Previdência: direitos e expectativas

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Além dos “factóides” do primeiro mês do governo Lula (os abraços no povo, a visita ao semi-árido, a onipresença nos dois fóruns mundiais, o programa Fome Zero capenga, entre outros), o que mais domina os debates e as manchetes é a reforma da previdência social. E, o que parece, será a “novela” do ano e, talvez, de parte do próximo.
Centrada na necessidade de financiamento das aposentadorias do setor público, novamente vemos a exteriorização das exceções para justificar a generalização. Volta-se a falar e denunciar o descalabro de proventos de inatividade da ordem dos R$ 30 ou 40 mil mensais para dar vez e voz a uma mudança constitucional de maior monta.
Analisando de forma prática o conjunto do funcionalismo, nas diversas esferas de governo (União, estados, Distrito Federal e municípios) e distribuído entre os três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo), temos três segmentos bem distintos a serem ponderados em suas peculiaridades.
O primeiro é o dos servidores já aposentados, ao qual se agregam os beneficiários de pensões por morte. Este é o grupo que, segundo o governo, hoje gera um desequilíbrio da ordem de R$ 50 bilhões por ano. Pois, se observada a Carta Magna, este segmento do funcionalismo não será atingido em nada com a reforma, pois tem sua situação consolidada e seu direito adquirido convalidado na apostila de sua aposentadoria ou pensão.
Portanto, ao governo restará a continuidade do pagamento do que ele chama de “estoque” de benefícios. Inclusive, uma reforma mal encaminhada ou alarmista pode resultar, no curto prazo, em elevação destas despesas, pelo temor que qualquer mudança na previdência causa no seio da administração pública.
O outro segmento a ser observado, deve sê-lo virtualmente: o dos futuros servidores. Pois estes serão atingidos in totum pelas novas regras, auto-aplicáveis após a promulgação de eventual emenda que modifique o atual mandamento constitucional no concernente às aposentadorias.
O grande nó desta reforma diz respeito aos atuais ocupantes de cargos efetivos. Tais funcionários ingressaram, na sua grande maioria, no serviço público após árdua preparação para enfrentar concursos públicos de provas e/ou títulos, com alguns sonhos e aspirações.
Ao serem nomeados e entrarem em exercício, firmaram um “contrato de trabalho” que, após o estágio probatório de dois ou três anos (conforme a época do ingresso), lhes garantia estabilidade no emprego, integralidade de remuneração na aposentadoria (se preenchidos alguns requisitos) e paridade entre a remuneração dos ativos e os proventos de aposentadoria.
Pois agora vem este governo anunciar que haverá cortes profundos, pois após 10 ou 20 anos de contribuições sobre o total de seus salários, o barnabé receberá de aposentadorias somente R$ 1,5 mil, apesar de ter pago durante o seu tempo de serviço público sobre mais.
Será que ocorrerá como o cidadão da história que iniciou a pagar um consórcio de 60 meses para aquisição de um automóvel popular e, ao final de 30 meses, a administradora lhe informa que não mais poderá entregar o automóvel, cabendo-lhe tão somente uma bicicleta de cinco marchas? A administradora acrescenta que não sabe o que fará com o valor já pago, mas o cidadão poderá, de qualquer forma, obter seu carro popular nos 30 meses restantes, em outra empresa, pagando-lhe proporcionalmente um maior valor para tanto. Pobre e desesperado cidadão. O mesmo, com certeza, moverá céus e terras para manter o contrato original, ou ser indenizado adequadamente por seus desembolsos anteriores.
Na prática, a grande discussão deste projeto de reforma envolve os servidores da ativa que não preencheram, ainda, os requisitos de idade mínima (48 anos, se mulher, e 53, se homem), de tempo de contribuição (30 anos, se mulher, e 35 anos, se homem, acrescido dos pedágios estabelecidos pela Emenda de 1998), de tempo no serviço público (10 anos) e de tempo no cargo (cinco anos), que lhes são exigidos concomitantemente para a aposentadoria.
Deve, com certeza, prosperando esta reforma, ser instituída uma regra de transição que preserve o tempo de serviço já prestado ao serviço público, pelas regras e contribuições hoje vigentes, de modo a não termos uma ruptura do que se convencionou chamar de Estado Democrático de Direito. A decisão sobre as circunstâncias do direito adquirido e destas chamadas expectativas de direito serão remetidas ao Supremo Tribunal Federal.
Ao mesmo tempo, é imperioso que se institua um teto ou se obedeça à regra constitucional, aplicando-a às aposentadorias acintosas, que sempre voltam e são mencionadas durante as discussões, mas não se vê medidas concretas para limitá-las.

Vilson Antonio Romero
Jornalista, auditor fiscal do INSS, diretor da Associação Gaúcha dos Fiscais de Previdência e da Associação Riograndense de Imprensa e consultor técnico da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social.
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