Um dos traficantes mais procurados do RJ, chefe do Terceiro Comando Puro, Thiago da Silva Folly, o TH, foi morto na madrugada da última terça-feira (13) em mais uma operação da Polícia Militar do Rio de Janeiro no Complexo da Maré. O intenso tiroteio novamente interditou vias importantes da cidade, com interrupção do funcionamento de serviços essenciais como escolas, hospitais, a Universidade Federal no Fundão e a Fiocruz em Manguinhos, colocados no meio desse fogo cruzado.
Junto com TH, outros dois criminosos foram mortos. O traficante tinha pelo menos 227 anotações criminais e 17 mandados de prisão em aberto, portanto, não cumpridos. TH era procurado há 9 anos e tinha sua rotina monitorada pelas Operações de Inteligência da PM há cerca de 1 ano. Informações dão conta de que a polícia decidiu agir quando teve certeza de que a abordagem ao esconderijo seria segura, de forma a evitar retaliações no vasto território do Complexo de Israel.
Durante a coletiva de imprensa, diante da cúpula da polícia fluminense, 4 ou 5 coronéis PM presentes, o secretário de Polícia Militar levantou-se e deixou verter, para longe de si, a ficha criminal de TH, transcrita em folha impressa de 5 metros de comprimento.
“A operação foi um sucesso. Foi pautada pela Inteligência. Desde a morte dos dois policiais do Bope, em julho de 2024, a polícia não parou de trabalhar para identificar e prender esses criminosos”, declarou Victor Santos, secretário de Segurança Pública. Militares do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) entraram no esconderijo e encontraram TH em um “bunker” no Morro do Timbau, que compõe o extenso território do Complexo da Maré.
No mesmo dia, um policial militar, que conduzia a investigação, foi assassinado em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, durante confronto com bandidos no bairro Colubandê. O cabo Maximiliano Ferreira Costa, de 41 anos, há 11 anos na corporação, foi baleado várias vezes, em ação do 7º BPM de São Gonçalo, e deixa esposa e família desconsolados.
No dia seguinte, outra investigação na mesma área criminal, conduzida agora pela Polícia Civil do Rio e batizada de Operação Contenção, chegou a dois luxuosos endereços cariocas na Barra da Tijuca e apreendeu 43 mil cartuchos de munição e 240 armas, fuzis e pistolas automáticas. Foram detidos 10 suspeitos de abastecer os paióis do Comando Vermelho e lavar dinheiro do esquema criminoso.
Macondo
Em 2005, quando cursava a Escola Superior de Guerra, visitamos a Colômbia em meio a uma forte repressão ao narcotráfico e ao movimento liderado pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), um dos principais grupos envolvidos no conflito armado que se estendeu por mais de 50 anos.
Com um grupo de 6 a 8 alunos, em raro momento de folga, tivemos um jantar informal no centro de Bogotá. Como medida de segurança, fomos escoltados por um caminhão de soldados fortemente armados, que ocuparam o restaurante. O estranho da cena foi que os circunstantes assistiram a tudo impassíveis, como se estivessem diante de um fato comum.
Um de nós comentou na oportunidade que a cena remetia à cidade de Macondo, da obra de Gabriel García Márquez 100 Anos de Solidão. Para nós, parecia excessivo o cuidado das autoridades e fantástica a indiferença da população local. Os responsáveis pela segurança da comitiva sabiam, na verdade, qual seria a repercussão do sequestro de um general brasileiro durante uma visita de estudos. Por outro lado, a população desenvolvera esta apatia diante de cenas insólitas e tinha aprendido de que nada adiantava apenas estranhar.
O romance 100 Anos de Solidão é marcado pelo realismo fantástico e permite a existência de acontecimentos e personagens insólitos. O centro da narrativa é a cidade fictícia de Macondo, em que o personagem central é o coronel Aureliano Buendía. O coronel é liberal e luta contra os conservadores na guerra civil e nas revoluções dos países vizinhos. Em meio a conflitos políticos e questões sociais, a obra traz elementos incomuns, como a peste da insônia, que produzia esquecimento, e uma chuva que dura 4 anos, 11 meses e 2 dias.
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É possível lembrar memoráveis operações de Inteligência, conduzidas em situações extremas e altamente perigosas em território inimigo, contra elementos móveis e fortuitos, cuidadosos com o vazamento de sua localização.
O exemplo maior é operação de busca e eliminação de Osama Bin Laden, líder-fundador do grupo terrorista al-Qaeda. Bin Laden foi capturado e morto em um esconderijo nos arredores de uma cidade paquistanesa por Forças Especiais americanas em cooperação com a CIA. Agentes da Inteligência norte-americana descobriram o paradeiro do terrorista acompanhando informações de um de seus mensageiros. Imagens de satélites e relatos da CIA ajudaram a confirmar a localização de Osama e dos outros moradores do bunker em que se escondia.
O abrigo estava localizado a 1,3 km da Academia Militar do Paquistão, no subúrbio de Abbottabad. Na região em torno do esconderijo havia grande circulação de pessoas e era habitado por militares paquistaneses. O terrorista já estava escondido há cinco anos, sem ser descoberto.
