Conversamos sobre a PetroReconcavo com Pedro Carvalho, gestor de renda variável da Trígono Capital.
Qual a sua avaliação sobre o desempenho da PetroReconcavo?
Apesar de a PetroReconcavo não ter apresentado um crescimento de produção relevante nos últimos dois anos, praticamente de lado nesse período, com alguns desafios operacionais no meio do caminho, nós vemos uma grande resiliência que tem se traduzido em forte geração de caixa. A PetroReconcavo é o player do onshore mais bem posicionado no Brasil e é referência nesse setor.
Cabe destacar que o onshore, diferente da produção offshore, possui risco, complexidade e custos de perfuração e operação significativamente menores, mas, por outro lado, exige uma gestão muito mais eficiente, pois, diferente do offshore, onde se tem alguns poços produzindo 5 mil, 6 mil barris por dia, no onshore o player trabalha com centenas de poços ao mesmo tempo. Por exemplo, a PetroReconcavo possui, de forma simultânea, 700 poços em produção, sendo que alguns produzem menos de 100 barris por dia.
Para que uma empresa do setor de óleo e gás tenha escala e seja competitiva ao mesmo tempo, ela precisa ter know-how e um conhecimento operacional muito grande, sendo que a PetroReconcavo tem isso de sobra, já que ela é a petroleira independente mais longeva do Brasil, depois da Petrobras, com 25 anos de operação, sendo que, inicialmente, ela atuava como prestadora de serviços e era uma operadora privada de pequeno porte. Seus ativos estão na Bahia, região que foi um dos berços da produção de petróleo no Brasil, e no Rio Grande do Norte, e apenas o campo de Tié tem quatro dos dez melhores poços de óleo do onshore brasileiro.
Em termos de desempenho, o diferencial da tese da PetroReconcavo está no gás, que representa 35% do faturamento da companhia, sendo que, em alguns momentos, isso já chegou até 40%. A PetroReconcavo tem se movimentado de forma estratégica para investir na infraestrutura e no escoamento de gás, o chamado midstream. A partir da construção da UPGN de Miranda, que vai ter um capex próximo de US$ 60 milhões, a PetroReconcavo vai buscar todo o gás da Bahia e vai tentar deixar de vender com descontos.
Mais recentemente, a companhia concluiu a compra de 50% da UPGN de Guamaré, que era da Brava, por US$ 65 milhões, onde vai ganhar eficiência no processamento e beneficiamento no gás do Rio Grande do Norte. A partir desses movimentos, alguns um pouco mais no curto prazo e outros daqui a 3 anos, a PetroReconcavo vai começar a ter uma rentabilidade bem maior em gás por conta de contratos com moléculas de maior valor agregado e menores custos de processamento. Aos poucos, a companhia vai ganhando independência no escoamento da produção e ficando menos dependente de terceiros como foi no passado.
Outro ponto interessante é que a PetroReconcavo possui uma frota de sondas próprias para workovers e perfurações para a realização de intervenções nos poços, o que traz agilidade e verticalização de produção, e é muito importante, já que no onshore os poços estão em declínio o tempo todo. Como a companhia tem esses equipamentos dentro de casa, com equipe própria, ela pode ser ágil para aproveitar e minimizar essa depleção. Por exemplo, a PetroReconcavo possui campos que já eram para ter entrado na sua vida final há 10, 15 anos atrás, mas que tiveram suas vidas alongadas por conta dessa flexibilidade, já que fica mais fácil fazer essas perfurações constantes.
Hoje, são dezesseis sondas de workover e três de perfuração, sendo que uma das sondas de perfuração tem capacidade de realizar perfurações de até 5 mil metros de profundidade. Por exemplo, recentemente a PetroReconcavo perfurou o poço de Beriba com uma profundidade de 3.600 metros. Apenas com essa questão de RSO (Sondas e Serviços), a PetroReconcavo teve uma economia de, aproximadamente, R$ 250 milhões em 2024, o que é bem relevante. Se a parte de sonda e equipamentos da PetroReconcavo fosse uma empresa isolada, ela teria a terceira maior frota do Brasil.
Outro ponto interessante é que a frota de sondas próprias traz um movimento de desdolarização dos custos, o que permite a PetroReconcavo ter um controle melhor de custos e uma agilidade maior, e se beneficiar ainda mais em momentos de subida forte do Brent.
