O Projeto Cavalos-Marinhos do Rio de Janeiro nasceu, nas dependências da Universidade Santa Úrsula, ainda em 2002, por iniciativa da aluna Natalie Freret-Meurer, que estava no último semestre do Curso de Ciências Biológicas.
Ela se encantou pelas múltiplas facetas dos cavalos-marinhos. Um animal em que o macho faz a gestação dos filhotes, que consegue mudar sua cor e prologar sua pele para fugir de predadores e ainda produz som para se comunicar.
Impossível, no mínimo, não despertar a curiosidade sobre eles. Mas nesse caso, foi amor. Ainda sem nenhum vínculo com laboratório, apenas como uma dissertação de mestrado que já se avizinhava, o projeto teve início.
Para comemorar essa trajetória, passados 21 anos, a Instituição inaugurou nesta quinta-feira (28) o primeiro espaço Educativo do Projeto Cavalos-Marinhos. Trata-se de uma iniciativa pioneira e que visa a sensibilização e a conservação dessa espécie ameaçada de extinção.
Após 8 anos de empenho, pesquisas com cavalos-marinhos, que incluíram um mestrado e um doutorado e artigos publicados, Natalie conquistou seu espaço como coordenadora do Laboratório de Comportamento Animal e Conservação da instituição, onde foram desenvolvidas pesquisas sobre o comportamento desses animais e de outras espécies como o sagui-de-tufo-branco e tartarugas-marinhas.
Ao longo dos anos, o Projeto Cavalos-Marinhos/RJ se consolidou na universidade e se tornou o principal foco do laboratório, o qual realiza pesquisas sobre as populações naturais em todo Estado do Rio de Janeiro, estuda os comportamentos dos cavalos-marinhos experimentalmente e está compondo o primeiro banco genético de cavalos-marinhos do Brasil.
A equipe, que conta com alunos de graduação, mestrado, doutorado, voluntários, pesquisadores de outras instituições, como Uerj, UFRJ e Fiocruz, tem mais de 30 artigos, TCCs, dissertações e teses produzidos exclusivamente sobre cavalos-marinhos, sendo uma referência no Brasil na construção de conhecimento sobre esses animais. Com todo esse conhecimento gerado, puderam embasar dois projetos de lei para proteção dos cavalos-marinhos, sendo um estadual e um federal, os quais estão seguindo os trâmites para votação.
Atividades em escolas e áreas públicas
Contudo, não bastava construir conhecimento, pois esses animais estavam desaparecendo da natureza. Então a equipe do projeto iniciou as ações de extensão, com atividades de sensibilização em escolas e áreas públicas. Essas ações se consolidaram ao passar dos anos e, atualmente, abrangem também as comunidades tradicionais e agentes de unidades de conservação.
A consolidação e expansão de todas as ações e pesquisas para todo o Estado do Rio de Janeiro jamais seriam possíveis, segundo Natalie, sem o apoio da universidade e nem das mais recentes parcerias com a Petrobras, CMA CGM, Mercosul Line, Iate Clube do Rio de Janeiro e Dive Point.
Os cavalos-marinhos do Estado do Rio de Janeiro seguem , como a da Baía de Guanabara. O desafio continua, e tornar esses animais conhecidos pelas pessoas, para que sejam amados e cuidados, é um óbice a ser vencido pela equipe. Essa é a grande importância do Espaço Educativo Cavalos-Marinhos, aproximar os cavalos-marinhos da realidade das pessoas, para que elas possam ter um olhar mais carinhoso para o oceano.
Nesse novo espaço, que é aberto ao público em geral, de segunda a sexta-feira, o visitante tem a oportunidade de aprender sobre a ecologia e os riscos que os cavalos-marinhos enfrentam, além de igualmente entender sobre as importantes atividades de pesquisa, monitoramento e capacitação de comunidades desempenhadas pelo projeto interagindo com a equipe de pesquisadores.
Além disso, pode igualmente apreciar uma exposição fotográfica com imagens emocionantes desses animais em seu ambiente natural, além de experimentar a estação do conhecimento com exemplares de animais em álcool, equipamentos com aumento focal para visualização de pequenas estruturas e grandes réplicas dos animais.
A inauguração desse Espaço Educativo é significativa, sendo um passo relevante para a expansão desse projeto na desafiadora jornada de sensibilização e educação ambiental.
O Projeto Cavalos-Marinhos/RJ, fundado e presidido pela pesquisadora Natalie Freret-Meurer, é uma associação sem fins lucrativos que há duas décadas está comprometida com a conservação dos cavalos-marinhos e dos ecossistemas que habitam, buscando fomentar o desenvolvimento econômico sustentável e local respeitando o contexto social de cada região em parceria com a Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental.
