O Pacto pela Democracia, coalizão que reúne mais de 200 organizações da sociedade civil, avalia que qualquer aumento no número de candidaturas negras nas eleições municipais de 2024, conforme divulgado em relatório do TSE na última sexta-feira, dificilmente terá resultados na prática. Isso por conta da aprovação da PEC 09/2023 (a chamada “PEC da Anistia”) menos de 12 horas antes do início da campanha, no Senado.
Segundo dados do TSE, 188 mil pardos e 51,7 mil pretos se candidataram neste ano, para a disputa nas Câmara Municipais e nas Prefeituras. Juntos, eles somam 239,7 mil e representam 52,7% de todas as candidaturas.
“A PEC 09/2023, que anistia os partidos de todas as irregularidades nas prestações de contas e altera a destinação de parte do fundo eleitoral para campanha de pessoas negras, pode retirar mais de 40% do fundo para essas candidaturas nas eleições municipais deste ano comparado a legislação vigente até ontem, que exigia proporcionalidade”, avalia Arthur Mello, coordenador de Advocacy do Pacto pela Democracia. O percentual corresponde a mais de R$ 1 bilhão.
A Emenda à Constituição ainda libera o partido para aplicar esse recurso “nas circunscrições que melhor atendam aos interesses e estratégias partidárias”. Ou seja, há possibilidade de que os gastos se concentrem em determinadas regiões e sejam ausentes em outras, o que pode aprofundar as desigualdades regionais.
Além disso, a PEC 09/2023 isentará os partidos de multas e juros das suas dívidas com a União, gera renúncias de receita e estimula o descumprimento das obrigações tributárias.
As tentativas de aprovação dessa PEC sem que houvesse participação foram inúmeras desde que ela foi protocolada, em 2023. A Comissão Especial fez apenas uma audiência pública, das várias protocoladas e, mesmo assim, não conseguiram aprovar em uma comissão composta majoritariamente por deputados favoráveis. A proposta então seguiu para o plenário, com poucos deputados presentes, numa votação híbrida com quebra de interstício e alterações nos textos acontecendo sem protocolo durante a sessão.
Já no Senado, a aprovação foi feita primeiramente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por meio de votação simbólica, ou seja, sem que os senadores tenham colocado individualmente seu voto, e na última quinta-feira, foi aprovada a toque de caixa, sem o prazo regimental de discussão no plenário da Casa.
Para o Pacto pela Democracia (coalizão da sociedade civil que atua há seis anos para defender e revigorar a construção democrática no país), um assunto de tamanha relevância, com forte impacto na democracia brasileira, não poderia ter sido aprovado de forma tão pouco transparente, participativa e apressada um dia antes do início da campanha eleitoral. As sinalizações da presidência do Senado de que o tema seria tratado com o devido cuidado também não foram cumpridas. Além disso, especialistas jurídicos já consideraram trechos desse projeto inconstitucionais. Por isso, a sociedade civil repudia a aprovação desse projeto que representa um dos maiores retrocessos para a democracia brasileira e para a “saúde” do sistema político vigente.
Na última sexta-feira, a relatora especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo, Ashwini K.P. diss que “o Brasil precisa desmantelar o racismo sistêmico persistente”, solicitando ações ousadas e transformadoras para enfrentar a questão.
“Pessoas afrodescendentes, povos indígenas, comunidades quilombolas, pessoas romani e outros grupos étnicos e raciais marginalizados no Brasil continuam vivenciando manifestações multifacetadas, profundamente interconectadas e difundidas de racismo sistêmico, como legados do colonialismo e escravização”, disse em coletiva, após visita de 12 dias ao país.
Segundo ela, o racismo sistêmico tem perdurado desde a formação do Estado brasileiro, apesar dos esforços contínuos e corajosos de incidência de grupos étnicos e raciais marginalizados. A especialista da ONU cumprimentou o Brasil por reconhecer a discriminação racial como um fenômeno sistêmico e por adotar políticas e leis robustas para prevenção.
“Apesar de tais esforços, as vidas das pessoas afrodescendentes, indígenas, quilombolas e romanis são frequentemente marcadas, em muitos casos de forma irreparável, pela violência racializada endêmica e pela exclusão”, disse a especialista. “Isso toma várias formas, inclusive incessantes violações de direitos dos povos indígenas e quilombolas à terra e ao território, profunda exclusão social, econômica, cultural e política, racismo ambiental, encarceramento em massa em condições desumanas e a brutalidade policial racializada”, disse.
“A gravidade da situação demanda urgência máxima. Ações ousadas e transformadoras para desmantelar o racismo sistêmico não podem esperar”.
A especialista observou que o ritmo das mudanças não corresponde à urgência da situação dos grupos raciais e étnicos marginalizados no Brasil. Ela apontou lacunas significativas na implementação e alcance das leis e políticas, e disse que o progresso em questões chave de justiça racial tem sido lento.
“Pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados já esperaram tempo demais por justiça e igualdade. Vidas dependem de ações mais ousadas e imediatas”.
Ashwini K.P. insistiu que o governo brasileiro reconheça, enfrente e repare causas-raízes, fatores históricos e desequilíbrios geográficos no combate ao racismo e às estruturas de poder subjacentes das formas contemporâneas de racismo sistêmico, usando uma abordagem de justiça reparatória. Ela também insistiu que o Brasil dedicasse significativamente mais recursos para esforços de combate à discriminação racial, para acelerar o ritmo de mudança.
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