Em um mercado em que se aluga os equipamentos, essas sondas são antigas ou a PetroReconcavo tem uma política de aquisição de sondas?
A PetroReconcavo possui uma política de comprar, e não de alugar. De modo geral, essas sondas são mais recentes, sendo que a companhia acelerou muito essa estratégia de frota própria após o IPO, com algumas sondas sendo compradas novas nos Estados Unidos.
Quando sai um resultado da PetroReconcavo, quais são os primeiros números que você analisa?
Como os dados de produção saem mensalmente, nós já temos uma prévia. Quando sai o resultado trimestral, eu gosto de entender a geração de caixa do trimestre, o que tem sido um dos pilares da tese até aqui, e a evolução do lifting cost.
No caso da geração de caixa, nós não olhamos apenas a geração de caixa livre isolada, mas entendemos todo o contexto do trimestre, o capex gasto em desenvolvimento de reservas e se houve algum desembolso para pagamento de proventos ou amortização de dívidas. De forma geral, a geração de caixa é bem saudável e resiliente, sendo um dos grandes guias da nossa tese.
Por exemplo, em 2024, a geração de caixa livre foi de R$ 1 bilhão, o que deu espaço para uma distribuição de dividendos e de juros sobre capital próprio próxima a R$ 800 milhões, aproximadamente 15% de dividend yield. Dessa forma, entender essa dinâmica de geração de caixa nos ajuda a entender não só a capacidade dos proventos, mas a geração de valor para os acionistas e a capacidade de investimento em novas frentes.
Quanto ao lifting cost, quando comparamos os dados da PetroReconcavo, ela é 30% menor que o segundo player do onshore, sendo benchmark do setor. Por exemplo, se olharmos os últimos dois anos, mesmo com os desafios de produção que houveram em alguns momentos, esse lifting cost variou entre US$ 12 e US$ 13 por barril. A PetroReconcavo é bem resiliente, mas ainda tem espaço para melhorias.
Além disso, nós gostamos de acompanhar a evolução dos custos do midstream de gás, que vem em queda há cinco trimestres consecutivos. Por exemplo, no 1T25, ele já estava em um patamar 25% menor em relação ao 1T24, mesmo com uma produção de gás de estável para crescente.
Qual a sua avaliação sobre a geração de caixa e o endividamento da PetroReconcavo?
Na minha avaliação, a geração de caixa e o endividamento da PetroReconcavo são excelentes. A geração de caixa é bem consistente e robusta, e a companhia possui uma estrutura de capital ótima. Frente a geração de caixa, a dívida é bastante baixa, o que traz conforto para os investimentos no midstream, que, por sua vez, vai trazer mais competitividade para a companhia, como temos visto após a aquisição dos 50% da UPGN de Guamaré e a construção da UPGN de Miranga. Se pegarmos o cronograma de amortização das dívidas da companhia, o próximo compromisso é apenas em 2028, ou seja, ela tem um um cronograma bem limpo quando falamos de geração de caixa. Dessa forma, ela pode escolher com calma as suas obrigações e como vai cumpri-las para flutuar entre pagamentos de dividendos, capex e tudo mais.
Um dado interessante é que se pegarmos a projeção do fluxo de caixa operacional estimado na certificação de reserva para os próximos 5 anos, que é um documento feito por uma consultoria independente e publicado todos os anos, e descontarmos o capex estimado para o desenvolvimento dessas reservas, nós temos um excedente de US$ 320 milhões por ano. Ou seja, todo o capex estimado para os próximos anos representa apenas 30% do fluxo de caixa operacional esperado. Lógico que, dependendo do preço do petróleo, podem haver oscilações, mas isso será mais que suficiente para fazer frente a todos os investimentos, pagar as obrigações e ainda ter alguma oportunidade para fazer alguma aquisição que faça sentido do ponto de vista operacional, e se ainda houver espaço, continuar distribuindo bons proventos. Além do capex, a PetroReconcavo ainda tem a expectativa de crescer a sua produção em um ritmo de 8% ao ano de forma orgânica.
