Polícias completas

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Segurança pública não deve ser confundida com defesa nacional. São áreas distintas, ainda que complementares, devendo cada qual obedecer a políticas de governo específicas e contar com meios e recursos próprios. As Forças Armadas não podem ser desviadas de sua destinação básica de defesa nacional, para dar combate ao narcotráfico e ao crime organizado. Do mesmo modo, a solução para o problema da criminalidade e da violência nas grandes cidades brasileiras não é “colocar o Exército nas ruas”. Soldados não são gendarmes, nem o Exército é uma milícia de segurança interna. Os integrantes das três forças singulares (Marinha, Exército e Força Aérea) são combatentes treinados para a guerra, e não para tarefas policiais de natureza civil.
A existência, no Distrito Federal e em cada Estado da Federação, de duas polícias, sendo uma civil e a outra militar, é incorretamente apontada como a razão principal da crise do aparato policial brasileiro. Afirma-se até que uma polícia militarizada é incompatível com a democracia. Nada mais distante da realidade. A duplicidade de polícias, tal como existe no Brasil, pode ser problemática, mas isso não altera o fato de que algumas das melhores e mais famosas polícias do mundo são militarizadas. Basta citar a Gendarmerie Nationale francesa e os Carabinieri italianos, por exemplo. É verdade que estas corporações são de caráter nacional, e não regional, como as nossas Polícias Militares, mas a França e a Itália (só para ficarmos no “Primeiro Mundo”) são países bem menores que o Brasil.
As atuais Polícias Militares brasileiras descendem da Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, criada no Rio de Janeiro por Dom João VI, e não da Guarda Nacional, que foi criada pela Regência para competir com o Exército de linha. A fusão da Polícia Civil e da Polícia Militar (ou a “desmilitarização” da polícia) vem sendo apontada como a solução mágica para o problema da segurança pública no país. Nem no “Primeiro Mundo” existem soluções mágicas para a polícia. Parte do problema é que no Brasil existem, em tese, duas polícias incompletas atuando na mesma área, uma no policiamento ostensivo (Polícia Militar) e a outra na investigação (Polícia Civil). Na prática, freqüentemente estas duas atividades se confundem, gerando confusão de atribuições.
Voltando ao caso da França, lá existe a Police Nationale, subordinada ao Ministério do Interior, que é civil e atua basicamente nas grandes cidades. A Gendarmerie Nationale, subordinada ao Ministério da Defesa, divide-se em dois componentes operativos: a Gendarmerie mobile, que atua no policiamento rodoviário e rural móvel, e a Gendarmerie departamentale, destinada principalmente ao controle de distúrbios em centros urbanos. A Garde Nationale Republicaine, a guarda presidencial da França, é também um componente da Gendarmerie, e não do Exército de linha (Armée de Terre).
Já é lugar-comum dizer que os brasileiros têm mania de copiar instituições estrangeiras. Só que quando copiam, geralmente fazem isso de forma errada ou pela metade. Fica claro, pelo rápido exame do modelo policial francês, que lá a Gendarmerie (militar e uniformizada) constitui um nível intermediário de intervenção armada, situado acima do policiamento civil ostensivo (uniformizado) ou investigativo (à paisana) e abaixo do que poderia ser uma intervenção militar “de verdade”.
Sou favorável a que, em cada unidade federativa de nosso país, exista uma Força Policial civil, constituída por pessoal uniformizado e à paisana, que teria atribuições completas, no policiamento ostensivo e na investigação. Além disso, haveria também uma Força Pública ou Guarda Territorial militarizada, que atuaria no interior dos Estados ou no controle de distúrbios, em caso de grave perturbação da ordem pública nas grande cidades. Isto não é novidade: as antigas Forças Públicas atuavam dessa maneira, antes do decreto-lei de 1969 que extinguiu as Guardas Civis estaduais, dando às Polícias Militares a exclusividade do policiamento ostensivo em todo o território nacional.
A sociedade brasileira, que passou por grandes transformações no Século XIX e no Século XX, se transformará ainda mais no Século XXI. No Brasil, as instituições policiais não têm acompanhado as mudanças da sociedade. Todavia, não será com “slogans” politicamente corretos ou com simples modificações na legislação, para não falar nas compras de viaturas e equipamento, que se modificará tal situação. É urgente e indispensável que os métodos de recrutamento, seleção e treinamento sejam atualizados e aperfeiçoados, com o concurso das escolas de formação policial e das universidades. Os professores e instrutores de formação também devem ser criteriosamente selecionados.
A carreira policial (civil e militar) deve ser valorizada, com vencimentos e planos de aposentadoria condignos, assistência de saúde adequada (inclusive aos dependentes) e outros benefícios, tais como residências funcionais e financiamentos para aquisição de moradia própria. O Estado não pode tratar como indigente quem arrisca a vida para defender a sociedade. Esta, porém, tem o direito e o dever de exigir, dos profissionais da segurança pública, honestidade, eficácia e dedicação no cumprimento de sua missão.

Eduardo Italo Pesce
Vice-presidente do Instituto de Defesa Nacional (Iden), membro do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres), especialista em Relações Internacionais e professor universitário.

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