De postura ereta e capacidade de olhar para diferentes direções ao mesmo tempo, o cavalo-marinho mede até 22 centímetros, nada na horizontal e, no período de reprodução, o macho gera até 300 filhotes. Pequeno, o cavalo-marinho se protege dos predadores entre os galhos e luta contra a captura ilegal. Todas as espécies do mundo correm risco de extinção.
Captura e poluição ameaçam cavalos-marinhos
A bióloga Natalie Freret-Meurer pensa que um dos maiores desafios, na atualidade, é educar a população para que ela não capture os peixes para criá-los em cativeiro. Ainda de acordo com a pesquisadora, a poluição atrelada ao aquarismo quase coloca os coloridos e delicados peixinhos em risco de extinção. Porém, desde 2014, por meio da Portaria 445 do Ibama, foi proibida a captura, transporte, armazenamento, guarda e manejo desses animais. A medida resultou no aumento da população de cavalos-marinhos, segundo a estudiosa.
Natalie explica que o ritual de acasalamento dos cavalos-marinhos pode durar até dias, com direito a mudança de cor e nado em sincronia. “O namoro deles é uma coisa linda. Mudam de cor, machos e fêmeas ficam brancos na lateral para demonstrar o interesse mútuo. E dançam juntos, em sincronia de movimentos e ritmo.”
Natalie observa, ainda, como é processo de fecundação e gestação dos futuros cavalinhos. Apesar da sedução intensa, ela é breve e dá lugar a um grande senso de praticidade por parte da fêmea, que introduz seus óvulos na bolsa de gestação – uma espécie de útero – do macho. Depois disso, cada um vai para um lado.
No mundo dos cavalos-marinhos, o macho fica grávido e passa 15 dias nesta condição. Encerrado esse tempo, ele entra em trabalho de parto, dando à luz a aproximadamente 600 e 700 filhotes, que nascem com alguns poucos milímetros.
Em um dos laboratórios da Santa Úrsula, onde os pesquisadores do projeto estudam o comportamento e formas de evitar a extinção dos cavalos-marinhos, um macho já pôs no mundo mais de 1.800 filhotes.
Apesar de no mundo existirem 48 espécies, no Brasil vivem apenas três: o Hippocampus reidi, o cavalo marinho do focinho longo; Hippocampus erectus, o cavalo marinho raiado; e Hippocampus patagonicus, o cavalo marinho de focinho curto. A origem do nome vem do grego antigo, hippos (cavalo) e kampos (monstro marinho).
Natalie comenta que a última espécie foi encontrada apenas duas vezes. Uma delas, na entrada da Baía de Guanabara, a 30 metros de profundidade. A outra foi na poluída Baía de Sepetiba e a apenas 1,5 metro de profundidade.
Ameaçados de extinção, após quase desaparecerem, os cavalos-marinhos voltaram a ser encontrados com mais frequência no litoral do Rio e de outras cidades do Estado. Natalie explica que a presença da espécie é um indicador de que o ecossistema preserva sua estrutura básica, acrescentando que o projeto monitora a vida desses pequenos peixes na Praia da Urca, na Ilha Grande, em Arraial do Cabo e em Búzios, além da sua presença nos costões cariocas, como o do Arpoador e o do Leblon.
Apesar dos graves problemas de poluição na orla do Rio de Janeiro, em especial nas baías, os estudiosos dizem que os cavalos-marinhos, com seus tons em amarelo, laranja, branco, rosa, vermelho e marrom, são considerados como bioindicadores de qualidade ambiental, dada a sua sensibilidade ao bem-estar do ecossistema no qual estão inseridos. A sua multiplicação, portanto, revela que a qualidade das nossas águas está melhorando.
A população de cavalos-marinhos, ainda de acordo com Natalie, presente na Lagoa de Araruama é muito diferente de tudo o que se sabe sobre cavalos-marinhos ao redor do mundo. Para ela, os peixinhos do Rio de Janeiro acabaram se adaptando aos ambientes hostis onde viviam, o que os levou a apresentar padrões de cores, tamanho e hábitos diferentes.
Ao completar sua maioridade, os pesquisadores do Projeto Cavalos-Marinhos do Rio de Janeiro, que tem à frente a dinâmica, sensível e atuante Natalie Freret-Meurer, merece os parabéns de toda a sociedade, pelo trabalho que desenvolvem em prol da vida desses peixes pequeninos, que encantam com a suavidade dos seus movimentos e seduzem pelas cores que apresentam, despertando curiosidade em todos os que apreciam a natureza e o meio ambiente.
Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.