Um novo acordo de livre comércio da Ásia-Pacífico, que entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022, criará o maior bloco comercial do mundo em tamanho econômico, de acordo com um Estudo da UNCTAD publicado nesta quarta-feira. A Parceria Econômica Global Regional (RCEP) inclui 15 nações do Leste Asiático e do Pacífico de diferentes tamanhos econômicos e estágios de desenvolvimento. São Austrália, Brunei Darussalam, Camboja, China, Indonésia, Japão, República da Coréia, Laos, Malásia, Mianmar, Nova Zelândia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã.
O RCEP se tornará o maior acordo comercial do mundo, medido pelo PIB de seus membros – quase um terço do PIB mundial. Em comparação, outros grandes acordos comerciais regionais por parcela do PIB global são o Mercosul (2,4%), a área de livre comércio continental da África (2,9%), a União Europeia (17,9%) e o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (28%).
A análise da UNCTAD mostra que o impacto do RCEP no comércio internacional será significativo. “O tamanho econômico do bloco emergente e seu dinamismo comercial o tornarão um centro de gravidade para o comércio global”, diz o relatório.
O acordo abrange várias áreas de cooperação, com concessões tarifárias como princípio central. Eliminará 90% das tarifas dentro do bloco, e essas concessões são essenciais para entender os impactos iniciais do RCEP no comércio, dentro e fora do bloco.
Sob a estrutura do RCEP, a liberalização do comércio será alcançada através de reduções tarifárias graduais. Embora muitas tarifas sejam abolidas imediatamente, outras serão reduzidas gradualmente durante um período de 20 anos.
As tarifas que permanecem em vigor serão limitadas principalmente a produtos específicos em setores estratégicos, como a agricultura e a indústria automotiva, nos quais muitos dos membros do RCEP optaram por não assumir compromissos de liberalização do comércio.
O comércio entre as 15 economias do bloco já valia cerca de US$ 2,3 trilhões em 2019, e a análise da UNCTAD mostra que as concessões tarifárias do acordo poderiam aumentar ainda mais as exportações dentro da aliança recém-formada em quase 2%, ou aproximadamente US$ 42 bilhões.
Isso resultaria da criação de comércio – já que tarifas mais baixas estimulariam o comércio entre membros em quase US$ 17 bilhões – e desvio de comércio -, uma vez que tarifas mais baixas dentro do RCEP redirecionariam o comércio avaliado em quase US$ 25 bilhões, longe de não membros para membros.
Segundo Marcelo Godke, advogado especialista em Direito Empresarial e Societário, professor do Insper e da FAAP e sócio do escritório Godke Advogados, em matéria já publicada no Monitor Mercantil, em novembro, o acordo pode, mais uma vez, colocar o centro do poder econômico na Ásia. “Já tivemos uma ameaça do Japão nos anos 80, depois vieram os chamados Tigres Asiáticos e agora é provável que a gente veja uma aceleração do crescimento da Ásia, que vai passar para um novo patamar, tanto nos cenários econômico e comercial e até no político, porque sabemos que poder econômico atrai poder político”, analisa Godke.
Para o professor, como o acordo vai abranger uma boa parte da população e da produção industrial do mundo, deverá ter um impacto enorme, acelerando o comércio nesses países, que já contam com altas taxas de crescimento. “O acordo deve impulsionar ainda mais o posicionamento da China como potência econômica mundial, com a queda de barreiras comerciais e a retomada de um crescimento econômico acelerado. Sem dúvida, será uma zona de livre comércio importantíssima, que tem o poder, inclusive, de ameaçar a supremacia econômica e geopolítica ocidental”.
Maiores economias
O relatório destaca que os membros do RCEP devem se beneficiar em graus variados do contrato. Espera-se que as concessões tarifárias produzam efeitos comerciais mais altos para as maiores economias do bloco, não por causa das assimetrias das negociações, mas em grande parte devido às tarifas já baixas entre muitos dos outros membros da RCEP.
A análise da UNCTAD mostra que o Japão se beneficiaria mais das concessões tarifárias da RCEP, principalmente por causa dos efeitos do desvio de comércio. As exportações do país devem aumentar em cerca de US$ 20 bilhões, um aumento equivalente a cerca de 5,5% em relação às suas exportações para membros da RCEP em 2019.
O relatório também encontra efeitos positivos substanciais para as exportações da maioria das outras economias, incluindo Austrália, China, República da Coréia e Nova Zelândia. Entretanto, os cálculos mostram que as concessões tarifárias da RCEP podem acabar diminuindo as exportações para o Camboja, Indonésia, Filipinas e Vietnã.
Isso resultaria principalmente dos efeitos negativos do desvio de comércio, diz o relatório, já que se espera que algumas exportações dessas economias sejam desviadas para a vantagem de outros membros da RCEP devido a diferenças na magnitude das concessões tarifárias. Por exemplo, algumas das importações da China ao Vietnã serão substituídas por importações do Japão devido à maior liberalização tarifária entre a China e o Japão.
O relatório observa, no entanto, que os efeitos negativos gerais para alguns dos membros do RCEP não implicam que eles estariam melhor permanecendo fora do acordo do RCEP. Os efeitos do desvio de comércio teriam acumulado, no entanto. “Mesmo sem considerar os outros benefícios do acordo RCEP além das concessões tarifárias, os efeitos da criação comercial associados à participação no RCEP suavizam os efeitos negativos do desvio de comércio”, afirma o relatório.
Ele cita o exemplo da Tailândia, onde os efeitos da criação de comércio compensam completamente os efeitos negativos do desvio de comércio.
No geral, o relatório conclui que toda a região se beneficiará das concessões tarifárias da RCEP, com a maioria desses ganhos resultantes do comércio desviada de não membros.
“À medida que o processo de integração dos membros da RCEP vai além, esses efeitos de desvio podem ser ampliados, um fator que não deve ser subestimado por membros não-RCEP”, diz o relatório.
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