Conversamos sobre o Drex com Thiago Saldanha, CTO da Sinqia. Essa é a última conversa da série de entrevistas feitas pelo Monitor Mercantil com especialistas de instituições que estão participando do desenvolvimento do Drex.
Qual a funcionalidade do Drex?
O Drex não é um produto final, portanto, ele não se compara ao Pix. Quando se faz uma analogia, nós temos que fazê-la com o Open Finance, que é uma plataforma de conectividade de informações que possibilita a criação de produtos em si. O Drex é a mesma coisa: uma plataforma de conectividade digital que possibilita novas ofertas financeiras.
A forma como se realiza operações offline, como a compra de um ativo com registro em cartório e com a confiabilidade de que a contraparte entregue o dinheiro, será diferente. Essas operações passarão a ser lastreadas num contratado gerido pelo Drex. Para quem não é técnico, é um tanto complicado entender tudo isso.
Antes mesmo do Drex, sempre que se falava em Ethereum, se falava nos contratos inteligentes (smarts contracts). Você tem conhecimento de contratos inteligentes que estão sendo utilizados no exterior que possam ser trazidos para o Brasil?
Igual ao que estamos fazendo no Brasil, não. Na China, existe a iniciativa do iuan digital, que usa a blockchain e dados digitais, mas eu não sei se ele é usado da mesma forma que estamos aplicando para títulos, ações ou frações de imóveis. Aqui, será possível comprar R$ 0,01 de um título público fracionado via contratos digitais.
Na Ethereum, os smart contracts são muito utilizados para voto online ou para stock options. Por exemplo, se uma startup faz a distribuição de ações e de stock options em cima de blockchain, ela emite um smart contract correspondente à participação da pessoa. Algumas empresas já fazem isso, mas em outro cenário que não é o Drex, normalmente o Ethereum.
Como eu vou ver o Drex?
Isso depende muito dos bancos, pois quem terá acesso ao Drex são as instituições financeiras. A plataforma terá dinheiro digital que será emitido e custodiado pelo Banco Central, enquanto as instituições financeiras entregarão aos clientes reais tokenizados para serem utilizados de alguma forma.
Dentro da instituição financeira, haverá uma conta corrente de real normal e uma de reais tokenizados, que serão lastreados no digital, que, por sua vez, serão lastreados no real normal.
Por exemplo, no caso da venda de um carro, o vendedor vai entrar na instituição financeira e ver o produto “transferência de carro”, com o número do Renavam do carro que está sendo vendido, seu valor e as informações do comprador. Para o comprador, eu já estou imaginando o futuro, ele vai receber uma notificação da instituição financeira avisando que alguém está lhe vendendo um carro. Se ele confirmar a operação, o smart contract vai pegar o real digital da sua conta, transferi-lo para a conta do vendedor e mudar o nome que está no Renavam. Não será necessário ir ao cartório, se encontrar pessoalmente ou se preocupar com a transferência do dinheiro, pois tudo será feito digitalmente. Simples assim.
Para isso, será preciso de uma API digital com o Detran, que vai fazer a transferência de titularidade do Renavam, e do smart contract do Drex que vai fazer a troca de informações entre o comprador e o vendedor. Nessa operação, eu não vi o Drex, o real digital e o Detran, mas eu consegui operar a venda de um carro. O que você vai ver são as operações financeiras feitas em cima do Drex.
Como será o processo de migração para o Drex? Pela sua percepção, isso será feito aos poucos ou vão virar a chave de uma vez?
A utilização do Drex será mais rápida que o Open Finance, cujos agregadores de função tiveram uma boa entrada no mercado, mas não tão rápida quanto o Pix, que é um produto final usado no dia a dia de uma forma muito rápida e simples.
Eu acredito que produtos relacionados à compra de um carro, títulos ou ações tenham um aceite maior, mas isso depende de que eles sejam criados pelas instituições financeiras.
Como está o projeto?
Neste momento, os consórcios estão testando a privacidade, confiabilidade e escalabilidade da plataforma sugerida pelo Banco Central, o Hyperledger Besu. Diferente de uma blockchain, o Drex é uma rede privada, onde apenas o Banco Central e as instituições financeiras possuem acesso. Como uma pessoa não consegue operar diretamente no Drex, isso garante bastante segurança e confiabilidade, pois apenas quem está naquele conjunto de nós tem acesso às informações.
O Hyperledger Besu é bem seguro e nós estamos tendo bons avanços. Eu não sei dizer se ele vai ser a plataforma escolhida, mas, até agora, tem tudo para ser o Besu.
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