Outro exemplo que vai perdurar na História da Inteligência de Estado, por sua dificílima execução, foram as explosões coordenadas de pagers usados pelo Hezbollah, provocadas por detonadores implantados por agentes de Israel em transmissores taiwaneses importados pelo grupo. A operação atingiu o comando da rede terrorista, interligada por um meio de comunicação supostamente seguro. Como resultado, 9 pessoas morreram e outras 2.750 ficaram feridas.
Ao se desfazer da ficha empilhada de crimes e mandatos não cumpridos do bandido TH, o coronel-comandante da PM produziu realismo fantástico. O ato parece juntar os versos: “Pai, afasta de mim esse cálice”. Na entrevista, o coronel relatou as atividades de Inteligência que permitiram a operação e deu conta de suas ações de comando.
O governador do Rio de Janeiro afirmou que Segurança não é problema estadual e assegurou não ter nenhuma parcela de culpa pelo aumento da criminalidade no Rio de Janeiro. Cláudio Castro defende, entretanto, a letalidade policial em estados como São Paulo e Goiás, onde os governadores não teriam os mesmos impeditivos que o Rio para atuar.
Responsabilidade sobre segurança no RJ? Governador diz ‘nenhuma’
Perguntado sobre sua parcela de responsabilidade na sensação de que a segurança piorou, o governador respondeu: “Sinceramente, nenhuma. Vamos olhar para a febre ou para a doença? Hoje, o nosso principal desafio é o tráfico de armas e a lavagem de dinheiro. Onde estão lavando dinheiro? Nos grandes bancos, no sistema financeiro nacional. E isso é de responsabilidade da União. O crime organizado está completamente misturado. Não tem como dizer que a responsabilidade é do ente A, B ou C.”
Não importa quem execute, A, B ou C, desde que tenha competência e meios necessários à ação. A resposta do governador lembra uma questão de múltipla escolha mal formulada com apenas três opções. De quem é a responsabilidade? Usando um ardil conhecido por professores e alunos, eu marcaria a opção B. No entanto, para B eu entregaria Comando, Controle, Coordenação, Inteligência, Capacidade Decisória e, principalmente, Meios Operacionais.
Das autoridades seria preciso o total comprometimento que vi na Colômbia. Os Comandos americanos para encontrar Bin Laden precisaram de imagens de satélites e transporte por helicópteros. A chefia do Mossad, responsável pela coleta de informações e por operações secretas, responde diretamente e apenas ao primeiro-ministro de Israel, seguindo o princípio da Unidade de Comando. Assim, o Mossad foi capaz de interceptar todo um contêiner de pagers, que foram sabotados. Os agentes americanos e israelenses tiveram à sua disposição todos os meios necessários. Ambas eram operações de valor estratégico, em que se fazia necessária a Inteligência de Estado.
No passado, a atividade de Inteligência era tratada pelos especialistas como o resultado do processamento de informes e informações, conduzidos por agentes conhecidos na roda da malandragem por dedos-duros, alcaguetes, arapongas, X9 ou analistas, eventualmente com rápidos desfechos, quando havia interesse ou pressão. Parecia fácil para a polícia descobrir o esconderijo de um bandido, que agora criam impunes “bunkers” e “ilhas de luxo” em favelas do Rio.
Não há como mostrar indiferença

O personagem central de 100 Anos de Solidão é o coronel Aureliano Buendía, que lutou enquanto pôde e finalmente foi amarrado a uma árvore, para que parasse de lutar e sonhar com uma Macondo melhor. No Rio, cabos, soldados, jovens policiais, crianças iniciadas no crime, Pixotes operacionais, executores de ordens, sem poder de mando, todos sem opção de escolha, são moídos por essa máquina cruel de moer carne, uma guerra real, que não vê tratados, fronteiras nem limites, físicos ou morais. É uma guerra civil, que chegou a todos nós, em que vidas são perdidas em grande escala de forma indiscriminada, destruindo famílias. Não há mais como mostrar indiferença ou apenas estranhamento!
Um neto pode lembrar que seu avô morreu nos campos da Europa em defesa da democracia, honrosamente abatido na Polônia, na França ou na Ucrânia. Mas do que vai se orgulhar daqui a 50 anos alguém que relate a estatística que inclui o avô marginalizado pela desculpa e pela inação de A, B e C? A guerra inglória é uma força implacável que reduz indivíduos a simples números em estatísticas de mortes, sem valorizar a humanidade e as experiências individuais que são tragicamente interrompidas.
De quem é a competência da competência? O princípio alemão kompetenz-kompetenz diz que compete ao próprio árbitro decidir sobre sua competência para julgar o caso posto sob análise. O governador de um estado da federação precisa ser a opção B da múltipla escolha, responsável, ativo e capaz!
Dia 26 de maio completam-se 4 anos sem chuvas na Segurança Pública do Rio de Janeiro. Só trovoadas. Já fomos acometidos pela peste da insônia, que ainda não produziu esquecimento. Ainda somos capazes de denunciar.
Umberto R. Andrade é Ph. D. em Ciência dos Materiais pela Universidade da Califórnia em San Diego.
















