Possibilidade de proteção de patentes no Brasil

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Bank of America requer patente para sistema de processamento baseado em Blockchain”, “Mastercard recebe patente para criar um sistema de autenticação de cupons via blockchain”, “Uber quer patentear inteligência artificial que detecta se você está bêbado”, “Nova patente do Walmart propõe o acesso de registros médicos a partir da tecnologia blockchain”,“Banco Popular da China registra patente para carteira digital em moeda estrangeira”, “IBM busca nova patente para rastrear atualizações de código em uma blockchain”, “Microsoft registra patente de inteligência artificial antitrapaça em games”, “Ford registra patente de carro policial autônomo que aprende a se esconder de motoristas” e “IBM patenteia tecnologia para usar inteligência artificial em semáforos” são apenas alguns exemplos de títulos de notícias que foram publicadas em sites brasileiros de tecnologia no decorrer dos últimos meses.

Leitores mais atentos, mesmo sem explorar a fundo o conteúdo destas notícias, podem notar que as empresas que desenvolvem soluções que orbitam tecnologias vinculadas, principalmente, aos conceitos de inteligência artificial, machine learning e blockchain, têm adotado uma postura mais zelosa e protecionista em relação às suas “soluções digitais”.

Todavia, estas notícias narram acontecimentos observados no exterior, principalmente em territórios nos quais estes tipos de tecnologia efervescem e, mais importante que isso, em territórios nos quais as leis locais possibilitam a proteção patentária destes tipos de invenções.

Por outro lado, é notável a escassez de notícias semelhantes que retratam o cenário nacional. Também é marcante a insuficiência de artigos que discutem a possibilidade de proteção patentária destes tipos de invenções no Brasil, à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

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Assim, considerando que as notícias publicadas no Brasil falam apenas de movimentos e tendências internacionais, e tendo em vista que carência de divulgações midiáticas sobre possíveis “soluções digitais” desenvolvidas no Brasil, é razoável questionar se estas invenções podem ser protegidas por patente no território nacional.

Preliminarmente, é sempre importante lembrar que a Lei 9.279/9610, a qual regula os direitos e as obrigações relativos à propriedade industrial, não considera como invenção, dentre outras hipóteses, as “concepções puramente abstratas”, os “princípios ou métodos comerciais, contábeis e financeiros” e os “programas de computador em si”. Isto significa que o ordenamento jurídico brasileiro não prevê a possibilidade de proteção patentária para possíveis “soluções digitais” fundamentadas nestas hipóteses.

Vale ainda destacar que softwares, per se, têm sua proteção regida pela Lei 9.609/9811, a qual dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador nos moldes dos direitos autorais. Em linhas gerais, a proteção prevista nesta Lei resume-se ao código-fonte dos softwares, não abrangendo, portanto, o princípio funcional ou algum eventual efeito técnico inerente ao algoritmo aplicado.

Assim, em primeira análise, pode-se, então, chegar à conclusão de que não é possível alcançar proteção patentária de “soluções digitais” no Brasil. Esta conclusão pode ainda ser reforçada pelo fato das Leis brasileiras anteriormente citadas terem sido elaboradas e entrado em vigor em uma época na qual estas “soluções digitais”, possíveis apenas graças aos esforços e avanços tecnológicos mais modernos, não poderiam sequer ser imaginadas.

Felizmente, esta possível conclusão é equivocada! Isto porque o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial – seguindo uma tendência global, além da principal corrente doutrinária nacional, já reconhece, de forma oficial e sistematizada, a possibilidade de proteção patentária de invenções implementadas por programas de computador.

O INPI categoriza, inclusive, estas invenções em “processos que utilizam grandezas físicas para gerar um produto ou efeito físico”, “processos que utilizam grandezas físicas para gerar um produto virtual” e “processos que utilizam grandezas abstratas para gerar um produto virtual”. Um método de controle de uma máquina industrial, um método para converter informações de tempo e distância em um valor proporcional tarifável e um método de criptografia de dados são, respectivamente, exemplos práticos destas categorias idealizadas pelo INPI.

Como não poderia deixar de ser, para que uma invenção implementada por programa de computador possa ser protegida por patente, de forma análoga a uma invenção industrial qualquer, é necessário que a mesma seja nova, inventiva e industrialmente aplicável. Em adição, para que possa ser protegida por patente, uma invenção implementada por programa de computador também deve alcançar um efeito técnico, além de solucionar um problema técnico.

Isto significa que o ordenamento jurídico brasileiro, principalmente em função dos modernos posicionamentos do INPI, proporciona um cenário bastante seguro e previsível no que diz respeito às possibilidades e garantias de proteção patentária de “soluções digitais”.

Um reflexo desta segurança e previsibilidade, já percebido por grandes empresas multinacionais de tecnologia que depositam pedidos de patente no Brasil, pode ser aferido em números: nos últimos cinco anos o INPI já publicou cerca de 45 pedidos de patente relacionados a tecnologias e aplicações de machine learning, cerca de 25 pedidos de patente relacionados a tecnologias e aplicações de inteligência artificial e cerca de dez pedidos de patente relacionados a tecnologias e aplicações de blockchain. Considerando que os pedidos de patente depositados nos últimos 18 meses ainda estão em sigilo, é esperado que estes números aumentem.

Neste mesmo sentido, diversas outras grandes empresas multinacionais de tecnologia – cujas “soluções digitais” certamente estão instaladas nos smartphones de grande parte da população brasileira – também têm depositado pedidos de patente no INPI.

Eis alguns números aproximados: a Uber Technologies (empresa de tecnologia atuante na área de transporte privado urbano) possui dez pedidos de patente publicados, o Facebook (empresa de tecnologia atuante na área de rede e mídia sociais) possui 230 pedidos de patente publicados, a Airbnb Technologies (empresa de tecnologia atuante na área de locação imobiliária) possui quatro pedidos de patente publicados, o Netflix (empresa de tecnologia atuante na área de entretenimento via streaming) possui oito pedidos de patente publicados, o Paypal (empresa de tecnologia atuante na área de transações monetárias) possui 13 pedidos de patente publicados, a Linkedin Corporation (empresa de tecnologia atuante na área de rede e mídia sociais) possui sete pedidos de patente publicados. Novamente, pelos motivos anteriormente já comentados, é esperado que estes números aumentem.

Em contrapartida, a já citada escassez de notícias relacionadas à temática de patentes, “soluções digitais” e empresas nacionais de tecnologia é apenas um de muitos outros indícios que permitem aos leitores mais atentos notar a falta de preocupação que as empresas nacionais de tecnologia – startups, geralmente – possuem relação às suas “soluções digitais”.

A inércia das empresas nacionais de tecnologia – normalmente fruto da falta de conhecimento sobre o tema ou falta de recursos financeiros – é extremamente perigosa, afinal, “soluções digitais” extremamente inovadoras podem estar sendo jogadas ao domínio público, prejudicando, desta forma, a justa valoração e a sustentabilidade da saúde financeira destas empresas.

Portanto, visando evitar estes potenciais riscos irreparáveis, além de manter um posicionamento competitivo frente as grandes empresas multinacionais de tecnologia, é sempre recomendado que as empresas nacionais de tecnologia, especialmente as startups desenvolvedoras de aplicativos e demais “soluções digitais”, busquem proteção patentária para suas invenções.

 

 

Victor Fachim

Especialista de Patentes da Daniel Advogados.

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