Proposta para a Ciência e Tecnologia – I

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O setor produtivo nacional passou por enorme transformação na década passada, tendo ocorrido, alem do movimento de desestatização, o de desnacionalização, em paralelo. As empresas nacionais de capital estrangeiro, aqui chamadas, simplesmente, de “empresas estrangeiras”, passaram a dominar cerca de 52% da produção industrial, enquanto no início da década eram responsáveis só por 33%, graças a privatizações, entrada de novas empresas no país e transferências de patrimônio ocorridas. A política industrial foi representada por grandiosa liberalidade para o capital internacional e quase nenhuma proteção ao capital doméstico.
O processo de privatização não considerou a razão estratégica para o desenvolvimento nacional como relevante, inclusive, a da empresa estatal poder ser instrumento indutor dos desenvolvimentos econômico e tecnológico. Os bancos de desenvolvimento e os fundos de pensão controlados pelo Estado não puderam emprestar ou capitalizar as empresas estatais, enquanto recursos destes viabilizaram as privatizações. O BNDES e a Finep emprestaram dinheiro para empresas estrangeiras.
A inserção brasileira na globalização foi desastrosa. A visão do mercado nacional como um patrimônio da sociedade do país foi negada, apesar dos países do capitalismo vencedor a considerarem. O comércio internacional sem barreiras, cada um exportando produtos e serviços que suas vantagens comparativas permitiriam, mostrou-se ser um desastre para os países de desenvolvimento tardio.
Primeiramente, porque o comércio internacional continua privilegiando, para efeito de obtenção de altos índices de lucratividade, produtos e serviços com alto conteúdo tecnológico. Assim, países com baixo nível de industrialização, exportando basicamente produtos minerais e agrícolas, se eternizariam na condição de subdesenvolvimento.
Em segundo lugar, porque esta proposta de globalização só é seguida pelos próprios países desenvolvidos, que a introduziram, quando lhes convêm. Ou seja, o óbvio, infelizmente, precisa ser recomendado: o comércio exterior de cada país deve ser decidido seguindo os interesses superiores da respectiva sociedade.
A retirada das proteções tarifárias aos produtos e serviços nacionais, em muitos casos, como o da consultoria nacional, nunca deveria ter ocorrido e, em outros, poderia ter ocorrido parcialmente e com maior tempo para a adaptação da empresa nacional à nova situação. O “potencial de arraste” da consultoria nacional, isto é, a sua capacidade de geração de compras de produtos e serviços nacionais, foi desprezado. Argumentos do tipo “o Brasil teria que fazer o que fez por compromissos com a Organização Internacional do Comércio” ou “devido à inexorabilidade da globalização” não procedem.
O cidadão comum sofreu com toda essa irresponsabilidade com tarifas públicas astronômicas, falta de energia elétrica, alem do desemprego, ida para a informalidade, perda do poder de compra dos salários, precarização das garantias trabalhistas e, por que não correlacionar, a violência. As agências reguladoras são muito mais órgãos preocupados em garantir a rentabilidade das empresas recém chegadas do que proteger o consumidor e o cidadão. O mercado, supostamente competitivo, se encarregaria de satisfazer esses últimos. Ledo engano, pois o que mais existe são setores cartelizados.
A análise da “fernandécada”, retirado o “itamarregno”, será cortada, nesse ponto, por se ter como objetivo específico a área de C&T no país, não se falando das dívidas financeira e social acumuladas, da perda de soberania nacional e da diminuição de graus de liberdade para a realização de políticas econômica, monetária, fiscal etc.
