Conversamos com Denis Camargo Passerotti, sócio do escritório Passerotti Sociedade de Advogados, sobre o andamento, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei Complementar 92/2023, que trata do arcabouço fiscal. Denis também é professor e doutor em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo.
Depois de aprovado na Câmara, o arcabouço foi aprovado com alterações pelo Senado e devolvido à Câmara, que pode manter as alterações feitas pelo Senado ou voltar ao texto original, para então encaminhá-lo para sanção ou veto da presidência.
O que está acontecendo com o arcabouço fiscal?
Ao que me parece, a discussão está se tornando mais política do que técnica, existindo os interesses por trás dos nossos parlamentares em segurar ou reter a aprovação do arcabouço em troca de uma reforma ministerial por parte do Executivo.
Existem divergências entre a Câmara e o Senado sobre o arcabouço fiscal?
A principal alteração feita pelo Senado foi com relação ao cálculo das despesas, o que fez com que elas aumentassem em R$ 32 bilhões. Esse cálculo considera a inflação até dezembro para corrigir o piso das despesas, sendo que a proposta da Câmara fazia o cálculo com base na inflação dos últimos 12 meses até junho.
Aqui, surge um ponto de divergência em como será satisfeito esse aumento de despesas, pois já se sabe que a receita proveniente do arcabouço é insuficiente para isso.
Em comparação ao teto de gastos, o grande problema do arcabouço é trazer uma diferença na forma de mensuração desse gasto. Há aqueles que defendem o teto porque impunha barreiras, limites técnicos, e dava uma segurança para o mercado. Por outro lado, há quem defenda que isso trazia uma certa insegurança na realização das despesas públicas, principalmente nos programas sociais.
A mudança do arcabouço acaba agradando na questão que envolve o gasto público, pois possui um caráter anticíclico. Isso permite que os investimentos em programas sociais sejam mantidos, ainda que a arrecadação esteja em queda. Segundo alguns juristas, o teto de gastos impedia a continuidade de programas sociais, como aconteceu com o Bolsa Família.
A grande questão que vejo é que vamos ter uma consequência. Se nós vamos ter um aumento das despesas públicas, nós temos que buscar recursos públicos. Para isso, a conta precisa fechar. É por isso que o arcabouço não virá desacompanhado de uma reforma tributária que busca, justamente, aumentar a arrecadação tributária para satisfazer o arcabouço.
Da forma como está, o arcabouço atende as necessidades do Estado?
O problema não é tanto a receita. O arcabouço traz uma regra que não é das piores, mas que também não é totalmente desejável. O grande problema é o fato de não termos o estabelecimento de limites para as despesas.
Eu não vejo consonância entre o arcabouço e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), na medida em que ela estabelece limites para as despesas, que têm que respeitar a existência de receitas.
Nós vamos experimentar um arcabouço que ainda vai sofrer alterações para acomodar despesas que não estão devidamente previstas, o que implicará num aumento de arrecadação. Quando se fala em orçamento público, o grande problema é o gasto público. A questão não é gastar o dinheiro, mas gastar mal o dinheiro. Nós não mensuramos a efetividade das políticas públicas.
O que vai acontecer se o arcabouço não for aprovado em 2023?
Isso traria uma série de inseguranças jurídicas. Por exemplo, nos Estados Unidos, quando não há aprovação das leis orçamentárias, tudo para, pois o governo americano não tem autorização para gastar. No Brasil, nós temos brechas, tanto que o arcabouço ainda não foi votado.
Além da insegurança jurídica, se o arcabouço, ainda que não seja o ideal, não for aprovado, haverá uma consequência no que se refere às despesas públicas. Nós vamos ter a vigência de um sistema anterior (teto de gastos) que já não está sendo respeitado e que foi alterado pela PEC da Transição.
Com isso, as responsabilidades do governo, no que se refere a realização dos seus gastos de acordo com o sistema vigente, terão que ser apuradas.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024 (LDO) já está em discussão no Congresso. Uma vez aprovada a LDO, qual a importância do arcabouço fiscal para ela?
O arcabouço traz critérios para que possamos atualizar a receita e a despesa. De um lado, nós temos a estimativa do que se pretende arrecadar, e do outro, nós temos as despesas que serão realizadas com essa estimativa.
Agora, essa estimativa de receita pode acontecer ou não, podendo ser maior ou menor do que se previa, tanto que não se pode requerer a execução de uma lei orçamentária justamente pela ausência dessa efetividade.
A LDO nada mais é do que o planejamento que o governo pretende realizar no exercício fiscal entre aquilo que ele estima arrecadar com aquilo que ele estima realizar. Nela, você tem a tradução de onde ele pretende gastar o dinheiro.
De uma forma geral, como você tem visto toda essa discussão?
O que vemos hoje é a busca do governo pela arrecadação de tributos. Não se discute gasto público, a forma como ele deve ser realizado e a responsabilidade pelos gastos mal feitos. Não se tem planejamento e governança, além de faltar técnica na mensuração da eficiência das políticas públicas.
Gasta-se de forma desmedida e com intuitos mais eleitoreiros do que visando a melhora da população. Por exemplo, não se mede a qualidade da saúde pública e do progresso do ensino público.
Tudo isso fica capenga. Arrecada-se, mas como se deseja gastar mais, se vai buscando fórmulas para arrecadar mais, como a Reforma Tributária ou a mudança do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), de forma a que não haja mais o voto de minerva em favor do contribuinte, mas sim do Fisco.
O próprio Supremo Tribunal Federal, quando trata de questões tributárias, decide sob a luz dos impactos econômicos e financeiros que a decisão causará nos cofres públicos, desconsiderando, por completo, os princípios e valores da Constituição. Seria importante discutir essas questões, mas nós não vemos esse debate.