Conversamos sobre o resultado do 3T24 da Petrobras com Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos.
Como você avalia o resultado do 3T24 da Petrobras?
Mesmo diante de um cenário onde o Brent ficou mais baixo que no 2T24 e o nível de produção apresentou queda, sendo que essa queda ocorreu em vários campos da companhia, em especial, em termos proporcionais, no pós-sal, a Petrobras teve um nível de geração de caixa extremamente sólido.
A companhia teve um resultado muito bom, com a margem Ebitda do segmento de Exploração & Produção de petróleo, que é o mais importante, próxima a 70%, sendo que no 2T24 a margem havia ficado próxima a 65%. Eu não posso falar o mesmo quanto aos segmentos de Refino e de Energia & Gás, mas o peso desses dois segmentos para a companhia é infinitamente menor.
Aqui é importante fazer um disclaimer. Em termos gerais, os problemas que ocorreram na Petrobras no governo Dilma se deram por escolhas erradas feitas no setor de Refino, mas é importante destacar que hoje a Petrobras é diferente daquela época. Atualmente, a companhia produz muito mais petróleo e óleo, e depois da venda da refinaria Landulfo Alves, ela é menos dependente do resultado do setor de Refino, cujos resultados eu não gosto. Isso porque no 3T24, a companhia teve um grande volume de vendas por conta da sua estratégia de precificação, mas as margens ficaram muito apertadas. Isso também pôde ser visto no segmento de Gás, que teve um volume maior, mas preços menores e os custos de importação maiores.
Contudo, a Petrobras, como disse, é muito mais dependente do resultado de Exploração & Produção, sendo que nesse segmento os números vão muito bem, obrigado.
Como você entende esses números?
Em Exploração & Produção, o controle de despesas da companhia lhe permitiu ter um baixo lifting cost (custo de exploração). As despesas tributárias também apresentaram uma queda. Como a companhia teve volumes e preços menores, foi fundamental que ela tivesse despesas mais baixas. Isso fez com que o destaque do 3T24 estivesse nas despesas do segmento de Exploração & Produção.
Os números da Petrobras estão em conformidade com o que ela pode produzir em termos econômicos-financeiros?
Sim, estão. Quanto à produção, eu esperava um nível de produção para este ano um pouco maior, mas algumas questões impediram isso, como, por exemplo, a greve do Ibama que durou alguns meses, o que impactou as anuências para realização de reparos em poços e na obtenção de licenças para novos poços. Isso explica um pouco a frustração quanto à produção.
A companhia também teve um número de manutenções programadas maior do que o previsto, mas os dois fatores estão intimamente ligados. Isso porque, como não se conseguia, por conta de licenças, realizar os trabalhos de reparo que tinham que ser feitos nos campos, isso acabou impactando na quantidade de manutenções.
Por mais que essas questões ex Petrobras tenham impedido que o nível de produção fosse maior, a companhia seguiu fazendo o possível, extraindo grande valor dos campos do pré-sal e trabalhando na extensão da curva de produção dos campos mais maduros.
Você percebe diferença na dinâmica financeira da Petrobras entre o governo Bolsonaro e o governo Lula?
Existem tanto diferenças quanto semelhanças. Quando o governo Lula trocou o Jean Paul Prates pela Magda Chambriard, ali ele começou a colocar mais a sua cara na Petrobras. Eu já soube que além dessa troca, a companhia teve trocas a nível de diretoria e de gerência, já que havia um descontentamento de parte do PT com relação a forma como o Jean Paul Prates vinha levando a Petrobras. Contudo, nós estamos nos aproximando de um catalisador para o papel, que é a divulgação do próximo Plano Estratégico, o que vai acontecer até o próximo dia 21 de novembro. É nisso que temos que ficar de olho, pois é nele que podem estar traduzidas as mudanças que vão além do perfil dos cargos de gerência da companhia.
Isso porque, e aqui eu passo para a parte das semelhanças, o mercado temeu bastante quando o Lula venceu as eleições de 2022. Como ele trabalha em um espaço fiscal muito curto, e é preciso ter uma negociação muito ativa com o Congresso, o que é caro em termos de articulação política, muito se temia que o atual governo fosse inflar as estatais, da mesma forma como foi feito, sobretudo, no governo Dilma.
