“Apesar da intensidade da segunda onda da pandemia, os indicadores recentes continuam mostrando evolução mais positiva do que o esperado, implicando revisões relevantes nas projeções de crescimento. Os riscos para a recuperação econômica reduziram-se significativamente”. A afirmação é do diretor de Política Econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk, feita durante a coletiva virtual de divulgação, nesta quinta-feira, do Relatório Trimestral de Inflação do segundo trimestre de 2021. A projeção para expansão do Produtor interno Bruto (PIB), a soma de todos os bens e serviços produzidos no país, passou de 3,6% para 4,6%.
O relatório destaca que, apesar da intensidade da segunda onda da pandemia de Covid-19, os indicadores recentes da atividade econômica interna seguem mostrando evolução mais positiva do que o esperado.
Sobre a inflação, a publicação mostra argumentos menos otimistas. “A persistência da pressão inflacionária revela-se maior que o esperado, sobretudo entre os bens industriais. Adicionalmente, a lentidão da normalização nas condições de oferta, a resiliência da demanda e implicações da deterioração do cenário hídrico sobre as tarifas de energia elétrica contribuem para manter a inflação elevada no curto prazo, a despeito da recente apreciação do real”.
A inflação, calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve encerrar 2021 em 5,82%, no cenário com taxa de juros (Selic) em 6,25% ao ano em 2021. No relatório anterior do BC, em março, a projeção era 5%. O BC também projeta que a inflação deve ser de 3,8% em 2022 e 3,25% em 2023.
Para repercutir os resultados do Relatório Trimestral de Inflação do segundo trimestre de 2021 do BC, a reportagem do Monitor Mercantil ouviu a opinião do economista e professor da Escola Politécnica da UFRJ, Roberto Ivo. Ele é graduado em Ciências Econômicas pela USP, com mestrado em Economics for Development pela University of Oxford e com doutorado em Ciências pela USP.
O que acha dessa projeção para cima do PIB? Não seria muito otimista considerando que o país segue atravessando um momento difícil com a pandemia?
– Sim, acredito que ele está sendo bastante otimista. O PIB está dando sinais contraditórios. A gente tem alguns pontos a serem considerados. Temos uma queda no consumo das famílias significativo de quase 5 pontos percentuais. Vemos uma renda deprimida e gente saindo do mercado. Um aumento da informalidade. Então as famílias estão perdendo poder de compra. Isso é fato. Outro ponto importante é a desindustrialização que está ocorrendo no país. Houve um acréscimo de importação em detrimentos as exportações. E as exportações sendo pautadas na agropecuária. Estamos quase em processo retrógado de economia primária, de ficar baseado em commodities, o que é preocupante. Uma parcela da indústria está caindo e o que chama mais atenção é o serviço. Tem muita coisa fechando. O serviço que tinha uma importância de 65% do PIB também está caindo. Segundo os últimos dados do IBGE, o serviço está agora respondendo por 58%, uma queda bastante significativa. O que me preocupa ainda mais é esse descompasso entre oferta e a demanda. Há uma variação de estoque muito elevada. Em algum momento esse estoque terá que ser “desovado”, ou através de uma queda no valor do PIB ou de uma contração na oferta.
Sobre as decisões do Banco Central, concorda com a política adotada?
– A política monetária nos últimos anos vem tendo um efeito bastante limitado. Estamos num piso histórico da nossa taxa de juros. A nossa economia está numa dominância fiscal muito grande. Acaba dando uma importância grande para o fiscal e a política monetária vem perdendo espaço. Ele (BC) foi bastante agressivo na queda de juros, mas agora ele voltou com uma elevação para controlar melhor as expectativas para inflação. Mas temos que levar em conta que muito dessa política é cascateada para a economia de forma direta. Ele vai ter que ter uma resposta melhor para inflação e para o hiato do produto existente hoje na economia. Um hiato grande do produto potencial e o que está realmente acontecendo. Estamos muito abaixo do produto potencial. Há outras maneiras de o Banco Central agir. Ele pode agir não só do crédito, mas também por depósitos compulsórios. Também pode reagir através da moeda. Aumentar a oferta da moeda e fazer um processo que chamamos esterilização. Ele pode também recolher essa moeda e apertar um pouco mais com esse efeito monetário.
Se o BC está vendo uma expectativa de inflação mais elevada deveria diminuir a moeda circulante e aumentar o deposito compulsório. Dessa forma, você restringe de alguma maneira o efeito inflacionário na economia. Aliado a um aumento da taxa de juros, você controla as expectativas de mercado. Seria uma outra maneira de o Banco Central agir.
A sensação que temos quando lemos as declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, é que há uma espécie de realidade paralela. Há uma nítida intenção de minimizar os danos causados ao país nos últimos meses por parte do governo.
– Com relação as declarações do presidente do Banco Central, é complicado. Porque Não há um remédio fácil para sustentar crescimento econômico nos próximos anos. A gente está com uma economia bastante claudicante. Está em um estágio de observação entre CTI e quarto. Perdemos uma população ativa razoável por conta da pandemia. Acho que nos próximos anos vai ser um desafio grande do BC estimular esse crescimento.
A inflação deve chegar a 5,82% ao final de 2021, acima da meta. Não é um indicador de que as coisas não estão sob controle?
– Com relação a inflação no final do ano de 5,82% dá uma indicação que realmente existem fatores que não estão sob controle. Por exemplo, este ano tem quebra de safra, aumento de custo para alguns produtos, importação de matéria prima e isso pressiona a inflação. Temos que lembrar que nas últimas duas décadas a inflação média do Brasil tem sido de 6% ao ano. Você já tem um efeito inercial por parte da economia brasileira (a inflação inercial ocorre quando os preços de uma economia oferecem resistência às políticas de estabilização para atacar as causas primárias da inflação, é a chamada memória inflacionária).