Até que ponto uma pessoa prefere pagar mais por um produto, a fim de evitar ser discriminado por sua condição social? Para medir quão grave é este pedágio social, os pesquisadores da FGV Ebape realizaram cinco estudos experimentais com a participação de aproximadamente 2 mil pessoas, entre 2017 e 2022
A pesquisa “Expected Socioeconomic-Status-Based Discrimination Reduces Price Sensitivity Among the Poor” (A esperada discriminação baseada no status socioeconômico reduz a sensibilidade aos preços entre os pobres) vai de encontro ao senso comum de que os mais pobres vão sempre priorizar preços mais baratos.
Para algumas pessoas, entrar em um shopping, mercado ou hospital pode ser apenas mais uma experiência de consumo. Porém, para outras pessoas esses lugares podem representar espaços de discriminação.
“Pessoas pobres e minorias raciais tendem a ser vistas como ameaças dentro de ambientes comerciais e, como consequência, são tratadas com preconceito”, introduz o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV Ebape), Yan Vieites.
“Nossa pesquisa constatou que este fenômeno é grave ao ponto de esses indivíduos preferirem pagar mais por um produto ou serviço para evitar o risco de sofrer qualquer tipo de preconceito”, declarou.
A pesquisa foi realizada com dois grupos, um pertencente ao Complexo da Maré, que reúne 17 comunidades onde moram mais de 140 mil pessoas, e o bairro do Leblon, área nobre na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Todas as vezes que havia contato intergrupo, ou seja, um morador da Maré em um ambiente elitizado, como o Leblon, esse indivíduo preferia comprar a opção mais cara, pois isso traria mais conforto psicológico para ele.
Mas quando ele ia em outro bairro que não proporcionava contato intergrupo, ela se sentia mais segura para comprar a opção mais barata mesmo que a compra fosse realizada dentro do shopping.
Na primeira etapa, a proposta era entender a forma como os participantes se enxergavam enquanto consumidores: “Por exemplo, em um dos estudos, utilizamos o contexto de jantar em um restaurante novo. Para muitas pessoas, o processo de decisão vai levar em conta se a comida é boa, se o ambiente é agradável e assim por diante. Para outras, há um peso também de avaliar se elas serão discriminadas nesse local, o que as afasta os mais pobres desses espaços, mesmo que sejam mais baratos”, disse Vieites.
Segundo o pesquisador, o foco deste estudo estava em estabelecer essa dualidade entre a necessidade de ir pela opção mais barata, gerenciando os recursos limitados e também a segurança psicológica. “Tentamos entender primeiro o que se passa na cabeça de um consumidor típico de cada um desses bairros”.
Enquanto o primeiro estudo focou no que se passava na cabeça dos indivíduos no momento da compra, os outros eram voltados para entender se essas pessoas evitavam as experiências de consumo com medo da discriminação, ou não.
“Induzimos as pessoas a pensarem sobre elas mesmas como sendo de alta ou baixa classe social. Para isso, elas foram questionadas da seguinte forma: quando comparadas as pessoas que estão no topo da escala social, com mais educação, mais renda e cargo com maior prestígio, como você se enxerga? E aí pedimos para elas expressarem isso em uma escala de 1 a 10. A outra metade foi designada para uma condição que era basicamente a mesma, exceto que agora as pessoas do topo se comparavam com quem estava em baixo, com menos escolaridade, renda e prestígio ocupacional”.
Através dessas informações, o estudo manipulou o que se chama de percepção subjetiva de classe social, sobre como o indivíduo se enxerga na sociedade, independentemente de quanto ganha de salário ou do grau de escolaridade. “No momento da decisão do consumidor, existe a diferença entre a escolha mais cara e psicologicamente mais segura, ou seja, sem risco de discriminação, ou a opção mais barata, que oferece um risco psicológico maior”.
Até o estudo 2, todos esses parâmetros ainda permaneciam em uma visão hipotética, porém, a partir da terceira fase, esses conceitos ganham configurações mais práticas. Após os participantes fazerem a comparação social, eles foram designados em dois grupos, nos quais poderiam escolher dois tipos de voucher. Com o primeiro tipo de voucher, no valor de R$ 60,00 eles poderiam fazer uma compra no próprio bairro, e com o outro voucher no valor de R$ 70,00, eles poderiam fazer uma compra em um outro bairro.
Vieites ressalta que ambos os estabelecimentos nos quais eles poderiam comprar qualquer produto com o voucher estavam localizados a 20 minutos de onde eles moravam. Porém, um estabelecimento era dentro do mesmo bairro, enquanto o outro estava localizado em um bairro diferente.
O professor declara que as pessoas mais pobres se sentem potencialmente ameaçadas ao consumir em ambientes que promovam o contato com pessoas de diferentes posições sociais. “Constatamos que as pessoas que moram na Maré não se sentem discriminadas na região que habitam, mas sim em outros bairros, enquanto as pessoas da Zona Sul não carregam essa perspectiva de discriminação”.
Após estabelecer essas situações na prática, o quarto estudo focou nos participantes da Maré, e concedeu mais um voucher, no valor de R$ 20,00 para cada indivíduo, com a prerrogativa que esta quantia deveria ser utilizada para uma compra em específico, neste caso, uma sandália. O participante poderia comprar esta sandália em duas localizações, a primeira em uma loja de bairro, onde se cobrava R$18,00 por ela, e a segunda em uma loja de shopping, em que se cobrava R$16,00 pelo mesmo produto.
“Nós mudamos a região onde a compra iria ocorrer. Agora, o morador da Maré precisaria escolher entre comprar em uma banca do Leblon ou em uma loja localizada em um bairro da mesma classe social que a Maré, como por exemplo, Madureira.”, disse Vieites.
O pesquisador contextualiza que ao longo da pesquisa, em todas as vezes que havia contato intergrupo, ou seja, um morador da Maré em um ambiente elitizado, como o Leblon, esse indivíduo preferia comprar a opção mais cara, pois isso traria mais conforto psicológico para ele. Mas quando ele ia em outro bairro que não proporcionava contato intergrupo, ela se sentia mais segura para comprar a opção mais barata mesmo que a compra fosse realizada dentro do shopping.
O quinto estudo finaliza a pesquisa indicando possibilidades para mudar este cenário. “Nesta etapa nós voltamos ao campo hipotético e analisamos como esses consumidores que enfrentam a discriminação enxergam as ações afirmativas de empresas para combater este tipo de preconceito”, comentou Vieites.