Em termos de resultado, nós tivemos algumas questões de lucro líquido. No 2T24, a companhia teve um prejuízo contábil que foi causado por um acordo com a Receita Federal para encerrar pendências fiscais e tributárias referentes a remessas ao exterior para pagamento do arrendamento de plataformas, mas que foi muito favorável à companhia. Esse passivo poderia ter chegado a R$ 50 bilhões, mas foi resolvido em R$ 19 bilhões, sendo que a Petrobras já havia pago R$ 6 bilhões. Esse desembolso efetivo de R$ 12 bilhões no 2T24 foi o que causou esse prejuízo, mas ele tirou da frente um passivo que poderia totalizar, como disse, R$ 50 bilhões. Esse prejuízo foi muito mais conjuntural do que estrutural.
Quando pegamos a estrutura da companhia, a parte de Exploração & Produção está rodando bem próxima do que rodava na gestão passada, com margens e níveis de produção bem parecidos, além de um bom lifting cost.
Quanto aos dividendos regulares, nós tivemos uma troca na política, mas que foi pequena. No governo Bolsonaro, a Petrobras distribuía 60% da diferença do fluxo de caixa operacional menos o Capex, sendo que no governo Lula isso passou para 45%. Houve uma queda? Houve, mas muito pequena, sendo que a lógica de distribuição de proventos continua seguindo a lógica de geração de capital. Quanto à distribuição de proventos extraordinários, talvez haja uma diferença mais clara, mas nós vamos ter que esperar o lançamento do próximo Plano estratégico para termos uma noção.
O grande ponto de diferença foi a decisão da companhia em reter R$ 22 bilhões de dividendos extraordinários referentes ao resultado de 2023. Na verdade, foram anunciados R$ 43,9 bilhões, sendo que metade foi distribuída e metade ficou retida em reserva. Desses R$ 22 bilhões, R$ 6 bilhões foram usados para pagar os dividendos do 2T24. Como a companhia teve prejuízo contábil, parte das reservas foram utilizadas para pagar dividendos regulares. Como a companhia tem uma sobra de R$ 15,5 nessa reserva, nós temos que ficar atentos com relação a sua movimentação, ou seja, se ela vai ser distribuída ou não e se isso pode ser endereçado no Plano Estratégico.
Em resumo, até aqui existem muitas semelhanças, mas as maiores respostas quanto às diferenças estão reservadas para o lançamento do próximo Plano Estratégico.
Como você avalia a gestão da Petrobras durante o Governo Lula?
Com relação a Exploração & Produção, muito da base do governo passado foi aproveitada, portanto, eu não vejo uma ruptura. Quanto ao Refino, o governo passado tinha uma forma mais simples de lidar com esse assunto. Quando se perguntava o preço da Petrobras nas refinarias, a resposta era simples: o preço de paridade da cotação.
Hoje, a companhia tem uma nova política, com o preço flutuando entre o valor marginal para a Petrobras e o custo de aquisição do cliente, que, em muitas praças, se assemelha ao preço de paridade de importação. Quando se saiu de um valor fixo para uma banda, criou-se uma nuvem no refino. Com relação à margem do segmento, ela era de dois dígitos no governo Bolsonaro, sendo que ela vem caindo no governo Lula. Para que tenhamos uma noção, no 3T24 a margem ficou próxima de 5%.
Isso faz com que seja possível fazer dois tipos de avaliação quanto ao Refino. Em uma avaliação absoluta, a troca na fórmula de preços tem se mostrado, de fato, mais prejudicial para o resultado da companhia, mas em uma avaliação relativa, essa diferença na relação entre produção de petróleo e venda de derivados tornou a companhia muito mais dependente do setor de Exploração & Produção, o que faz com que essa queda de margem no Refino seja insuficiente para que eu nutra algum tipo de dúvida mais forte quanto ao resultado da companhia.
Como você está vendo as perspectivas da companhia?
