Preparando o Estado para Soberania: uma perspectiva histórica

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Em 2015, o jornalista Fernando Brito divulgou uma ilustração do Facebook onde o Brasil era dos cinco únicos países com mais de 2 milhões de km² de território, 100 milhões de habitantes e Produto Interno Bruto (PIB) superior a US$ 600 bilhões. Os outros quatro eram a Rússia, a China, a Índia e os Estados Unidos da América (EUA).

Destes cinco, só o Brasil não possuía nem desenvolvia armas nucleares e, também, o que menos exercia soberania na condução da Nação, o que significa que era efetivamente uma colônia. A partir do empoderamento do sistema financeiro internacional, nos anos 1990, o Brasil é colônia da banca, como abreviamos este sistema.

No entanto, entre esses cinco países, o Brasil é o que melhor dispõe de recursos naturais: abundantes terras férteis, aquíferos, climas diversificados, recursos energéticos e minerais para se desenvolver de modo autônomo.

 

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A incapacidade de ser uma potência reside no longo

tempo do regime de escravidão e submissão

 

A mais forte razão da incapacidade de o Brasil ser uma potência reside no longo, e de certo modo permanente, tempo do regime de escravidão e submissão ao qual mais da metade da população brasileira foi e continua sendo mantida. A este respeito cabe transcrever de Herbert Aptheker (Uma nova história dos Estados Unidos: a era colonial, tradução de Maurício Pedreira, Civilização Brasileira, RJ, 1967):

O ponto fundamental da contribuição da África ao desenvolvimento do capitalismo europeu e das colônias americanas – e do capitalismo estadunidense – não está no tráfico de escravos, por mais lucrativo que fosse. Está mais na escravidão, no trabalho forçado e gratuito de milhões de negros durante mais de dois séculos.”

Há também outros motivos que impediram, nos raros períodos de governos nacionalistas, a permanência de algumas conquistas fundamentais. No Governo Geisel, por exemplo, o Brasil desenvolveu, com pessoal, tecnologia e materiais nacionais, o hardware e o software da construção de minicomputadores. Hoje, toda informática, tanto de equipamentos quanto dos sistemas, é importada de uma forma ou de outra.

O modelo organizacional brasileiro vem sendo o mesmo desde quando Tomé de Souza chegou à Bahia, em março de 1549. O Primeiro Governo Geral foi estruturado, de acordo com o Regimento Português de 1548, com um órgão para Fazenda e outros para a Justiça e para a Defesa, conduzidos pelo provedor-mor, pelo ouvidor-mor e pelo capitão-mor. Para o atendimento psicossocial (educação e comunicação) veio o jesuíta Manuel da Nóbrega.

É curioso notar que a opção privatista para colonização do Brasil – as Capitanias Hereditárias – foi um fracasso absoluto, obrigando o Estado português a se estruturar na colônia. Mas a área psicossocial permaneceu privada, entregue à Igreja Católica, à Companhia de Jesus, os “soldados de Cristo”. E esta privatização da comunicação social acompanha toda história do Brasil, com pequenas participações estatais decorrentes da ação do presidente Getúlio Vargas.

Nas vilas, cidades, a administração foi entregue a poucos vereadores, representando o interesse do poder econômico e político local, juízes, sempre saídos da classe dominante, além de procuradores, escrivães e tesoureiros.

As questões que ocuparam a quase totalidade dos estudiosos da organização brasileira prendiam-se aos pensamentos político-administrativos importados, às formas da representação da vontade popular, aos atores do Estado e suas imperfeições (nepotismo, clientelismo, excesso ou carência de agentes públicos), às opções centralizadoras ou descentralizadoras das decisões e outras de generalidade inaplicável a qualquer realidade nacional ou meramente processual.

