Para sempre Mario Quintana

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Mario Quintana - frase
Mario Quintana - frase

Tenho me dedicado a ler e a reler nos últimos tempos a obra do poeta Mário Quintana. Cada vez que me debruço sobre sua obra, descubro novos horizontes que me fazem bem e que me motivam para o enfrentamento das adversidades da pesada rotina diária. Quintana é sempre inspirador, e seus pensamentos e ideias, suas convicções sobre a vida e sobre o mundo servem de bálsamo nos tempos vividos, tempos pandêmicos, tempos de mortes, de dor e de necessária superação.

Assim, resolvi, para me entreter e poder melhor refletir sobre os momentos atuais, me promiscuir sobre a vasta e rica obra literária desse notável gaúcho, que, apesar de escrever desde o começo da adolescência, só teve o seu primeiro livro publicado aos 34 anos de idade.

Mario Quintana sempre assinou seu nome sem o acento agudo no “a”, ao contrário do que a norma diz. Quando era perguntado sobre o porquê, o poeta gaúcho dizia simplesmente que havia sido registrado assim, e pronto. Não tinha pra quê mudar. A doçura e a simplicidade de Quintana estão presentes em seus textos e poesias e, como ele mesmo dizia, “quem pretende apenas a glória, não a merece.”

Um dos mestres da literatura brasileira, “poeta das coisas simples”, Quintana construiu uma trajetória que, para além das frases inesquecíveis de seus poemas, foi em si uma lição de vida. Quintana tentou por três vezes uma vaga na Academia Brasileira de Letras, sem lograr sucesso. As razões eleitorais da instituição não lhe permitiram alcançar os 20 votos necessários para ter direito a uma cadeira.

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Mais tarde, ao ser convidado para uma quarta candidatura, com a promessa de ser eleito por unanimidade, o poeta simplesmente disse “não, obrigado”. E emendou: “só atrapalha a criatividade. O camarada lá vive sob pressões para dar voto, discurso para celebridades. É pena que a casa fundada por Machado de Assis esteja hoje tão politizada. Só dá ministro.”

Na ocasião, Luiz Fernando Veríssimo disse: “Se Mário Quintana estivesse na ABL, não mudaria sua vida ou sua obra. Mas não estando lá, é um prejuízo para a própria Academia”, no que o Cícero Sandroni emendou: “Não ter sido um dos imortais da Academia Brasileira de Letras é algo que até mesmo revolta a maioria dos fãs do grande escritor, a meu ver, títulos são apenas títulos, e acredito que o maior de todos os reconhecimentos ele recebeu: o carinho e o amor do povo brasileiro por sua poesia e pelo grande poeta e ser humano que ele foi…”.

Quintana foi um escritor conhecido pela sua capacidade de perceber a beleza das coisas simples. Sua prosa e poesia é de uma beleza singela que conquista o coração de qualquer amante de literatura. O tempo, para ele, era um dos bens mais preciosos que se pode ter na vida. E ele nos ensinava que todos nós temos dias (ou meses, ou anos) ruins: “tenha paciência e persista.”

Aliás, o tempo foi um personagem presente em muitos dos escritos do poeta. Mestre das coisas simples, uma das frases mais geniais do autor reflete a importância de usarmos nosso tempo com inteligência: “Não faças da tua vida um rascunho, poderás não ter tempo de passá-la a limpo.” Em sua obra, ele aconselhava que cuidar de nós mesmos é o melhor que se pode fazer pela nossa felicidade. “Cuide do jardim e as borboletas virão até você” é uma das frases mais bonitas do poeta. Fica difícil pensar em uma forma tão singela e graciosa de promover o autocuidado.

O tema do tempo é muito presente na poesia de Quintana. São várias as produções literárias do autor onde aparecem relógios, a efemeridade da vida e simbolismos diversos sobre a passagem das horas. As frases e poemas abaixo mostram bem esse viés lírico do poeta:

“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente” e “se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”

Para Quintana, “o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida – a verdadeira – em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira (…)” e “quando duas pessoas fazem amor, não estão apenas fazendo amor. Estão dando corda ao relógio do mundo.” O tempo é, ainda de acordo com o poeta, um ponto de vista. “Velho é quem é um dia mais velho que a gente.”

Entre os temas do sonho, do amor, da humanidade, da vida e da própria arte de escrever, Quintana foi genial em todos eles. E como um autor importante, pelo conjunto da obra deixada, criou algumas produções literárias que são indispensáveis. São poesias e frases que servem de inspiração para a sua vida. Observe, querido leitor, o que Mario Quintana nos deixou como ensinamentos:

“Há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos”; “a preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda”; e “a arte de viver é simplesmente a arte de conviver… Simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!”