Dado todo esse track record que a companhia tem no onshore há mais de 25 anos e a verticalização em sondas e equipamentos, nós acreditamos que há uma boa chance de isso acontecer.
Ou seja, o capex, os investimentos e os projetos que estão no pipeline da PetroReconcavo não afetam a sua política de pagamento de proventos, correto?
Pode afetar em algum momento de forma pontual, mas como a geração de caixa é muito robusta, rapidamente a PetroReconcavo voltaria a ter condições de pagar proventos ou, pelo menos, não em um ritmo tão acentuado como foram os 15% de 2024. Cabe lembrar que apenas no 1T25, a companhia já distribuiu 7% de dividend yield. Respondendo de forma direta, a PetroReconcavo tem caixa para realizar o seu capex e ainda pagar proventos.
Qual a sua avaliação sobre as margens da PetroReconcavo?
As margens são bem saudáveis e trazem conforto, mesmo em cenários de Brent bem pressionados. Nós estimamos que o breakeven da companhia está em um Brent por volta de US$ 40 por conta do seu baixo lifting cost, mas, por outro lado, a companhia não está tão exposta a preços muito baixos por conta dos contratos de gás. Hoje, cerca de 40% da produção é gás e quase 90% desse montante está protegido por contratos de preço fixo ou que estipulam um piso em Brent em US$ 70 dólares.
Além disso, os investimentos em infraestrutura possuem uma grande oportunidade para melhorar ainda mais as margens ao longo dos anos. Um exemplo prático é o TG de São Roque, que foi inaugurado no ano passado e que entregou uma economia entre US$ 1,40 e US$1,70 por milhão de BTU, com um payback bem rápido de um ano e meio, mesmo usando metade da capacidade produtiva dessa UTG. A entrada agora de 50% da UPGN de Guamaré e a construção da UPGN de Miranga podem potencializar ainda mais esses ganhos de eficiência. A redução dos custos de midstream é uma oportunidade muito grande para o onshore brasileiro, e não apenas para a PetroReconcavo.
Vale mencionar que a PetroReconcavo possui alguns contratos de venda de petróleo que possuem descontos excessivos se considerarmos a boa qualidade do óleo, que é bem leve. Em alguns casos, ele é negociado até com prêmio, mas hoje há um desconto em relação ao Brent. No futuro, quando houver outras opções de escoamento, pode haver espaço para que as condições de negociação melhorem.
Em termos de análise comparativa, a PetroReconcavo se compara a Brava Energia e a Prio?
Como cada junior oil tem as suas características, é preciso analisar cada companhia, colocar os prós e contras de cada uma em uma balança e ver quem casa com o perfil do investidor. Hoje, a PetroReconcavo é o único player com 100% de ativos terrestres, e essa é a sua expertise há mais de 25 anos, sendo que a maioria das empresas que atuam no onshore brasileiro não tem nem cinco anos de operação. Algumas dessas empresas surgiram com a oportunidade de desinvestimento da Petrobras alguns anos atrás. Dada a exposição relevante em gás, dá até para comparar um pouco com a Eneva, mas mais direcionado para proxy de monetização de gás e integração do midstream.
Qual a sua avaliação sobre o payout e os proventos pagos pela PetroReconcavo?
Em 2024, foram R$ 800 milhões, sendo que no 1T25, já foram mais de R$ 250 milhões. Nós não gostamos de cravar um payout no setor de petróleo, pois isso depende muito dos preços do petróleo e de como está sendo a geração de caixa, mas dado o histórico da companhia, há espaço para conciliar investimentos e a distribuição recorrente de dividendos.
Qual a sua avaliação sobre o desempenho das ações da PetroReconcavo?
A sensação que temos é que o desempenho ainda é muito sensível às oscilações do preço do petróleo, mesmo com o gás tendo um certo protagonismo e com todas as iniciativas de midstream que vão trazer muito mais competitividade em termos de custos. Como disse, quase 90% dos contratos de gás possuem preços fixos ou um piso do preço do Brent de US$ 70 por barril.
