Proteção preventiva e estratégica do dólar

Trump ataca preventivamente os Brics. A defesa do dólar é uma necessidade estratégica para os EUA, tanto no que diz respeito ao poder internacional quanto à prosperidade interna. Por Edoardo Pacelli

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Donald Trump em convenção republicana em frente à bandeira dos EUA
Donald Trump em convenção republicana (foto de Aaron Schwartz, Xinhua)

Chen Weihua, chefe do escritório da UE do China Daily e uma das vozes mais ativas na promoção – especialmente em X – da narrativa do Partido/Estado Chinês, declarou recentemente, aludindo a Trump: “Um valentão global antes mesmo de assumir o cargo”. Se a reação do jornalista chinês é esperada, igualmente lógica é a posição expressa por Donald Trump sobre os Brics, ameaçados pela reação americana caso fossem longe demais com iniciativas antiocidentais mirando criar uma moeda alternativa, com ambição global, em relação ao dólar.

Recentemente, o presidente eleito dos EUA anunciou que irá impor tarifas de 100% aos países do Brics, a menos que seus governos desistam oficialmente da ideia de criar aquela moeda que tem o objetivo, mais ou menos declarado, de ultrapassar o dólar como referência de mercado global.

Os Brics já pensam nisso há algum tempo, confiantes de que representam um importante peso demográfico e econômico, impulsionados pela Rússia e, em parte, pela China, e agora também pelo Irã, que utilizaria o novo espaço financeiro concedido pela nova moeda para contornar o sistema dólar-cêntrico, ao qual estão ligadas várias sanções internacionais com as quais os EUA atuam contra seus rivais.

Em uma publicação na sua plataforma, Truth Social, Trump disse: “A ideia de que os países BRICS estão tentando afastar-se do dólar, enquanto ficamos parados a observar, ACABOU”, com “ACABOU” escrito em letras maiúsculas, um claro retorno à semântica e aos tons trumpianos.

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https://twitter.com/realdonaldtrump/status/1863009545858998512?s=46

Tudo se enquadra em uma lógica precisa: os Estados Unidos, independentemente da abordagem “América Primeiro” de Trump, não querem correr o risco de ver sua liderança global enfraquecida. A força do dólar, na verdade, é um símbolo do poder americano. Simultaneamente, é também um pilar fundamental da prosperidade econômica interna dos EUA.

Os Brics, inicialmente compostos por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, expandiram-se recentemente para incluir o Irã, os Emirados Árabes Unidos, o Egito e a Etiópia. Este grupo representa uma fatia significativa da economia global, mesmo com elementos extremamente vibrantes, como os Emirados ou a Índia, e há muito discute a possibilidade de desafiar o domínio do dólar como moeda de reserva internacional. Já na cúpula de 2023, na África do Sul, foi apresentada a ideia de uma moeda comum para o bloco.

A proposta ganhou força, especialmente entre a Rússia e a China, que também, na iniciativa, viram uma oportunidade para reforçar seu peso geopolítico. Além disso, devido a essa possível ameaça, Trump sublinhou que qualquer tentativa de criação de uma moeda dos Brics levará a graves consequências econômicas: “Exigimos um compromisso destes países de que não criarão uma nova moeda dos Brics, nem apoiarão outras moedas para substituir o dólar americano, ou enfrentarão tarifas de 100% e dirão adeus ao maravilhoso mercado econômico dos Estados Unidos.”

As declarações de Trump surgem em um contexto de crescente polarização global. O presidente russo, Vladimir Putin, já havia acusado as potências ocidentais de “militarizarem” o dólar, argumentando que as sanções impostas à Rússia, desde a invasão da Ucrânia, em 2022, minaram a confiança na moeda americana.

A estratégia de tarifas punitivas de Trump reflete uma abordagem mais ampla à pressão econômica. As ameaças aos Brics seguem-se a anúncios semelhantes dirigidos ao México e à China, mas também ao Canadá e a vários inputs enviados para a Europa. Trump prometeu tarifas de 25% sobre todas as importações do México e do Canadá e mais 10% sobre as importações chinesas, acusando esses países de encorajarem a imigração ilegal e o tráfico de drogas.

A imposição de tais tarifas agressivas poderia ter implicações significativas. Para os Brics, uma resposta coordenada poderia reforçar ainda mais sua coesão e incentivar a diversificação econômica para reduzir a dependência dos Estados Unidos. No entanto, permanece incerto se alguns membros do bloco, como a Índia e os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, mas também o Brasil, estariam dispostos a arriscar seus laços econômicos com Washington para apoiar um projeto de moeda comum.

A jogada de Javier Milei foi paradigmática: o presidente argentino evitou a adesão formal aos Brics este ano, após o convite recebido no ano passado. O fator determinante na decisão foi a proposta de “dolarização” da economia argentina, nomeadamente a adoção do dólar americano como moeda oficial para combater a hiperinflação e estabilizar a economia nacional. Essa estratégia contrasta com o objetivo dos Brics de criar uma moeda alternativa ao dólar, para reduzir a dependência do sistema financeiro dos EUA.

As declarações de Trump marcam o início de uma fase de incerteza nas relações econômicas internacionais e são particularmente monitoradas pelo mundo das finanças, que ainda encontra elementos de forte impulso nos mercados emergentes, mas não abandona a América – enquanto aguarda o ciclo presidencial trumpiano com incerteza.

Por um lado, essa forma de nacionalismo americano poderá enfraquecer o dólar como moeda de reserva global, levando outros países a explorarem alternativas. Por outro lado, o risco de uma guerra comercial em grande escala pode exacerbar as tensões geopolíticas já existentes, acelerando a fragmentação da ordem econômica global. O desabafo de Trump é ambicioso: pedir tais garantias pode parecer um teste de intenções e ser descrito, pelas narrativas da China e da Rússia, como uma interferência nos assuntos de outros países.

Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus.

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