Pensador, Quintana nada mais fez do que vestir a verdade em seus poemas, que, dentro dele, se achavam inteiramente nus. Em “o Poeminho do contra” fica clara a sua energia textual: “Todos estes que aí estão, atravancando o meu caminho, eles passarão. Eu passarinho!”

Qual é o amante da poesia que não gosta de falar de amor? Quase impossível. A poesia lírica de Quintana, simples e requintada, ao mesmo tempo, envolveu romance e um tipo de amor metalinguístico pela própria poesia. Se acalme, caro leitor, respire fundo e aproveite o encanto literário criado por Quintana. Afinal, “a amizade é um amor que nunca morre.”

Viver e conviver não é uma tarefa fácil, de acordo com Quintana. Mas, com um jogo de cintura aqui e uma ironia ali, o poeta traduziu de forma bem humorada e direta algumas formas de levar a vida: “Minha vida é uma colcha de retalhos. Todos da mesma cor”; e “o pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.”

Mário de Miranda Quintana nasceu em Alegrete, em 1906, e faleceu em Porto Alegre, em 1994. Com um estilo marcado pela ironia, pela profundidade e pela perfeição técnica, trabalhou como jornalista quase toda a sua vida. Traduziu mais de 130 obras da literatura universal, entre elas, Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, e Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf.

Quintana não se casou e nem teve filhos. Solitário, viveu grande parte da vida em hotéis e, de 1968 a 1980, residiu no Hotel Majestic, no centro da capital gaúcha, de onde foi despejado, quando o jornal Correio do Povo encerrou temporariamente suas atividades por problemas financeiros.

Na ocasião, o ex-jogador da seleção Paulo Roberto Falcão cedeu ao intelectual um dos quartos do Hotel Royal, de sua propriedade. A uma amiga que achou pequeno o quarto, Quintana disse: “Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas.”

Em 1982, o prédio do Hotel Majestic, que fora considerado um marco arquitetônico de Porto Alegre, foi tombado. Em 1983, atendendo aos pedidos dos fãs gaúchos do poeta, o governo estadual do Rio Grande do Sul adquiriu o imóvel e transformou-o em centro cultural, batizado como Casa de Cultura Mário Quintana. Dentre vários poetas e escritores, Manuel Bandeira dedicou-lhe um poema:

“Meu Quintana, os teus cantares

Não são, Quintana, cantares:

São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares…

Insólitos, singulares…

Cantares? Não! Quintanares!”

A boa poesia e a boa literatura fazem um bem enorme ao espírito e estar acompanhado nos últimos tempos por Mário Quintana tem sido um privilégio. Com ele, estou buscando aprender mais e perceber melhor a vida e as pessoas que me cercam. As lições poéticas de Quintana são simplesmente espetaculares. “A vida é um incêndio: nela dançamos, salamandras mágicas. Que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta?” Afinal, “a resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.”

“Tão bom morrer de amor! E continuar vivendo…”

 

Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.

7 COMENTÁRIOS

  1. Quintana não foi despejado do hotel, e passou pouco tempo em um quarto cedido por Falcão. O autor da crônica que circula na internet narrando este suposto fato, já pediu desculpas pelo fato inverídico que relatou. A própria família de Quintana se manifestou indignada com o texto mentiroso e de mau gosto. Procurando no Google, encontramos com facilidade todas as facetas desta estória lamentável.
    Att, Alex Teixeira. @alex.teixeira73 – Escritor e Poeta

  2. Boa tarde
    Parabéns pela matéria postada.
    Eu concordo com o escritor Luiz Fernando Veríssimo e tenho absoluta certeza que um título da ABL não tornaria Mario Quintana nem suas obras muito mais grandioso do que é, seu nome e suas obras são por si só gigantes pela própria natureza.

  3. Também sou leitora assidua dos quintanares.Toda vez que a vida me surpreende, leio Quintana e, volto a me aquietar como se ouvisse alguém que viveu com simplicidade e, desta maneira viu a vida passar.
    Além de tudo, ele é um bom conselheiro.
    Senti falta de O mapa, pra mim, uma maneira original de se dobrar ante uma cidade querida.
    Obrigada por falar dele.

  4. Primeira que li: Todos estes que aí estão, atravancando o meu caminho, eles passarão. Eu passarinho!”
    Eu tinha 11 anos. Foi a partir desta ideia maravilhosa que criei asas para viver uma vida do meu jeito.

    Nunca sonhei ter um grande Amor
    Mas ele veio a todo vapor
    Nunca sonhei em ter filhos
    Vieram três de só vez
    Nunca sonhei ter um casa com jardim
    Pintei todas suas portas vermelho carmim
    Nunca sonhei ter um carro
    Hoje gosto de dirigir no barro
    Quem duvidou na minha gana
    Não fazia ideia quanto eu amava Quintana.
    Eu sonhei, senhei voar alto liberdade.

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