Representantes do Ministério da Previdência alertaram, nesta segunda-feira, que o avanço da chamada pejotização, que é a contratação de trabalhadores como Pessoa Jurídica, ou seja, como uma empresa, levaria ao fim do modelo de previdência social como conhecemos no Brasil.
“A pejotização é muito mais do que uma reforma da Previdência. É o fim do modelo de Previdência Social do Brasil”, afirmou o secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, Adroaldo da Cunha, em audiência pública no Supremo Tribunal Federal.
Convocada pelo ministro Gilmar Mendes, o relator da ação que suspendeu todos os processos sobre suposta fraude contratual de trabalhadores via PJ, a audiência pública recebe 78 pessoas, entre representantes do governo, da sociedade civil, do setor empresarial, de sindicatos, entre outros.
“A pejotização vai jogar quem está na CLT para fora dela. O que restará à sociedade e ao Estado são dois caminhos. Ou o Estado ampliará enormemente suas despesas com previdência nos próximos anos e décadas, ou, o que é bem mais provável que aconteça, novas propostas de reforma da Previdência trarão cortes gigantescos nessa proteção social”, disse.
Adroaldo alertou que 73% da Previdência é financiada pela folha de pagamento dos empregados contratados via CLT e que a substituição de 10% desses trabalhadores para um regime de PJ traria uma perda anual de aproximadamente R$ 47 bilhões.
O diretor do Departamento de Regime Geral da Previdência Social do INSS, Eduardo da Silva Pereira, citou o envelhecimento da população como um fator que agrava o financiamento da Previdência. Para ele, o aumento da pejotização agravará a situação.
“Nós já temos uma acentuada necessidade de financiamento e isso só agravaria o processo. O processo de pejotização desfaz o pacto social construído em torno da Previdência, em que nós temos um financiamento tripartite, empregadores, trabalhadores e governo financiando a Previdência. O processo de pejotização tira o empregador desse processo. Quem vai financiar é só o governo e o empregado”, pontuou.
Especialistas ouvidos na audiência pública do STF nesta segunda-feira, afirmaram que para evitar a perda de arrecadação da Previdência Social, seria preciso elaborar um novo modelo de financiamento.
O economista Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda do governo de São Paulo, entende que a pejotização é um caminho sem volta e que não deve se alterar.
“As novas relações do mercado de trabalho, a incorporação de novas tecnologias, a modernização, elas são irreversíveis. Nós não vamos mais conseguir voltar atrás e imaginar um mundo ideal em que todos estejam simplesmente contratados pela CLT”, disse.
Para Salto, será preciso pensar em novas formas de arrecadação para sustentar as políticas públicas, sobretudo a Previdência Social.
“Uma sugestão é a introdução de uma progressividade na tributação das pessoas jurídicas, sobretudo as chamadas uniprofissionais. Uma consolidação dos regimes que hoje nós temos, do MEI, do Simples, das uniprofissionais e da CLT, em benefício do financiamento do Estado”, ponderou o especialista.
‘Modelo corrói pacto social no Brasil’, diz ministro da AGU
O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) Jorge Messias alertou que a pejotização vem corroendo o pacto social firmado na Constituição de 1988.
Para o ministro, a discussão de hoje sobre a legalidade da contratação do trabalhador via PJs aborda princípio civilizatório e a prática ameaça a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e a justiça social, ferindo o equilíbrio entre capital e trabalho.
“A pejotização corrói por dentro, silenciosamente, as estruturas que sustentam a proteção social, fragilizando os alicerces sobres os quais se ergueu o pacto constitucional do trabalho digno e da seguridade social previstos na Constituição Federal de 1988”, afirmou Jorge Messias em audiência pública no STF.
Messias ponderou que contratação entre pessoas jurídicas é legítimo em diversos casos, como na consultoria independente que presta serviços especializados de forma autônoma e para múltiplos contratantes, “sem subordinação jurídica”.
Ou quando há a prestação de serviços típica de cadeias produtivas complexas, em que há “efetiva independência técnica e econômica entre as partes”. Porém, para o advogado-geral da União, é preciso diferenciar as contratações via PJs legítimas daqueles que escondem uma precarização das relações de trabalho.
“A pejotização não é o empreendedorismo autêntico, nascido da autonomia e da livre iniciativa. Não é a liberdade de contratar entre iguais. Não é a modernização produtiva que gera eficiência e inovação”, disse o AGU.
Messias acrescentou que, o que parece, à primeira vista, um arranjo moderno de contratação, “é, na prática, um processo que fragiliza o sistema de proteção social e empurra o trabalhador vulnerável para a informalidade disfarçada de formalidade”.
O AGU ponderou que, entre 2002 e 2024, 56% dos trabalhadores demitidos que se “pejotizaram” estão na faixa salarial de até R$ 2 mil e outros 36,9% recebiam até RS 6 mil, sendo essa mudança, na maioria das vezes, uma imposição do mercado e não uma “escolha” do trabalhador.
Com informações da Agência Brasil
