Há dois anos, as ações chegaram a cair até mais de 20% em um único dia por conta de um aumento pontual do capex por reserva em um relatório de certificação de reservas. Naquele momento, como o Brent estava mais alto, a certificadora incluiu um custo mais alto para o desenvolvimento das reservas, mas isso não era um business plan. A certificação de reservas é apenas um guia para mostrar as reservas estimadas dos campos de uma petroleira. Depois de dois anos, a companhia vem entregando forte geração de caixa, mesmo com o Brent em um cenário de US$ 75, mas mesmo assim as ações não se recuperaram. Apenas no último ano, a geração de caixa livre foi de quase 20% do valor de mercado.
Outro ponto é que houve uma certa frustração em relação às aquisições. A negociação do ativo Bahia Terra foi uma novela, que no fim, quando tudo parecia estar encaminhado, acabou que a Petrobras mudou a política de desinvestimento e suspendeu a negociação. Depois veio a expectativa de fusão com os ativos onshore da 3R, que criaria uma gigante do onshore com muitas sinergias operacionais e alguns campos que eram vizinhos um do outro, mas acabou que a Enauta apareceu e essa fusão não foi para a frente.
Contudo, tudo isso foram fatores exógenos que não alteraram em nada a capacidade de criação de valor da companhia. A PetroReconcavo continua sendo referência no setor e avançando na cadeia para reduzir custos.
Ou seja, o desempenho das ações não é condizente com os números da empresa.
Na nossa visão, não, pois achamos que há bastante valor na PetroReconcavo.
Se os números são bons, se a empresa é eficiente e se as perspectivas são boas, qual é o problema do mercado com a PetroReconcavo?
Quando comparamos a PetroReconcavo com as outras junior oils, ela tem uma produção de 27 mil barris por dia, enquanto a Brava tem pouco mais de 80 mil e a Prio está indo para 180 mil. Dessa forma, quando olhamos de forma orgânica, a PetroReconcavo não tem um tese de crescimento acelerado, e sim uma tese de empresa mais madura que está gerando muito caixa. Isso pode ter um peso nessa questão.
Qual a sua avaliação sobre as perspectivas da PetroReconcavo?
A PetroReconcavo está em um caminho bem interessante de consolidação do seu midstream de gás, o que vai lhe permitir ter contratos mais vantajosos e avançar na cadeia do gás, criando até um colchão para a volatilidade dos preços do petróleo, que é algo inerente ao setor. Dessa forma, ela pode se tornar mais resiliente ao mesmo tempo em que reduz custos.
Dado o seu track record operacional, nós temos uma certa confiança de que os dados de produção não vão ter muitas surpresas negativas ao longo do período, o que gera um certo conforto em relação a geração de caixa, que tende a ser, na nossa visão, robusta.
Nós esperamos uma empresa cada vez mais eficiente no midstream, com contratos mais rentáveis em gás e com outras alternativas para escoar o seu petróleo sem depender de alguns players específicos. A PetroReconcavo tem feito esse trabalho nos últimos anos e aos poucos ele vai trazendo essa independência.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Uma métrica importante é o PV10, que é muito utilizado no setor de petróleo e que traz a valor presente os fluxos de caixa provenientes da produção das reservas já provadas, antes de impostos e com um desconto de 10% ao ano em dólar. Hoje, o PV10 da PetroReconcavo indica um valor de US$ 2,7 bilhões, enquanto o seu enterprise value, que é o valor de mercado mais a dívida da companhia, é de, aproximadamente, US$ 1 bilhão, isso levando em considerando um câmbio de 5,60 e um valor de mercado de R$ 4,5 bilhões. Ou seja, o enterprise value é 40% do PV10 da companhia, isso sem considerar os ganhos de eficiência e a redução de custos de processamento e beneficiamento do gás. É lógico que não podemos levar apenas essa métrica em consideração para avaliarmos a companhia, pois existe todo um contexto, mas sem dúvida que isso, em conjunto com o histórico operacional bem longevo de 25 anos da PetroReconcavo, traz um conforto.
Outro ponto é o cenário atual incerto dos preços do petróleo. Com toda a tensão que vem escalando no Oriente Médio, o petróleo voltou, rapidamente, para a casa de US$ 75, e a depender da escalada dessas tensões, isso pode trazer ainda mais volatilidade para o mercado. Nós não gostamos de estimar o preço do petróleo, mas nesse cenário volátil, preços mais altos acabam beneficiando não só a PetroReconcavo, mas todas as junior oil no curto e médio prazo.