Todos os olhos estão voltados para o próximo dia 21, quando vamos ver a nova curva de produção, como a companhia vai lidar com questões como novas bacias e fronteiras geográficas, e se temos alguma novidade quanto a Margem Equatorial e a Bacia de Pelotas. Existe também a possibilidade de que tenhamos revelações quanto a dividendos.
Aqui, eu faço outro disclaimer. No 3T24, as datas anunciadas dos dividendos casaram perfeitamente com as datas de distribuição do 3T23, quando a Petrobras anunciou dividendos regulares que seriam pagos nos dias 20 de fevereiro e 20 de março de 2024. Os dividendos extraordinários do ano passado, como disse, foram anunciados depois do resultado do 4T23, em março de 2024. No call do resultado do 3T24 foi deixada uma porta aberta para que tenhamos uma distribuição extraordinária ainda em 2024. Os dividendos regulares estão certos e vão ser pagos em 2025, mas é possível que junto com o Plano Estratégico tenhamos o anúncio de uma distribuição extraordinária.
Faz um tempo que a Magda disse que o Haddad ainda não tinha telefonado para ela pedindo dividendo para ajudar o governo na questão fiscal. As necessidades do governo para 2025 são maiores que para 2024, mas existe uma porta aberta para que a companhia, caso queira, faça uma distribuição ainda neste ano.
Com relação aos investimentos, esse é o principal medo que o mercado nutre quanto a companhia. Em termos de alocação de capital, não há dúvida de que é muito difícil que um projeto de Refino e de Renováveis compita com Exploração e Produção de petróleo. Tanto o volume quanto a qualidade dos projetos passarão pelo escrutínio do mercado nesse novo Plano.
O governo é vocal quanto ao seu entendimento sobre a Petrobras. Diferente da gestão passada, ele vê mais o valor social da companhia e não se atém apenas ao economics. O ponto é que isso tem um preço. Se ele pesa a mão em um volume de investimentos muito forte, mas que não tenham uma boa taxa de atratividade, ele não só está matando o fluxo de caixa atual da companhia, como diminuindo, recorrentemente, a sua força para que ela distribua proventos para a frente. É por isso que temos que ficar de olho na carteira de investimentos que está vindo, tanto na sua quantidade quanto na sua qualidade.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Os principais pontos são: Exploração e Produção tem bastante semelhança com a gestão passada; quanto a Refino e Renováveis, vamos ficar de olho no Plano Estratégico, e as mudanças que foram feitas ainda não rotacionaram por completo a companhia. Houve mudança de dividendos, mas não mudou a lógica de distribuição, que segue respeitando a geração de caixa. Houve mudança na política de preços no refino, mas passou-se longe de um congelamento de preços.
Está havendo uma parcela maior de investimentos? Sim e não ao mesmo tempo. Isso porque na gestão Prates, o plano saiu de mais de US$ 80 bilhões para US$ 100 bilhões. Em teoria, ele cresceu muito, mas a execução não cresceu tanto. Por exemplo, a Petrobras tem uma série de disrupções no supply de óleo e gás.
Quanto às renováveis, que vão ganhar importância nos planos da companhia conforme o tempo for passando, falta uma série de pontos, como a mudança de regulação e a aprovação de parceiros. No seu call, a Petrobras disse que já tinha mapeado quatro parceiros em renováveis, mas ainda não sabemos quais são as áreas dos projetos. Como disse, a carteira de investimentos de 2023 para 2024 até subiu, mas a execução neste ano foi muito difícil.
Todos os olhos estarão focados nas alíneas do novo Plano, passando pela parte operacional, dividendos e investimentos. Esse é o projeto no qual a Magda está debruçada. Desde que assumiu a presidência, o seu foco principal tem sido mexer nesse plano para lhe dar a cara do governo. Ao mesmo tempo, hoje o arcabouço regulatório da companhia é muito mais forte, como a Lei do Petróleo, Lei das Estatais e o próprio estatuto da companhia. Existe uma musculatura muito grande para que se evite casos como Pasadena.
Como disse, o dia 21 será um catalisador para a empresa e para o papel. Para quem segue Petrobras, esse é um evento para ficar de olho.