Putin e Erdogan visam ‘vida nova1

80

Moscou – Em recentes encontros, os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Turquia, Retzep Tayyip Erdogan, tiveram a oportunidade de reafirmarem a vontade mútua para reconstituírem o diálogo e as relações entre seus países, após nove meses de crise diplomática. Ambos destacaram que as relações russo-turcas encontram-se agora em um período muito diferente, e que a solidariedade entre seus países contribuirá efetivamente para a solução de problemas periféricos no Grande Oriente Médio.

O reaquecimento das relações bilaterais foi consolidado após a recente visita do presidente da Turquia aqui, em Moscou, por ocasião da qual o presidente Putin reconheceu que a visita de seu colega turco era realizada apesar da extremamente complicada situação política interna na Turquia e reafirmou: “Todos nós desejamos reconstituir o diálogo e as relações em benefício dos povos da Turquia e da Rússia.”

Por sua vez, o presidente da Turquia, todas as vezes em que se refere ao seu colega russo, diz: “Meu amigo presidente Putin é muito querido e respeitado na Turquia.”

Governos turco e russo buscam reconstituir

Espaço Publicitáriocnseg

relações entre os dois países

A “vida nova” nas relações entre Turquia e Rússia inicia nova leitura nas relações turco-russas, inclui cooperação política, econômica e militar e tem como alvo comum o Ocidente. Após o fracasso do golpe de estado na Turquia, o presidente Erdogan tem várias vezes acusado os governos dos países da Europa de “falta de apoio” a ele e ao seu governo contra os golpistas e não tem dissimulado sua revolta pela hesitação norte-americana para extraditar o clérigo Fethullah Gülen.

Tanto Turquia, quanto Rússia já esqueceram suas agressões mútuas. O governo do Kremlin não lembra mais nada do imbróglio sobre negociação de petróleo não só do governo de Ancara, mas até da própria família Erdogan com os jihadistas do Estado Islâmico na Síria.

Comércio de US$ 100 bi

Hoje, os dois países estão em busca de novas formas para a reativação do plano do gasoduto (de dois dutos) de gás natural Turkish Stream e também a construção e gestão – por intermédio da empresa russa Rosatom – da planejada usina nuclear em Akuiyú.

Estes dois projetos encontram-se em posição igualmente importante com a questão de acesso de produtos agrícolas turcos ao mercado consumidor da Rússia, assim como o reaquecimento do turismo na Turquia, uma vez que o boicote russo já foi cancelado definitivamente, mas o mercado de turismo continua em posição difícil por causa da questão de ação de terroristas e da falta de segurança de um modo geral na Turquia.

Por mais que as relações econômicas entre os dois países tenham sido deficitárias e continuem sendo assim, para o governo de Ancara, em comparação com aquelas com a União Europeia (UE), a cooperação econômica é um dos mais importantes pontos da reaproximação da Turquia à Rússia, que deverão desenvolver as transações comerciais bilaterais em mais de US$ 100 bilhões anuais.

Entretanto, o desenvolvimento da Turquia como nação, membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), e de estado com destacada participação nas negociações político-diplomáticas que buscam pacificar a belicosa região do Grande Oriente Médio depende, basicamente, primeiro da pacificação dos poderosos inimigos (internos e externos), cuja queda de braço reflete-se em todo o país, e não só.

Fator curdo

O establishment militar turco – que, após a Segunda Guerra Mundial, transformou-se em establishment militar-empresarial, industrializando a Turquia – trouxe, também, e introduziu ao país o capitalismo e o neoliberalismo. Os militares turcos, adeptos do kemalismo, inspirado pelas doutrinas de Kemal “Ataturk” (o pai da nova Turquia e fundador do Estado turco), lideram e controlam praticamente a Confederação Industrial e Empresarial Turca, “entidade-mater” que concebeu a gestão empresarial da Nova Turquia.

Entretanto, na recente Reunião de Cúpula dos Membros do Grupo dos 20, os líderes das grandes potências resolveram esclarecer suas próprias relações, no âmbito que elas mesmo criaram na Síria. Foi discutida, primeiramente, a invasão turca que está sendo executada a pretexto de atacar o Estado Islâmico, embora o verdadeiro alvo seja a expulsão das forças curdas, e isto criou novas condições no território.

