Proposta para a Ciência e Tecnologia – II

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A relevância da política tecnológica, indo a posições extremas, poderia ser expressa pela adoção da necessidade de obtenção de licença prévia tecnológica para qualquer grande projeto do país. A relevância da questão ambiental só foi aceita pelas forças econômicas quando estas detectaram que iriam sair dos negócios, deixando de ter lucros, se não se submetessem às regras de preservação ambiental impostas pelo Estado.
As livres forças de mercado, pela sua própria definição, são unicamente presas à lógica do capital. O capitalismo incipiente dos séculos XVIII e XIX, nas Américas, não demonstrou nenhum prurido ético pelo uso de mão-de-obra escrava. Portanto, o Estado, quando necessário e representando a sociedade, deve intervir no desenvolvimento da economia.
Desta forma, os grandes projetos industriais, agrícolas, de mineração e de infra-estrutura teriam que apresentar os estudos de impacto tecnológico e os relatórios de impacto ao meio tecnológico (EIT/RIMT). Obviamente, a Finep seria o órgão mais indicado para dar a licença prévia tecnológica podendo sugerir o uso de tecnologia já existente no país ou o seu desenvolvimento local. Faria o papel do Ibama dentro da comparação utilizada. No entanto, acredito ser este, somente, o limite superior de quanto pode-se ir nas sugestões.
Através de um modelo de desenvolvimento industrial e tecnológico que não privilegia a empresa nacional de capital nacional, aqui chamada, simplesmente, de “empresa nacional”, não se conseguirá um índice de desenvolvimento econômico persistente no tempo, imprescindível, se bem que não suficiente, para a consecução do desenvolvimento social.
As empresas estrangeiras só realizam desenvolvimento tecnológico em países em desenvolvimento, na grande maioria das vezes, quando querem adaptar tecnologia desenvolvida no exterior para o sistema local, visando não perder o respectivo mercado, e quando querem utilizar algum fator de produção local disponível a preço competitivo internacionalmente.
Existem outras causas para se optar por empresas nacionais. Se for observado o fluxo de caixa de médio prazo de divisas de uma multinacional não exportadora instalada num país diferente daquele onde está a matriz, expurgados os sub e superfaturamentos, ele será sempre deficitário pela ótica do país, ou seja, a empresa remete necessariamente mais dinheiro para o exterior do que recebe, em valores corrigidos para uma mesma data. Se assim não fosse, ela fecharia as portas no país, pois estaria tendo insucesso.
É importante deixar claro que não existe nada de errado com esse comportamento, que visa somente ter lucro. Pode acontecer de, em determinados períodos relativamente pequenos, o fluxo de caixa de uma multinacional não exportadora ser superavitário, pois ela pode estar realizando novos investimentos. No entanto, existe a certeza que, num período maior, ele será deficitário.
Sob o ponto de vista do país, se este tem problemas para fechar a sua balança de pagamentos, as multinacionais estarão expandindo esse problema. Por outro lado, elas podem ser imprescindíveis em determinados setores, onde não há competência tecnológica nacional ou não há capacidade de investimento por parte dos nacionais.
Com relação ao privilégio a ser dado à empresa nacional, deve ser explicada a situação legal atual, pois freqüentemente se ouve dizer: “A Constituição proíbe privilegiar a empresa nacional”. A emenda constitucional nº 6 suprimiu o artigo nº 171 da Constituição de 1988 que privilegiava este tipo de empresa. Por outro lado, não foi introduzido na Constituição nenhum dispositivo que obriga o governo a dar igualdade de tratamento para a subsidiária estrangeira e a empresa nacional genuína. Se um órgão da administração pública quiser privilegiar a empresa nacional genuína, ele não estará ferindo a atual Constituição. Contudo, há a necessidade de serem pesquisadas as leis ordinárias. Mas, mesmo que exista alguma lei determinando a igualdade de tratamento, será necessário revogá-la, pois trata-se do exercício da soberania do Estado brasileiro.
