de Portugal e da França. A França, aliada da Espanha contra a Santa Aliança (Inglaterra, Áustria e Portugal), escolheu Portugal para travar a batalha do vinho. Quando a Inglaterra defensivamente subia o valor do imposto sobre o vinho francês, subia automaticamente o valor do imposto sobre o vinho português. O preço mais alto de ambos eliminava da concorrência primeiramente a mercadoria portuguesa.
Trinta anos, tudo o que a Inglaterra precisava
Portugal ficou marcando passo, enquanto a Inglaterra preparava a “sua” Revolução Industrial, permitindo o crescimento dos “enclosures” (terras de uso comum que passaram a ser cercadas e apropriadas pelos primeiros “capitalistas” – uma externalidade negativa, básica para o sucesso de empreendedores capitalistas, ainda hoje). Aproveitou também para dar início às bases do industrialismo, financiado principalmente pelo ouro que Portugal retirava no Brasil e usava para compensar dívidas antigas e o déficit de transações correntes que mantinha com a Inglaterra.
E o etanol?
Abrir a porteira para o etanol norte-americano entrar sem o pagamento de impostos é atirar aos cães a capacidade instalada no país. A Dra. Lúbia Vinhas, pesquisadora titular do Inpe (concursada) e coordenadora exonerada do Observatório da Terra (de março de 2018 a junho de 2020), e outros profissionais do Inpe, a saber, Thelma Krug, Jean Ometto e Luiz Aragão, em 18 de março de 2019, publicaram um sólido estudo (disponível na internet) com as seguintes principais conclusões:
“As evidências físicas são robustas e suficientes para atribuir a influência humana no clima global e, o ponto de discussão atual não é mais se as mudanças climáticas são causadas ou não pelos seres humanos, e sim que o clima está mudando e seus impactos atuais e futuros afetam e continuarão afetando diretamente a humanidade.”
“Precisamos buscar os co-benefícios das ações humanas em relação ao clima e ao ambiente de forma geral. Por exemplo, no Brasil há um enorme potencial de contribuir para a redução de emissões de gases de efeito estufa, particularmente o CO2, que pode ser atendido pela ampliação da geração de bioenergia (e biocombustíveis) e reflorestamentos em larga escala, contribuindo para métricas de sustentabilidade. Estas ações têm efeitos positivos diretos, tanto nas atividades da indústria brasileira, na economia nacional e na modernização do modelo social brasileiro. Ao indicar o negacionismo à mudança do clima e particularmente a influência humana, o Brasil perderá inúmeras oportunidades nos mercados internacionais e possibilidades de cooperação internacional, aceita pelos países membros do IPCC como o viabilizador crítico da implementação de atividades de mitigação e adaptação por países em desenvolvimento.”
‘Está vivo quem pelea’
Segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa/Academia Brasileira de Letras (5. ed. – São Paulo: Global Editora e Distribuidora Ltda, 2009) são formas existentes: peleado adj. – peleador (ô) adj. s.m.-pelear v.- peleia flexão verbal do v.pelear.
Paulo Márcio de Mello é professor aposentado da Universidade do Estado do RJ (Uerj).