Proposta no STF abre caminho para mineração em terras indígenas

Greenpeace Brasil flagra 130 balsas no Rio Madeira e denuncia retomada do garimpo na região

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Indígenas em frente ao STF (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ ABr)
Indígenas em frente ao STF (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ ABr)

Uma proposta de nova legislação sobre a demarcação de terras indígenas, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, abre caminho para que seja autorizada a mineração em terras demarcadas.

O texto, que é discutido ao longo desta segunda-feira, em audiência no Supremo, resulta de longo processo de conciliação iniciado em agosto do ano passado, com a participação de lideranças indígenas, representantes dos três Poderes e da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Mendes é relator de cinco ações sobre a tese do marco temporal, segundo a qual as terras indígenas (TIs) somente poderiam ser demarcadas em áreas efetivamente ocupadas no momento da promulgação da Constituição da República, em 5 de outubro de 1988.

O gabinete de Mendes apresentou, na noite da última sexta-feira, a minuta de um Projeto de Lei para substituir a atual Lei 14.701/2023, que legalizou a tese do marco temporal e é questionada no Supremo pelas lideranças indígenas.

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A proposta acatou sete sugestões feitas durante o processo de conciliação. Pelo texto, o direito dos indígenas sobre suas terras tradicionais “independe da existência de marco temporal” ou de conflito sobre a posse da terra existente no momento da promulgação da Constituição.

Sobre a exploração econômica das TIs, o projeto dedica três seções inteiras para regulamentar a lavra de recursos minerais em terras indígenas que, pela proposta, deve ser realizada “no interesse nacional” e por prazo determinado. Seria necessária autorização pelo Congresso. A comunidade afetada ficaria com 50% do valor da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral.

O texto regulamenta ainda o “extrativismo mineral” pelas próprias comunidades tradicionais, que poderia ser autorizado por até cinco anos pelo Congresso Nacional.

De acordo com Mendes, trata-se de um texto que pretende ser consenso entre as partes envolvidas, sobretudo entre ruralistas e indígenas. Ele deu prazo até dia 24 de fevereiro, próxima segunda-feira, para encerrar os trabalhos da conciliação, que são coordenados por seu juiz auxiliar Diego Viegas Veras.

Hoje, pouco consenso foi demonstrado entre os presentes. Representantes dos indígenas e de outras entidades, incluindo da PGR, se disseram surpreendidos pela inclusão da exploração mineral como uma possiblidade após a demarcação das terras indígenas.

“Talvez fosse necessária uma apresentação daquilo que foi entendido aqui como consenso”, observou a procuradora Eliana Torelli, representante da PGR. “Essa questão de mineração é algo que precisa de debate bastante aprofundado, inclusive em questões técnicas, que escapam completamente à seara jurídica”, disse.

O deputado Pedro Lupion (PP-PR) também acusou a minuta de não contemplar uma solução consensual. O parlamentar reclamou que o texto em nada resolve o impasse em torno do marco temporal em si, ao mesmo tempo em que toca em questões adjacentes, que não estão na lei já aprovada pelo Congresso, como a exploração econômica das terras indígenas.

“Nossa preocupação é o direito de propriedade, é o direito dessa área, de pessoas que ocupam há mais de 100 anos essas áreas, pessoas que contribuem para o país e que passam por um momento de insegurança completa”, afirmou Lupion. “Me causou muita estranheza simplesmente deixar en passant a questão do marco temporal”.

Por parte da União, os representantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) afirmaram não poder opinar sobre o texto por não terem tido tempo de debatê-lo com as próprias lideranças indígenas.

“Temos que lembrar que os povos indígenas de todas as regiões do país podem ser afetados por uma proposta que saia daqui desta reunião”, frisou Matheus Oliveira, representante da Funai. Ele afirmou que o órgão “não pode se posicionar por algo que não pôde discutir com os povos indígenas”.

A Advocacia-Geral da União (AGU), por sua vez, fez um pedido para que o prazo de discussão da proposta seja ampliado.

