Qual o futuro de um país que desestimula a formação de pesquisadores?

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Pesquisa, ciência, inovação
Pesquisa (foto Agência de Notícias Embrapa)

Número de doutores no Brasil está em declínio desde 2020

 

Há hoje um consenso, fruto do que vem ocorrendo em todo o mundo, de que o desenvolvimento econômico e social de um país depende fundamentalmente do seu avanço no domínio do conhecimento e da capacidade de transformar este conhecimento em novos produtos e processos que gerem riqueza. Logo, a maioria dos países vem investindo cada vez mais na formação de recursos humanos altamente qualificados o que implica em forte estímulo a que uma parcela dos estudantes universitários siga uma carreira científica via cursos de mestrado e doutorado.

O Brasil despertou para esta necessidade no início dos anos 1990 e realizou um grande esforço ao ampliar o número de cursos de pós-graduação com qualidade crescente e estimular os jovens a seguirem uma carreira acadêmica. O sucesso dessa iniciativa foi percebido ao passarmos da formação de 2,8 mil doutores em 1996 para 10,7 mil em 2008 e 24,4 mil em 2019. Este número está em declínio desde 2020.

Ao longo dos anos houve, ainda, estímulos para despertar a vocação científica dos alunos no curso médio e durante a graduação, com a criação e fortalecimento de programas de concessão de bolsas de iniciação científica júnior (para alunos do curso médio) e iniciação científica para alunos dos cursos de graduação. O chamado Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), que concede 35 mil bolsas por ano pelo CNPq, tem sido ampliado com contrapartidas crescentes feitas pelas fundações estaduais de amparo à pesquisa e com recursos das próprias universidades. Importante ressaltar que essa expansão do sistema de formação de recursos humanos ocorreu em todo o país.

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Valores das bolsas estão muito baixos

Apesar do muito que foi feito, alguns fatores estão impedindo um sucesso mais marcante dessas inciativas. Destaco aqui dois desses fatores. Primeiro, os valores das bolsas estão muito baixos e não estimulam nossos melhores estudantes a seguirem a atividade científica. Este é um ponto muito crítico pois é impossível fazer boa ciência e desenvolvimento tecnológico com estudantes desmotivados e/ou com formação deficiente. Boa ciência depende de bons cientistas. Atualmente o sistema federal oferece bolsas no valor mensal de R$ 1.500 para o mestrado e R$ 2.200 para o doutorado. São valores muito baixos e que não estimulam a entrada no sistema científico dos melhores alunos.

Oferecer um valor correspondente a um salário-mínimo para alguém que finalizou um curso de graduação chega a ser ofensivo. Logo, é fundamental que imediatamente todas as bolsas dobrem de valor como ponto de partida para recuperação do sistema. Há recursos para este fim, desde que seja recomposto o orçamento do CNPq e da Capes e liberação plena do orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

 

Não há estímulos para empresas absorverem jovens mestres e doutores

Segundo, não tem havido estímulo para que as empresas de base tecnológica absorvam os milhares de jovens mestres e doutores disponíveis. Para tal urge criar condições para que eles comecem a desenvolver projetos de inovação tecnológica tanto diretamente nas empresas como em projeto associativo das empresas com os centros científicos brasileiros que têm condições de apoiar, com sua infraestrutura laboratorial, o desenvolvimento de projetos de inovação. Para tal, as empresas poderiam ser apoiadas com recursos não reembolsáveis provenientes do programa de subvenção econômica do FNDCT que permitam o contrato destes mestres e doutores com valores compatíveis com o mercado internacional.

Cabe registrar que um número crescente desses jovens está migrando para o exterior e sendo absorvidos no sistema produtivo internacional. Estamos exportando o que temos de mais valioso, nossos talentos duramente preparados, sem receber nada em troca.

 

Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, membro da Academia Nacional de Medicina, Academia Brasileira de Ciências e US National Academy of Sciences.

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