Outro ponto que é preciso deixar claro é que não se está sugerindo que a área de C&T venha a determinar as ações das empresas com relação ao desenvolvimento tecnológico. Ela continuará a ter, tão somente, o poder de induzir. No entanto, utilizará este poder segundo nova ótica. Assim, se alguma empresa quiser fazer alguma espécie de desenvolvimento sem o apoio da área de C&T estará inteiramente livre para tal. Aliás, todos os pontos propostos são relacionados com a necessidade da existência de planejamento da economia, o que não tolhe a livre iniciativa, só a induz na direção considerada socialmente mais atrativa.
À primeira vista, será preciso concentrar esforços em alguns desenvolvimentos. Há a impressão, sem conhecer, profundamente, os apoios dados pelo MCT, que está havendo uma certa dispersão de esforços, não aprofundados, ou seja, se são escassos os recursos para C&T, o que é melhor para a sociedade: a Finep financiar pouco em diversas áreas ou ir a fundo em poucas áreas? Ou então, será que seria o caso de, alem de se atuar na dispersão, existir um pequeno conjunto de projetos de fundo, escolhidos pelo MCT, que pudessem, se concluídos, mostrar um real salto do nível tecnológico do país? Por outro lado, será que se está, em C&T, deixando, também, que o mercado defina os desenvolvimentos importantes para a nossa sociedade?
Assim, o setor de C&T tem trabalhado marginalmente, sendo que isso foi o possível de ser feito com as restrições descritas. Ou seja, não será nunca com esse modelo de fomento ao desenvolvimento tecnológico que o país irá ser um grande produtor de tecnologia. Por que será que, se qualquer pessoa razoavelmente informada for indagada sobre quais as empresas que mais desenvolveram tecnologia no Brasil, a resposta será, basicamente, Petrobras, Embrapa e Embraer, duas estatais e uma ex-estatal recentemente privatizada?
Os produtos e processos a serem desenvolvidos têm que possuir um mercado consumidor. Portanto, podem ser aproveitados, alem do tradicional consumidor nacional dos desenvolvimentos a serem realizados, que seria induzido a tal, os programas de compras governamentais para garantir maior mercado. Apesar da tese da utilização do poder de compra do Estado para desenvolver programas de governo ter sido considerada um atraso, é necessário reabilitá-la, pois, alem de ser irracional não utilizá-lo, a prática é comum alhures.
Tendo os fundos setoriais sido criados nos setores em que existe a capacidade de financiá-los, só por um grande acaso as necessidades de desenvolvimento tecnológico da sociedade estariam todas nos atuais fundos e os necessários recursos estariam distribuídos entre eles na mesma proporção que os valores arrecadados.
Para corrigir este ponto, poderia se acabar com as “reservas de mercado” dos recursos de cada fundo. Poderia se supor que seria criado um grande fundo de desenvolvimento tecnológico, que receberia todos os recursos arrecadados nos diversos setores e estes recursos estariam à disposição para qualquer aplicação, fora ou dentro destes setores, seguindo uma lista de prioridades a ser definida pela Finep/MCT. Por exemplo, os recursos do fundo setorial do petróleo, o mais rico de todos estes fundos, graças à produção da Petrobras, poderiam, eventualmente, ser melhor aplicados na pesquisa agrícola, de medicamentos, em biotecnologia etc.
O governo Lula deverá trazer o salto tecnológico para o país que permitirá o aumento das exportações, com maior valor agregado nacional, graças à maior competitividade dos produtos e serviços nacionais no mercado internacional, a substituição competitiva das importações, o barateamento do preço de compra dos produtos e serviços nacionais para o consumidor brasileiro, a melhoria da qualidade dos produtos e serviços oferecidos ao mesmo consumidor, alem de outras conquistas.  Assim, a área de C&T terá imensa importância estratégica no governo Lula.

Paulo Metri
Conselheiro do Clube de Engenharia.
Segunda e última parte do artigo publicado na edição de ontem.

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