As dificuldades das empresas para cumprir a cota legal de contratação e manutenção de pessoas com deficiência (PCDs) são inúmeras e vão muito além da simples aplicação da legislação. Embora o Brasil tenha assinado a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2007, a realidade ainda apresenta um abismo entre a lei e a prática. A evolução do pensamento social, refletida no Estatuto da Pessoa com Deficiência de 2015, que reconhece a plena capacidade civil dos indivíduos, não se traduziu em ações concretas que garantam a inclusão no mercado.
Um fator crítico para essa situação é a falta de qualificação da mão de obra. Segundo a PNAD do IBGE de 2023, quase 50% dos brasileiros com algum tipo de deficiência, com 25 anos ou mais, não completaram a educação básica, apresentando um índice de analfabetismo de 19,5%, comparado a apenas 4,1% entre os não deficientes. Essa desproporção evidencia a dificuldade de qualificação técnica e especializada das PCDs.
Adicionalmente, um novo desafio social emergiu: a geração “nem-nem”, constituída por jovens de 18 a 24 anos que não estudam, não trabalham e não buscam emprego. Esse fenômeno, que afeta cerca de 36% dos jovens brasileiros, agrava ainda mais a situação, dificultando a inclusão e a formação de um mercado de trabalho robusto.
A necessidade de adequação do ambiente de trabalho também deve ser considerada. A grande maioria das PCDs empregadas apresenta deficiência física (43%), visual (18%) ou auditiva (17%), as quais costumam demandar adaptações no ambiente de trabalho.
A missão é ainda mais desafiadora para empresas prestadoras de serviços em espaço físico do contratante. Como o tomador deve adequar o ambiente de trabalho às necessidades de cada trabalhador com deficiência, a alocação de pessoas nessas condições é de extrema complexidade, reduzindo sensivelmente o espaço das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Outro ponto a ser considerado envolve a baixa compreensão social e a promoção de práticas que visem ao efetivo oferecimento de condições de trabalho à pessoa com deficiência, garantindo a inclusão e manutenção de oportunidades de trabalho a esse público.
O setor público também enfrenta as mesmas dificuldades que o setor privado. Em voto apresentado durante a 1ª Sessão Ordinária de 2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, destacou que pesquisa do CNJ identificou que apenas 1,97% dos servidores e 0,42% dos magistrados se enquadram como pessoas com deficiência.
Diante de tantas dificuldades, tentou-se o caminho da negociação coletiva, prevendo modulações da obrigação de contratar trabalhadores com deficiência ou reabilitados, excluindo da base de cálculo atividades mais suscetíveis a riscos. No entanto, essa tentativa foi rechaçada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Sobre o tema, há a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.668, proposta em junho de 2024 pela Federação Nacional das Empresas de Transporte de Valores (Fenaval), cujo objetivo é que os postos de vigilante armado de transporte de valores sejam excluídos do cálculo de vagas destinadas a PCDs e jovens aprendizes, em razão da natureza da atividade e dos altos riscos a que essas pessoas estariam submetidas. Tratando-se de uma ADI recente, ainda não há qualquer decisão, mas a tendência é que o desfecho desse caso indique como se dará a interpretação do tema pelo Judiciário do país nos próximos anos.
À míngua de decisões do STF sobre o tema, o Judiciário Trabalhista tem anulado autos de infração lavrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pelo descumprimento da cota de PCDs quando comprovado que a empresa agiu de maneira proativa para alcançar o preenchimento das vagas destinadas a pessoas com deficiência ou reabilitadas. Nesses casos, o total cumprimento só não foi atingido por motivos alheios à sua vontade, sendo demonstrada a boa-fé empresarial.
Portanto, é essencial que tanto o setor público quanto o privado adotem medidas proativas para superar essas barreiras. Programas de capacitação, conscientização e reabilitação profissional são fundamentais para garantir que as PCDs não apenas façam parte do mercado de trabalho, mas também tenham oportunidades equitativas e duradouras.
Esse desafio não pode ser encarado isoladamente, mas sim com a união de forças de todos os setores, sendo imprescindível a implementação de políticas públicas eficazes, voltadas à capacitação profissional das pessoas com deficiência. No setor privado, o letramento sobre diversidade e inclusão, assim como a adoção de estratégias de desenvolvimento e fomento de vagas para pessoas com deficiência, refletem as melhores práticas na tentativa de avançar rumo a uma sociedade mais justa e inclusiva.
Clarissa Barcelos e Mariana Barberini, advogadas e sócias de área do Pipek Advogados