Para que servirá o setor bancário brasileiro?

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O sistema financeiro brasileiro passou por um intenso processo de ajuste nos últimos anos, que se caracterizou pela consolidação de um setor bancário com um segmento privado nacional mais forte, mais internacionalizado e com um segmento público cada vez menor.
Dois são os fatores indutores deste movimento. Primeiro, a ação do Executivo federal promovendo a reconfiguração do setor. Segundo, o acirramento da concorrência entre as empresas, que tem levado a uma busca permanente de economias de escala – o aumento da escala permite a redução dos custos unitários dos produtos oferecidos – e ganhos de escopo que se manifestam através da ampliação do leque de produtos oferecidos aos clientes. Isto vem sendo feito via aquisições, fusões, definição de parcerias estratégicas – principalmente com instituições internacionais – e diversificação do investimento, ampliando a presença nos demais segmentos do sistema financeiro e em setores não financeiros da economia.
Um dos resultados imediatos deste processo é o esvaziamento da oferta de serviços e do crédito bancário nas regiões menos atrativas sob a ótica da rentabilidade privada. Dos 208 bancos (bancos múltiplos, comerciais e de desenvolvimento) autorizados a funcionar, em 31/12/1998, cerca de 88% tinham sede localizada dentro das regiões Sudeste e Sul.
Em dezembro de 1993, 28% dos municípios brasileiros não possuíam um ponto de atendimento bancário. Passados cinco anos, este percentual aumentou para 31%, ou seja, em dezembro de 1998, 1.739 municípios brasileiros estavam desprovidos de qualquer forma de atendimento bancário direto, segundo dados do Banco Central do Brasil.
A grande lacuna se dá nas regiões Norte e Nordeste, onde 60% e 47% dos municípios carecem de atendimento bancário direto, respectivamente. A situação de alguns estados é pior ainda: em Roraima e no Piauí este percentual sobe para 80%. A título de comparação, em São Paulo esta porcentagem é de apenas 6%.
Boa parte deste movimento de concentração do atendimento bancário é explicado pelo ajuste do sistema de bancos públicos estaduais – dos 26 bancos estaduais múltiplos e comerciais que atuavam em dezembro de 1994, hoje só restam 10 sob o controle dos estados.
A conseqüência da redução de pontos de atendimento bancário nos municípios brasileiros é um esvaziamento ainda maior de suas atividades econômicas, uma vez que os recursos gerados na região são carreados para outro município. Assim, o recolhimento de impostos, os pagamentos de aposentadorias, as movimentações financeiras e as operações de crédito – incluindo-se aqui o Programa de Geração de Renda (Proger) – são realizadas em outras cidades, dificultando a operação e inviabilizando a dinâmica econômica gerada pelo fenômeno do redepósito.
A questão da oferta de crédito também preocupa. Estudos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apontam que o Brasil é um dos países do mundo com a maior participação de instituições financeiras públicas na oferta do crédito. Estas instituições são responsáveis por 51% do crédito, em que pese deterem o controle de apenas 34% do Patrimônio Líquido total do setor.
A expectativa do governo era suprir a deficiência na oferta do crédito por parte dos bancos privados nacionais com o aumento da participação dos bancos estrangeiros. No entanto, a análise das demonstrações financeiras das instituições bancárias que tiveram seu controle acionário transferido para instituições internacionais aponta, ao contrário do esperado, para uma inversão no volume das operações de crédito em detrimento das operações de tesouraria – aplicações interfinanceiras de liquidez e em títulos e valores mobiliários. Deste modo, a privatização dos bancos públicos – principais provedores do crédito na economia brasileira – se tornou um problema, uma vez que a experiência mostrou que após a privatização as operações de crédito foram reduzidas drasticamente em curto espaço de tempo. O banco Banerj S/A é um bom exemplo. Entre dezembro de 1997 e dezembro de 1998, já sob controle do banco Itaú, reduziu sua carteira de crédito em mais de 50%.
Além disso, são características da reestruturação do setor, a segmentação da clientela – com tendência a excluir o acesso de parcela crescente da população aos serviços bancários – e a drástica redução dos postos de trabalho no setor – 50% dos postos de trabalho foram eliminados nos últimos dez anos.
A reforma do sistema financeiro em curso, implementada através de atos do Governo Federal, está criando constrangimentos à expansão do crédito, com impactos negativos, de curto, médio e longo prazos. Resta saber se a sociedade vai permitir que o Governo Federal continue implementando essa reforma, com as conseqüências mencionadas anteriormente, ou se vai participar efetivamente desta decisão, debatendo e ajudando a definir as regras do setor através da regulamentação do Artigo 192, transformando-o em instrumento de apoio ao desenvolvimento econômico e social.

Henrique Jäger
Economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-Econômicos).

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