Desconhecemos quem tenha associado a estrutura institucional ao exercício pleno da soberania pelo Estado Nacional. Parece ser negativa a resposta da questão colocada pelo Visconde do Uruguay: “É possível desenvolver o self-government no Brasil?” (em José Veríssimo Romão Neto, Estrutura administrativa do governo brasileiro, cultura política e a busca pela sociedade ideal, Revista Sociedade e Estado, UnB, vol. 31, nº 1, jan/abr 2016).

A estrutura organizacional de Tomé de Souza se repete, com inclusão das relações exteriores, imprópria para a colônia formal, por todo período do Império. Com D. Pedro I, no I Império, teremos a Secretaria de Negócios do Império e dos Estrangeiros, dividida, em 1823, nas duas que permanecerão na Regência e no II Império: Negócios do Império e Negócios Estrangeiros.

No I e II Império permanecem os Negócios da Justiça e os Negócios da Fazenda. A Defesa passa a ser organizada pelas duas forças então existentes: Negócios da Guerra (terrestre) e Negócios da Marinha (que durante o período do Reino Unido acrescentava os Domínios Ultramarinos). Em 1860, é constituída a Secretaria de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

 

As oligarquias apátridas impediram o Estado

de se tornar condutor da integração nacional

 

Se compararmos a estrutura organizacional brasileira à estadunidense, não veremos grande diferença. O Gabinete de George Washington tinha quatro secretarias: das Relações Exteriores, de Estado, do Tesouro, da Guerra e, no mesmo status: o procurador-geral e o diretor-geral dos Correios.

Mas os Estados Unidos da América (EUA), excluídos o Alasca e o Havaí, levaram 125 anos para se formar, desde a adesão de Delaware (1787) até a do Arizona (1912) à Constituição de 1787. Na colonização estadunidense, apenas com a presença de 5 mil homens adultos e livres se permitia a organização de um “território”. Neste caso, o poder local era partilhado entre um governador, nomeado pelo Congresso Nacional, e representantes eleitos do “território”.

Quando o território contasse com 60 mil residentes masculinos livres, teria então acesso ao estatuto de Estado. Além do que os EUA são efetivamente uma Federação, e o Brasil, do modo como foram organizados a receita e o orçamento, é uma república centralizada.

Se nos EUA, ainda colônia, foi criada em 1635 a escola pública Boston Latin School e, no ano seguinte, fundada em Cambridge a Universidade de Harvard, no Brasil a educação passou todo período colonial sem qualquer importância, sendo terceirizada aos jesuítas até sua expulsão, em 1759, com a reforma administrativa do Marquês de Pombal.

Aos escravos era proibida qualquer instrução, e os filhos dos senhores de terra, quando eram alfabetizados, seus mestres eram padres ou escravos muçulmanos. E estes futuros senhores iam para Portugal para receber a doutrinação colonizadora.

Apenas com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, foram abertas as primeiras escolas militares e a de Medicina, esta na Bahia.

O primeiro Ministério da Educação e Saúde Pública surge com Getúlio Vargas, pois o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, criado em 1890, em atendimento a Benjamin Constant, foi extinto no Governo Floriano Peixoto (1891-1894).

Por todo o século XIX e até a Revolução de 1930, o Brasil se inseriu como base periférica, primário-exportadora e importadora, das revoluções que deram nova feição às sociedades ocidentais: a I Revolução Industrial, meados do século XVIII – do carvão e das máquinas a vapor e mecânicas; a Revolução Francesa, de 1789 a 1815 – da ascensão da burguesia e da nova estrutura de poder; e a II Revolução Industrial, início do século XX – da eletricidade e do petróleo.

Para a elite dirigente do Brasil, o país continuou uma colônia fornecedora de produtos primários para comercialização por empresas e Estados estrangeiros, produtos sem os quais a acumulação capitalista nos centros seria bastante dificultada. Como complemento a isso, verifica-se o consumo conspícuo das oligarquias brasileiras, importadoras dos produtos manufaturados e de alto valor agregado produzidos nos centros capitalistas.

