Por Gilmara Santos, especial para o Monitor
O setor de planos de saúde está entre os que mais recebem reclamações de consumidores todos os anos. Este cenário levou a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) a convocar audiência pública para discutir a reformulação das regras sobre preços de planos de saúde e aumentos anuais. Além disso, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 7419/2006, que propõe mudanças na Lei dos Planos de Saúde e uma reformulação da regulamentação do setor. A iniciativa da ANS não agradou os usuários dos convênios médicos, e as discussões do PL ainda não avançaram.
Lucas Andrietta, coordenador do programa de Saúde do Idec, afirma que um dos principais pontos de discussão é a extensão da proteção dos planos de consumidores para todos os contratos de plano de saúde. “Existem lacunas que criam distorção entre os planos individuais e os coletivos. Individual tem nível de proteção muito maior, e coletivos que não têm essa regulação e pessoas ficam mais desprotegidas”, afirma Andrietta.
Uma dessas proteções está ligada ao reajuste das mensalidades. O reajuste dos planos coletivos tem sido um dos principais motivos para a judicialização contra planos de saúde, que saltou 50% nos últimos três anos. Os planos individuais e familiares têm os reajustes regulamentados pela ANS, que neste ano ficou em 6,91%, enquanto que os planos coletivos e empresariais não são regulados pela agência e seguem livre negociação do mercado, com reajuste neste cerca de três vezes maior do que nos planos individuais, ficando em 20%, em média.
A estimativa, segundo a ANS, é que dos 51 milhões de consumidores de planos de assistência médica no Brasil, cerca de 85% possuem contratos coletivos. “Muitas operadoras não têm interesse nesta modalidade (planos individuais), mas na prática são planos coletivos com quatro ou cinco pessoas, ou seja, um falso coletivo. O que acontece é que esses planos são imunes ao teto de reajuste, e as operadoras se veem no direito de cancelar contrato unilateralmente, o que acaba prejudicando muito os usuários”, enfatiza Andrietta.
Para ele, existem avanços que podem ser promovidos pela agência sem necessidade de mudança legislativa, como garantir proteção aos planos coletivos em harmonia com Código de Defesa do Consumidor e dos Estatuto do Idoso. “O que estamos discutindo, e é de grande gravidade, é que, além de não promover avanço nos planos de saúde, a ANS tem promovido mudanças no sentido de piorar e que oferecem grande risco para os consumidores”, alerta.
Reajuste extraordinário
Entre as mudanças que seriam prejudiciais aos usuários, Andrietta cita o reajuste extraordinário para os planos individuais. “O reajuste por revisão técnica é ilegal e tem decisão do Judiciário neste sentido. Ele traz insegurança jurídica para quem está contratando plano e é uma medida que pode estimular a ineficiência da operadora, porque exime o risco da carteira de cliente”, avalia.
O reajuste extraordinário tem como objetivo diferenciar quando uma operadora tiver custos maiores que outras e, assim, permitir um teto de reajuste diferente. “Não é justo que o consumidor arque com esse desequilíbrio econômico nos planos individuais”, enfatiza Caio Henrique Fernandes, sócio do Vilhena Silva Advogados.
Hoje, os planos individuais têm um teto de reajuste que todas as operadoras têm que seguir e, até por isso, eles já são mais caros que os planos coletivos. “E ninguém quer trocar esses planos por serem antigos e regulados. Mesmo que tenham valores de mensalidade altos, você não tem um índice aleatório, você vai ter um índice fixado pela ANS”, explica Fernandes.
Sem internação
Outro proposta da agência reguladora que está causando preocupação é a que prevê a venda de planos exclusivamente ambulatoriais. A proposta foi apresentada pelo diretor-presidente da ANS, Paulo Rebello, que sugere a inclusão do debate sobre as regras para venda de planos exclusivamente ambulatoriais.
“Hoje em dia, sabemos que há cerca de 60 milhões de pessoas usando cartões de desconto, que são produtos baratos, sem qualquer tipo de regulação e fiscalização, mas que possibilitam a realização de consultas e exames. É a forma como essas pessoas encontraram de ter acesso aos serviços de saúde”, argumentou à época.
Nesse sentido, diz Rebello, “a proposta de rever as regras dos planos exclusivamente ambulatoriais é dar a esses consumidores a possibilidade de ter planos de saúde com preços mais baixos, com regras claras e com coberturas garantidas, possibilitando o cuidado com a saúde e a realização de consultas e exames como forma de prevenir doenças ou identificá-las em fase inicial”.
De um lado, os que são favoráveis à medida consideram que ter planos que cobrem apenas consultas e exames pode ser benéfico para um grande número de pessoas que utilizam os cartões de desconto.
Do outro, os que são contra avaliam que permitir um plano apenas com consulta e exames é temerário porque deixa o usuário com o diagnóstico em mãos, mas sem ter para quem recorrer para fazer o tratamento ou em caso de necessidade de exames mais complexos.
É fundamental, caso a medida seja aprovada, que os produtos sejam cuidadosamente regulados para garantir que ofereçam a segurança jurídica e a qualidade de atendimento, além de clareza na comunicação com o usuário para evitar que compre um plano achando que terá todo o atendimento e isso não ocorra.