A tese do marco temporal é questionada há décadas no Supremo que, em setembro de 2023, após diversas sessões de julgamento, decidiu pela inconstitucionalidade do marco temporal para a demarcação das terras indígenas. Pouco depois, contudo, o Congresso aprovou uma nova lei para validar a tese do marco temporal. A nova legislação chegou a ser vetada pelo presidente Lula, que deu como justificativa a própria decisão do Supremo, mas os vetos foram derrubados em dezembro.

A nova lei se tornou alvo de diversas contestações no Supremo, que foi provocado a reabrir os debates mesmo depois de já ter julgado em definitivo a questão, o que gerou um impasse com o Legislativo.

Relator do tema, Gilmar Mendes decidiu então abrir um processo de conciliação, no qual defendeu um “novo olhar” sobre a questão. A principal entidade representativa dos indígenas, a Associação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), decidiu se retirar dos debates, alegando não haver garantias de proteção às comunidades tradicionais.

Em especial, o Rio Madeira já foi palco de decisões judiciais importantes contra o garimpo. Em 2021, a Justiça Federal da 1ª Região declarou inconstitucionais diversas licenças ambientais emitidas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), por falta de estudos de impacto ambiental e pelo uso indiscriminado de mercúrio. Ainda assim, a exploração continua a ocorrer de forma sistêmica, agravando os danos à biodiversidade e aos modos de vida locais. No mesmo ano, em novembro, o Greenpeace Brasil localizou, em um sobrevoo, centenas de balsas no Rio Madeira em uma região situada entre as cidades de Autazes e Nova Olinda do Norte.

Na Amazônia, 94% do garimpo ocorre em áreas protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Esse avanço descontrolado reflete a falta de políticas públicas estruturadas para enfrentar a crise ambiental. Somente com medidas enérgicas e coordenadas será possível proteger o Rio Madeira, um patrimônio natural e cultural de importância global.

Nos últimos anos, o Greenpeace Brasil vem pedindo às autoridades que se declare a Amazônia uma área livre de garimpo.

Cinco meses após o Ibama e a Polícia Federal destruírem mais de 450 balsas de garimpo no rio, o Greenpeace Brasil alerta para a retomada das atividades garimpeiras após flagrar 130 balsas na região em janeiro.

Por meio de um monitoramento remoto realizado entre 10 e 22 de janeiro, o Greenpeace Brasil registrou 12 alertas distintos no Rio Madeira, na altura entre os municípios de Novo Aripuanã e Humaitá, no Amazonas. Desses, sete alertas correspondiam a balsas agregadas em operação, enquanto os outros cinco referiam-se a balsas em deslocamento rumo a áreas de garimpo ou ali ancoradas. A organização alerta que o garimpo permanece ativo e descontrolado no Rio Madeira.

As imagens captadas neste recente flagrante são resultado de um novo sistema de monitoramento remoto desenvolvido pelo próprio Greenpeace Brasil, que utiliza imagens do radar SAR via satélite Sentinel 1 e processadas no Google Earth Engine. A tecnologia é especialmente eficaz para áreas com alta cobertura de nuvens, característica da Amazônia.

O Rio Madeira, um dos principais afluentes do Amazonas, possui 3.315 km de extensão e é uma das ictiofaunas mais ricas do planeta. Suas áreas inundáveis, que ocupam mais de 210 mil km², são essenciais para a manutenção do equilíbrio ambiental e econômico da Amazônia. No entanto, há mais de 40 anos, o Madeira enfrenta uma epidemia de exploração ilegal de ouro, impulsionada por garimpos embarcados que dragam sedimentos de fundo do rio com maquinário pesado, destruindo o leito, contaminando as águas com mercúrio e impactando gravemente as comunidades ribeirinhas.

“A destruição causada pelo garimpo é sustentada por uma cadeia criminosa que opera com total impunidade. É urgente que o governo brasileiro adote políticas integradas que unam tecnologia, fiscalização eficiente e alternativas econômicas sustentáveis para proteger nossos rios e populações”, afirma Jorge Eduardo Dantas, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil.

Com informações da Agência Brasil e da Agência Galo

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