Por que o capital de giro é tão importante?

Segundo Oscar Malvessi, as empresas estão calculando de forma errada as suas necessidades de capital de giro.

356
Oscar Mavessi (foto FGV)
Oscar Mavessi (foto FGV)

Conversamos sobre o cálculo de capital de giro com Oscar Malvessi, especialista de criação de valor e professor de finanças corporativas da FGV EAESP. Malvessi é autor do livro Como criar valor na sua empresa – Método VEC (Valor Econômico Criado).

Por que o capital de giro é tão importante?

Em regra geral, o capital de giro toma, no mínimo, entre 50% e 70% do tempo do gestor financeiro. Como questões de curto prazo, como comprar, vender, estocar, produzir e alternativas de mercado, ocorrem o tempo inteiro, a importância de se ter o cálculo do capital de giro é crucial. Se a empresa não tem esse cálculo correto, ela vai perder dinheiro, pois vai divulgar as informações incorretas aos gestores e vai acabar pedindo empréstimos que não deveria pedir.

Se as informações e a lógica não são boas, você não consegue fazer com que as pessoas tenham disciplina financeira. Eu já trabalhei como diretor financeiro em uma empresa onde o comercial e compras queriam dar os seus prazos, e a produção queria ter estoque à vontade. Eu tinha que pedir calma e alertar que não era por aí, pois tínhamos que trabalhar redondo, nem com excesso, nem com falta, o que exigiria massa cinzenta de todo mundo.

O pessoal precisa entender os conceitos de que dinheiro tem preço, de criação de valor, de lucro econômico e de que o custo de oportunidade do dinheiro do capital investido tem que estar na conta, já que o capital de giro é, às vezes, mais da metade do capital investido, podendo chegar a 70%. O problema é que isso não é divulgado de forma aberta nas empresas. Se a empresa não tem as contas corretas, isso quer dizer que as coisas estão soltas.

Espaço Publicitáriocnseg

Esse ponto está mais relacionado à gestão da empresa ou à análise fundamentalista?

À gestão, mas isso vai impactar na análise, pois se você não é, vamos dizer assim, correto na gestão, o resultado da empresa e os seus números são meio soltos, o que vai impactar no seu valuation. Uma empresa bem ingerida, em todos os aspectos, com certeza tem o seu valor de mercado sempre crescendo, enquanto a empresa mais ou menos tem valor de mercado mais ou menos, ou seja, abaixo do valor de mercado e do valor de patrimônio, que é o que acontece com a maioria.

Qual foi o problema que você detectou?

O primeiro problema é a forma de cálculo do capital de giro. Segundo o conceito tradicional, ativo circulante – passivo circulante = capital de giro. Ele também diz que os indicadores possuem três bases de cálculo diferentes. Quando você vai calcular o indicador de prazos médios, você tem clientes = vendas; estoque = custo; e fornecedores = compras, ou seja, você tem três bases de contas para dizer qual é o ciclo do seu negócio.

Os conceitos tradicionais falam do ciclo operacional, e não do ciclo financeiro. A diferença é que enquanto o conceito tradicional pega três contas (cliente, estoque e fornecedores), o conceito atualizado diz que o capital de giro operacional líquido = ativo circulante operacional – passivo circulante operacional, ou seja, ele pega todas as contas que se referem à operação da empresa.

Nesse instante, eu tenho o capital de giro operacional líquido, que é aquilo que eu preciso para tocar a operação. Todas as contas que eu faço, eu faço em função de vendas, pois vendas conduz o tamanho e a velocidade de crescimento de uma empresa, ou seja, se eu vou aumentar a minha empresa em 20%, a pergunta é: qual é a necessidade de capital de giro?

Se você não tiver as contas e os conceitos corretos, as suas informações não serão corretas, e é isso que acontece, ou seja, o conceito tradicional de análise faz contas parciais. O conceito de valuation e de criação de valor faz as contas corretas, de tal forma que você consegue checar se a conta está correta. Isso é importante. Quando eu faço uma análise, essa análise tem que ser checada, e se ela checa, a conta está correta. Como o conceito tradicional não tem checagem, a sua conta é solta. É por isso que eu achei diferenças relevantes.

Como eu tenho na minha base todas as empresas de governança corporativa (empresas listadas na B3 e empresas de sustentabilidade), mais as empresas internacionais, eu apliquei os dois modelos em cada empresa e fui vendo as diferenças de cálculo. Na prática, eu percebo isso quando faço consultoria nas empresas. Eu reestruturo as informações e faço com que a empresa comece a trabalhar com as informações corretas, de tal forma que ela passa a saber o seu ciclo financeiro e o seu capital de giro dadas as variações de vendas. Com isso, é possível compará-la com outras empresas, pois há um posicionamento correto para geri-la.

Como você se deu conta desse problema?

Eu já sabia disso há bastante tempo, mas eu estava muito mais envolvido na análise de criação de valor como um todo. Eis que eu fui chamado para um curso específico de capital de giro, sendo que neste curso me trouxeram, vamos dizer assim, toda uma lógica pronta. Quando me disseram que eu teria que dar o curso dessa forma, eu avisei que não funcionaria. Foi quando me disseram que eu deveria usar o conceito do curso, mas também mostrando o meu conceito.

Embora eu já usasse esse conceito na consultoria há bastante tempo, isso não tinha me chamado a atenção. Neste curso, eu tive a oportunidade de debater esse assunto com 30 alunos, todos executivos, sendo que nenhum deles conhecia essa diferença e o seu porquê. A partir daí, eu vi que precisava fazer uma análise mais dirigida, pois o assunto capital de giro é muito mais importante para as empresas.

Por exemplo, quando você pega uma empresa familiar que não é tão grande, o financeiro, não necessariamente, tem boa formação. Ele está exercendo a função financeira, mas pode ser um amigo, uma pessoa que está lá há muito tempo e que fez um curso aqui e ali. Isso faz com que as contas e as formas de análise sejam soltas. Esse é o grande detalhe, pois na medida em que as pessoas veem o cálculo correto, elas ficam surpresas com a diferença e pedem para ver de novo.

Como eu analisei e comparei mais de 200 empresas, eu vi que existem setores onde as diferenças são maiores que outros. Por exemplo, o conceito tradicional não considera valores de adiantamento, sendo que muitas empresas pedem adiantamento para vender, já que elas trabalham sob encomenda. Isso quer dizer que ela trouxe caixa operacional, mas os indicadores tradicionais não buscam essa informação.

Como esse conceito pode ser utilizado na gestão de uma empresa de forma a que os seus gestores não saiam correndo em várias direções e acabem impactando, justamente, o seu capital de giro?

Essa é a grande lógica que me chama muito a atenção. Quando eu fui verificar os livros de finanças, eu vi que eles não têm se preocupado com esse aspecto na análise financeira, pois quase todos eles usam os conceitos tradicionais das décadas de 1930 e 1940.

Tem professor que usa cálculo da necessidade de capital de giro usando os conceitos tradicionais, logo a informação não fecha, pois ela dá diferença. Na realidade, nós temos um distanciamento entre o que é feito e o correto, já que se ensina conceitos que não estão corretos, mas que estão nos livros. 

Quando uma pessoa me explica como ela faz essa conta, eu vejo que ela está fazendo a conta parcial, pois ela está usando os conceitos que misturam as contas. Com isso, as empresas perdem a noção de quanto, de por que, de disciplina e de pagamento de custos financeiros que não deveriam ser pagos, pois, provavelmente ela contrata mais operações de capital de giro do que precisaria. Quem ganha com isso são os bancos, pois eles cobram caro por capital de giro, que, normalmente, custa de 20% a 50% mais que as operações de capital de longo prazo. As empresas se perdem nisso.

Quando uma empresa precisa de capital de giro para pagar salários, e isso acontece com muitas delas, provavelmente, a gestão do contas a pagar, do contas a receber e do estoque não está integrada e não está sendo feita e analisada de forma correta. A empresa deve estar curta nas várias contas que se referem a capital de giro. Como os bancos estão aí para emprestar, as empresas pagam juros e têm custos maiores, o que diminui os seus resultados e faz com que elas fiquem mais ou menos.

Essa metodologia varia em conformidade com o tamanho da empresa?

Não, ela não varia, pois o conceito é universal. Esse é o conceito que está por trás do valuation. Quando se faz um valuation, é preciso saber o capital investido em uma companhia, ou seja, o capital de giro e o capital de longo prazo, como eles estão financiados e o resultado que eles geram. Essa história de se trabalhar com múltiplos de Ebitda é para que se calcular de forma rápida quanto vale uma empresa. O correto é você trabalhar com a informação integrada.

O crescimento de uma companhia é advindo dos ativos e da massa cinzenta que ela tem. Se os ativos e a sua massa cinzenta estão bem geridos e bem financiados, o resultado é para cima, então ela é uma empresa que vai gerar valor. Se a empresa não gera valor, ela pode ter lucro, mas ela não vai remunerar o custo de capital. Essa é uma empresa doente, pois ela está perdendo substância econômica no tempo, ou seja, ela vai ficando mais fraca, pois além do lucro ser insuficiente para remunerar o custo do capital, ela ainda paga bônus para os seus executivos e dividendos para os seus acionistas, sacando dinheiro de forma não sustentável.

Siga o canal \"Monitor Mercantil\" no WhatsApp:cnseg

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui