Ao soberano é dado o poder para implementar o que ele considera adequado. Ao governante é dado o poder para construir um projeto. Poder se referencia sempre ao que fazer. Mas será que nosso governante sabe o que fazer?
Retire-se os episódios das CPIs, reeleição, privatizações condenáveis, seca, miséria, desemprego e fome. Retirem os fatos e fiquemos com as ações. Onde se encontram intervenções governamentais? Onde estão as estradas? Onde estão as linhas de comunicação? Onde estão os investimentos? Onde está o crescimento econômico? Onde está o projeto?
Até ontem a idéia da estabilização como projeto justificava o poder. Hoje não justifica mais. É necessário reconstruir a esperança em um projeto coletivo que justifique o Estado, seu governante e as intervenções que ele exercita.
Há um novo desastre em marcha. Se o governo acredita em conto da carochinha tudo bem, mas não pode acreditar na expansão da economia americana. Até junho do ano passado os discursos falavam na expansão da economia mundial, agora não é mais possível repetir essa ladainha e falam em expansão da economia americana. Falam, não podem acreditar. O início de toda a crise é o ápice. Todos sabem que a economia americana chegou a um ápice. Não há espaço para esta expansão. A crise que vem aí é muito pior que a provocada pela crise asiática ou pela crise russa. A crise americana é uma explosão. Poderíamos estar nos preparando para ela aproveitando nossa dimensão continental, nossa razoável independência de fatores de produção, para alavancarmos nossa economia nesta próxima crise, repetindo o que tem sido feito pelo nosso capitalismo nas últimas crises do sistema. Todavia, não há projeto. Há carta de intenções, mas isto não é projeto.
Talvez seja até um contraprojeto. Basta acompanhar os dados recentemente divulgados do chamado superávit primário para ver o muito que temos deixado de fazer para fortalecer nossa estrutura produtiva. Basta acompanhar o desempenho de nossas contas externas. Nelas vemos que além da liberalização do câmbio nada mais foi feito no sentido de minimizar nossas fragilidades. Basta olhar para a subserviência do governo brasileiro às teses do liberalismo, como divulgou o subsecretário do Tesouro norte-americano, após conversa com nosso presidente da República.
Todavia, a História Universal não espera. Ou nos organizamos em torno dos nossos interesses ou gravitaremos sempre em torno do interesse dos outros. Sem nos organizarmos e se os outros afundarem, iremos juntos, pois, desde seu início, o atual governo fez do projeto dos outros, a globalização, o seu projeto próprio. Fez e desfez. Com a liberalização do câmbio desfez. Mas, como perdido no poder, volta a fazer. A nova e recente atração de parcela dos US$ 3 trilhões que especulam globalmente para o nosso país, como este governo teima outra vez fazer, é um crime contra o Brasil. Será que os economistas salvados do incêndio das inside informations não vêem que é necessário bloquear a fácil vinda do capital externo e incentivar a difícil geração de poupança interna?
Para se buscar os meios tem de se definir os objetivos. É necessário se conceber um plano de investimentos governamentais que priorize tanto os gastos em infra-estrutura, quanto nas áreas sociais. Quais as estradas, as pontes, as obras de arte, as usinas hidrelétricas, as linhas de transmissão, os gasodutos, as termelétricas, as fábricas de bem de capital, as siderúrgicas, os pólos petroquímicos, a serem construídos?. Quais os índices de nutrição, mortalidade, educação que deverão ser procurados? Quais carências sociais deverão ser preenchidas? Estas deveriam ser perguntas que qualquer governante, ao final do século XX, teria que saber responder.
Contudo, eu garanto, um não sabe e por isto está perdido no poder.
Armando Brasil
Professor em Ciências Sociais.