Há muitos anos o Governo Federal vem se considerando como “dono” dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – um dos principais instrumentos de apoio às atividades de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação tecnológica do país – interferindo na sua liberação e até mesmo no destino a ser dado a esses recursos.
A Lei que rege o FNDCT é clara. Inicialmente, cabe lembrar que o atual FNDCT é constituído por recursos arrecadados de vários setores da economia, via leis específicas que foram propostas, aprovadas pelo Congresso Nacional e promulgadas para cada fundo setorial. Não são recursos decorrentes da arrecadação de impostos, mas canalizados por empresas que atuam nos vários setores com o objetivo exclusivo de apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Mais ainda, cabe exclusivamente ao seu Conselho Diretor, presidido pelo ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, e integrado por representantes de várias áreas do governo, bem como da comunidade científica e industrial do país, definir suas prioridades, sempre em consonância com a legislação pertinente para cada fundo setorial.
Felizmente, após intensa mobilização por parte da comunidade científica e empresarial junto ao Congresso Nacional, passamos a contar recentemente com um FNDCT liberto de suas amarras. É agora um Fundo Financeiro, cujos recursos podem passar de um ano para o outro, sem os impedimentos impostos pelo orçamento federal. Por outro lado, sua nova legislação impede os constantes contingenciamentos de seus recursos, como ocorreu ao longo de muitos anos.
Como consequência dessas mudanças, a Secretaria do Tesouro Nacional imediatamente transferiu para uma conta específica do FNDCT, administrada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), todos os recursos contingenciados ao longo de anos, equivalentes a cerca de R$ 28 bilhões.
Cabe agora ao presidente do Conselho Diretor do FNDCT convocar o Conselho Diretor para que este estabeleça a proposta de utilização dos recursos orçamentários previstos para 2021 (R$ 7,4 bilhões), seguindo a legislação vigente, o que implica alocação de recursos para todos os fundos setoriais e a convocação dos comitês gestores de cada fundo para identificar os vários temas a serem financiados via editais públicos específicos, que devem ser o principal instrumento de financiamento transparente para desenvolvimento de projetos científicos.
É ainda necessário estabelecer o volume de recursos para cada área, que prevê percentuais de até um determinador valor, como é o caso das operações de crédito por parte da Finep (até 50%) ou para Organizações Sociais que atuam na área (até 25%). Certamente o Conselho Diretor estará atento para fazer uma distribuição que privilegie, sempre na forma de lei, recursos não reembolsáveis tanto para instituições científicas como para empresas de base tecnológica, via subvenção econômica.
No entanto, a área econômica do governo ainda não perdeu o vício antigo de querer usurpar (pesado) as prerrogativas do Conselho Diretor e estabelecer diretrizes para a utilização dos recursos. Esta atitude não pode ser aceita, mesmo que para tal seja necessária a utilização da via judicial.
O Ministério da Economia acaba de enviar diretrizes (ou ordens) para que o FNDCT aloque recursos onde eles achem mais interessante sob o ponto de vista econômico, esquecendo (?) que essa é uma atribuição do Conselho Diretor do FNDCT, que deve deliberar a partir de sugestões encaminhadas por vários atores, como os membros do referido Conselho, o próprio MCTI, através do seu ministro, ou até mesmo o Ministério da Economia. É preciso uma vez mais estarmos vigilantes para que os princípios legais sejam seguidos por todos.
Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.