Desde os primeiros dias das operações militares foram mortos, pelo menos, 35 civis desarmados, enquanto somam-se centenas os feridos e milhares os expulsos. O motivo que originou a eclosão desta operação, que recebeu o nome de código “Escudo do Eufrates”, não foi, naturalmente, a presença de tropas do Estado Islâmico na região de Jarabluz, situada na fronteira da Turquia com a Síria, mas o avanço das Forças Democráticas Sírias – um verdadeiro “guarda-chuva” de organizações, sobre as quais predomina a organização político-miliciana curda YPG – Yekinelyên Parastina Gel (Unidades de Proteção Popular, em tradução do curdo).

As organizações curdas abandonaram – conforme lhes foi exigido – suas posições, mas, de acordo com o governo turco, não foram todas a leste do rio Eufrates, conforme havia exigido o presidente Retzep Erdogan. Confirmando a traição vinda do Ocidente, os líderes do YPG, declararam que lutarão até a morte para evitarem a invasão turca.

Em comunicado conjunto, os partidos políticos curdos e os movimentos da Síria relatam que “a última intervenção da Turquia em território sírio, especificamente, na cidade de Jarabluz, constitui continuação da velha/nova política imperial da Turquia. E é, também, um plano de ocupação do território sírio, a pretexto de combater o terrorismo, isto é, o Estado Islâmico. Na realidade o verdadeiro plano da Turquia é combater o plano democrático, iniciado pelo Conselho Popular da Síria, com objetivo a solução da interminável crise no país. Objetivo estratégico da Turquia é criar um conflito entre as várias correntes da sociedade síria”.

Influência preocupa

O Governo dos EUA, por sua vez, apesar do fato de ter apoiado com todos os meios as operações da Turquia, reagiu publicamente contra os ataques que realizou o exército turco contra forças curdas, as quais recebem apoio do próprio Pentágono norte-americano. “Consideramos inaceitáveis os choques ocorridos em regiões nas quais não existem forças do Estado Islâmico”, declarou Brett McGurk, enviado especial norte-americano para enfrentar o EI, alguns dias antes do encontro do presidente dos EUA, Brack Obama, com o presidente da Turquia.

Apesar do fato de o governo norte-americano desejar manter maior controle das operações militares na região e não desejar que a Turquia assuma a iniciativa das ações, não tem nenhum problema em ver a guerra civil síria recrudescendo, porque assim acredita que poderá ser acelerado o afastamento do presidente sírio, Bashar Al-Assad, do poder em Damasco. E a intervenção da Turquia traz, exatamente, este resultado, porque, enquanto, teoricamente, mantém as forças do Estado Islâmico na alça de sua mira, na prática tem como resultado imediato a dissolução das forças que lutam em defesa do Estado Islâmico.

Apropriadamente, a revista alemã Spiegel destacou: “Erdogan dá um tempo ao Estado Islâmico” e completou: “Durante três anos o governo de Ancara não incomodou o Estado Islâmico, que controlava centenas de quilômetros quadrados de territórios sobre as fronteiras com a Turquia. Mas criou coragem e começou, somente, quando o curdo YPG atravessou o rio Eufrates”.

Nesta conjuntura, a verdadeira preocupação das autoridades norte-americanas não é, obviamente o futuro do curdos, mas o fato de o governo de Ancara estar flertando, perigosamente, com o regime de Bashar Al-Assad. E nesta queda de braço os EUA mostram-se dispostos a sacrificar as forças curdas que até hoje constituíam seu único aliado confiável no conflito contra o Estado Islâmico.

Os lances do governo truco são dados sempre com pan de fundo a permanente disputa dos EUA com a Rússia. Mas Putin não se mostra disposto a recuar, apesar do fato de o governo de Moscou já ter aberto, recentemente, vários canais de diálogo concordando com grande parcela dos planos do Ocidente para o “dia seguinte” do regime de Bashar Al-Assad.

Os falcões neoliberais que pululam nos corredores da Casa Branca têm com seu alvo principal limitar ao máximo a influência russa na região. Mas, apesar de tudo isso, seus planos ficarão mofando pelo início de “vida nova” entre o presidente da Rússia e seu colega turco.

Alex Corsini

Sucursal da União Europeia.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui