Conversamos sobre as perspectivas para o câmbio com Jacques Zylbergeld, superintendente de câmbio do Rendimento.
Nos Estados Unidos, a taxa de juros começou a cair, e aqui a taxa começou a subir. Como isso impacta o câmbio?
Em um mundo com condições normais de pressão e temperatura, uma queda de juros nos Estados Unidos com um aumento de juros no Brasil deveria, teoricamente, aumentar o carry trade. Essa é a análise mais simplista, e, se tudo estivesse normal, seria isso que deveria acontecer. Contudo, nós temos alguns desafios.
Olhando um pouco para fora, a China está injetando dinheiro na sua economia através da combinação de apoio fiscal e monetário. No Oriente Médio, nós temos um conflito muito preocupante e perigoso, mas os preços do petróleo estão respondendo muito mais à decisão da Arábia Saudita de abandonar a meta de US$ 100 por barril do que ao conflito. Nesta semana, os Estados Unidos divulgaram dois dados importantes, sendo que o principal deles foi o PIB, que corroboraram a resiliência da economia americana com desinflação, tanto que o Fed, recentemente, pôde reduzir os juros em 0,5 ponto percentual. Além disso, os resultados corporativos estão bem sólidos, especialmente das empresas do setor de tecnologia. Desta forma, o mercado internacional está bem mais benigno do que estava há um mês.
Com tudo isso, o dólar saiu de R$ 5,65 na penúltima reunião do Copom para R$ 5,40 na última, sendo que atualmente, com todas as notícias positivas de fora, ele está em R$ 5,44.
Nós temos um cenário externo benigno, com um aumento de juros no Brasil, com uma projeção de 11,75% para o final do ano, e uma expectativa de redução dos juros americanos dividida meio a meio entre 0,25 ponto percentual e 0,5 ponto percentual para a reunião de novembro, mas aqui o câmbio não vai.
A explicação para isso são as preocupações que estão vindo ao longo do ano. O Brasil está em um momento de vulnerabilidade do quadro fiscal. Essa preocupação veio por conta do Tribunal de Contas da União e foi relatada na última ata do Copom. Além disso, nesta semana saiu o relatório trimestral de inflação. Existe uma preocupação de todos os agentes, a não ser do governo, com essa ampliação fiscal desmedida em 2024 e para 2025. Apesar disso, nós tivemos notícias positivas, como a divulgação do IPCA-15, quando, praticamente, 100% das previsões eram de 0,29%, mas ele veio em 0,13%. Isso deveria ser um fator positivo, mas, rapidamente, a euforia foi eliminada.
Existe uma percepção entre operadores e economistas de que a expectativa de inflação continua sendo impactada por problemas estruturais da economia, que continua crescendo por causa do expansionismo fiscal, ou seja, gastos, gastos e gastos. É isso que preocupa, pois o crescimento com gastos acontece agora, mas vai ser pago lá na frente.
Nós temos um cenário de expectativa de inflação desancorado, um mercado de trabalho apertado, uma política fiscal frouxa e depreciação do real. Tudo isso vai exigir do Banco Central uma resposta monetária. Com esse quadro, não há como haver um impacto no dólar.
Por mais que o carry trade seja positivo, o investidor estrangeiro, olhando toda essa situação, se preocupa, pois a relação dívida/PIB está crescendo, e lá na frente isso vai estourar. A rolagem da dívida vai ficando mais cara e vai cobrando o seu preço, através da taxa de juros e da desvalorização do câmbio, para ser financiada.
Eu ia te perguntar sobre os impactos de uma presidência de Donald Trump ou de Kamala Harris no câmbio, mas dada a sua explicação, haveria algum impacto ou isso seria o menor dos problemas?
Dado todo o cenário que eu desenhei, a eleição nos Estados Unidos é o menor dos problemas. Lá, o Fed é muito mais independente do governo do que aqui, então ele vai fazer o seu trabalho, independente de quem for o presidente. De fato, se nós olharmos as últimas presidências americanas, fala-se de imigração, de impostos, de dólar mais fraco, de dólar mais forte, mas tanto republicanos quanto democratas são partidos expansionistas. Isso porque como os Estados Unidos possuem credibilidade, ninguém vê problema em financiá-lo para gastar. O que está preocupando não é o cenário externo, e sim o nosso cenário interno.
O governo já se deu conta do problema?
Obviamente, se todo o mercado está percebendo, o governo também já percebeu. Agora, o que ninguém quer atacar são os gastos. A expansão de receita está chegando ao limite, mas, por enquanto, está crescendo, apesar de ter havido uma frustração com as receitas recentemente.
Existem distrações como “estamos conversando com as agências de rating” e as eleições municipais em outubro, que são importantes, e que serão uma prévia do que teremos daqui a dois anos, mas não tem jeito. O Congresso vai ter que discutir esse problema, apesar de o ano parlamentar de 2024 já ter acabado. Depois das eleições, estaremos em novembro, e ninguém vai querer fazer nada. Em dezembro, temos as festas, e o ano vira. Assim, esse problema vai ficar para 2025, quando, sim ou sim, ele terá que ser discutido.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Lembrando um pouco do fluxo cambial, a balança comercial está performando. No ano, ela entregou US$ 57,6 bilhões, mas ao mesmo tempo nós temos um fluxo financeiro negativo em US$ 51,2 bilhões, composto por saídas de dólares como fluxo de dividendos e retiradas da Bolsa. Isso faz com que estejamos com um fluxo positivo de apenas US$ 6 bilhões, valor bem abaixo das expectativas do mercado. Como já se foram nove meses no ano, a balança não deve ter uma grande surpresa e deve terminar o ano com um saldo de US$ 10 bilhões, mas como isso não deve impactar o câmbio, nós vemos o dólar a R$ 5,40 no final do ano.