Na área de C&T, na década passada, a visão neoliberal se caracterizou pela adoção de alguns dogmas, como: 1) a empresa estrangeira irá desenvolver tecnologia no país, o que só ocorre em situações muito específicas; 2) as empresas privadas nacionais colocarão recursos próprios para os desenvolvimentos tecnológicos de interesse, sem se levar em consideração como elas estão capitalizadas, com quem competem, quais as possibilidades de compra de “tecnologia fechada” do exterior etc; 3) é incorreto as estatais, salvo raras exceções, politicamente difíceis de serem confrontadas, obterem recursos públicos para desenvolvimentos; 4) é desinteressante o poder de compra do Estado ser utilizado para forçar o desenvolvimento de tecnologias no país; e 5) o mercado nacional demandante de desenvolvimentos tecnológicos não pode ser destinado para os produtores destes desenvolvimentos existentes no país.
Para que ocorra um substancial desenvolvimento tecnológico, aquele que ajudará a retirar o Brasil da eterna condição de país em desenvolvimento, é necessário, em primeiro lugar, que ele seja percebido como uma parte integrante do modelo de desenvolvimento econômico e industrial, o qual, por sua vez, deve ser nacionalista e socialmente comprometido.
Algum desenvolvimento tecnológico e econômico ocorreu com o modelo implantado no Brasil na década de 1990, mesmo com os erros descritos. São, sempre, citados exemplos pontuais para mostrar que aconteceram desenvolvimentos nesta época, como o do setor siderúrgico que é, hoje, mais competitivo do que antes das privatizações. É verdade, também, que existiram empresas que se reciclaram, mesmo com a inserção atabalhoada do Brasil no mercado mundial, e são, hoje, competitivas a nível internacional. Outras, porém, tentaram e não conseguiram enfrentar a invasão dos produtos estrangeiros, que poderiam, inclusive, estar com seus preços reduzidos por “dumping”. No entanto, não há dúvida que, como um todo, não houve sucesso com o modelo adotado.
As empresas de engenharia que, durante anos, projetaram e construíram grandes obras, como hidrelétricas, linhas de transmissão, subestações, refinarias, estradas, portos e estradas de ferro, fecharam as portas ou ainda existem, mas atuam em outras áreas. As empresas estrangeiras, que compraram as distribuidoras e geradoras de energia elétrica privatizadas, por exemplo, só compram engenharia no exterior, sem ao menos tomarem conhecimento do valor da engenharia no país. As medidas necessárias a curtíssimo prazo são a volta da proteção à engenharia nacional e o financiamento público para a reconstrução dos grupos técnicos, hoje, dispersos.
Notar que existem objetivos de curto prazo, no governo Lula, como melhorar a balança de pagamentos e a geração de empregos, e objetivos de médio prazo, como o crescimento da economia e a melhoria da distribuição de renda. A capacidade da área de C&T de interferir visando o atendimento dos objetivos tanto de curto como de médio prazo é primordial.
Um gestor da área de promoção do desenvolvimento tecnológico, cujo trabalho é a indução à razão, sabe que pode e deve ousar. O momento atual, graças à eleição de um Presidente comprometido com mudanças, é o de se repensar, sem barreiras, tudo que está sendo feito. Assim, como inovar, hoje, na indução ao desenvolvimento tecnológico? O plano de governo de Lula não é um plano revolucionário e, sim, reformista, uma vez que aceita a regra de não quebrar os contratos já firmados. Assim, o futuro Presidente não propõe a volta das siderúrgicas para o Estado, até porque é irracional. Talvez, ele queira reformular a atuação das agências reguladoras para que elas cumpram o papel de defensoras dos cidadãos. Certamente, ele irá mudar o modelo criado para o setor elétrico. Mas, é recomendável que, na área de C&T, ele seja revolucionário.
O que está sendo proposto para a área de C&T é a busca do trabalho essencial, que seria identificado num primeiro momento da nova gestão. É importante não reproduzir o passado e não reagir só a solicitações pontuais. Portanto, é um momento de crítica e reflexão, que premiará a sociedade se ela reconhecer suas necessidades e caminhos.

Paulo Metri
Conselheiro do Clube de Engenharia.
Este artigo continua na edição de amanhã.

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