Ocorreu, assim, a descapitalização do Brasil em favor das novas metrópoles ocidentais, reforçada pelos investimentos estrangeiros em nosso país com vista a remeter os lucros para o exterior e garantir o controle inconteste da incipiente infraestrutura brasileiro por empresas sobretudo inglesas e estadunidenses.

A reação paulistana contra Getúlio Vargas, em 1932, foi na realidade o inconformismo com a prioridade dada à industrialização em bases nacionais e o desenvolvimento voltado para dentro e, em consequência, à educação, para que o Brasil deixasse de ser um “país eminentemente agrícola”.

As estruturas do Estado, nos governos de Prudente de Moraes (primeiro presidente eleito) a Washington Luís (último presidente antes da Revolução de 1930), eram praticamente idênticas.

Prudente de Moraes: ministérios da Justiça e Negócios Interiores, da Marinha, da Guerra, das Relações Exteriores, da Fazenda e da Indústria, Viação e Obras Públicas.

Washington Luis: ministérios da Justiça e Negócios Interiores, da Marinha, da Guerra, das Relações Exteriores, da Fazenda, da Agricultura, Indústria e Comércio e da Viação e Obras Públicas.

Nos governos de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, houve a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. É estranho não haver um Ministério da Agricultura com Prudente de Moraes, com Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena. Só com Nilo Peçanha (1909) e até Washington Luis, este Ministério de Agricultura, Indústria e Comércio existiria na estrutura do Executivo brasileiro.

Mas tanto Prudente de Moraes quanto Campo Sales dirigiram seus governos para os interesses políticos das grandes oligarquias agrárias, em especial a cafeeira. Podemos até dizer, com uma ponta de maldade, que o setor agrícola nacional não precisava de um Ministério, pois tinha a própria Presidência da República.

Enquanto nos EUA, após a Guerra da Secessão (1861-1865), a aristocracia, a classe agrícola que influenciava a condução do país, perdia seu espaço para os banqueiros, capitães da indústria, gestores de negócios; no Brasil, a classe ruralista conseguiu derrotar a industrialização em vários momentos, por golpes eleitorais ou militares, sendo o último, em pleno século XXI, com apoio da Agência Central de Inteligência estadunidense (CIA), usando o Judiciário brasileiro – a chamada Operação Lava Jato.

O Estado estadunidense, maestro do desenvolvimento e principal parceiro das empresas nacionais de seu país, foi organizado para liderar a expansão e a conquista imperiais dos EUA em todo mundo, em favor de um empresariado industrial e dinâmico que combinava o individualismo predatório e o nacionalismo.

No Brasil, ao contrário, as oligarquias apátridas, igualmente individualistas, impediram o Estado de se tornar condutor da industrialização e da integração nacionais, convertendo-o em instrumento de repressão contra as maiorias subjugadas e de entrega do país ao estrangeiro, à Inglaterra do Império à I República e, desde o século XX, aos EUA. Por conseguinte, o Estado, no Brasil, foi, na maior parte da sua história, instrumento das oligarquias a serviço da manutenção e do subdesenvolvimento do Brasil.

O desmonte que os aparatos estatais nacional-desenvolvimentistas e sociais sofrem hoje reflete o projeto político de desnacionalização dos centros decisórios do país e de aviltamento das condições de vida da população, em favor da financeirização subordinada aos eixos mundiais de acumulação.

Resgatar o Estado das oligarquias colonizadas e colocá-lo a serviço da Nação brasileira, em favor da sociedade como um todo, foi a tarefa que a Revolução de 1930 e a Era Vargas empreenderam e que cumpre retomar para que o Brasil possa realizar a sua vocação de se tornar a Roma Tropical.

 

Felipe Quintas

Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense.

 

Gustavo Galvão

Doutor em Economia.

 

Pedro Augusto Pinho

Administrador aposentado.

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