O governo brasileiro está prestes a tomar uma decisão que, sob o pretexto de proteger a indústria nacional, pode comprometer a competitividade de produtos que chegam diariamente aos lares de milhões de pessoas. Trata-se da possível aplicação de uma sobretaxa definitiva, com duração de cinco anos, à importação de folhas metálicas de aço, matéria-prima essencial para as embalagens que acondicionam de leite em pó e sardinha a tintas e aerossóis.
A discussão tem sido simplificada como uma disputa entre um produtor nacional e os “importadores que buscam preço baixo”. Esta é uma falácia perigosa. A indústria brasileira de embalagens de aço, composta por empresas nacionais, majoritariamente de médio porte e familiares, algumas centenárias, não recorre ao mercado externo por uma questão de preço, mas por uma necessidade fundamental: garantir um padrão de qualidade e segurança que, infelizmente, nem sempre é atendido pelo monopólio doméstico.
Para o público geral, uma lata é apenas uma lata. Para a indústria, ela é um projeto de engenharia complexo. Uma embalagem de aço precisa resistir a rigorosos testes para não estourar, deformar ou vazar. A rolha metálica de uma garrafa de cerveja ou refrigerante precisa de uma vedação perfeita para manter a carbonatação e a integridade da bebida até a abertura pelo consumidor. Um tubo de aerossol exige especificações técnicas que são uma questão de segurança física.
A decisão de importar, portanto, não é uma escolha, mas uma consequência. Diversas empresas da nossa associação já enfrentaram e reportaram problemas técnicos, de segurança e de instabilidade com as folhas de aço produzidas no mercado doméstico, de única fornecedora nacional, ou seja, monopolista do produto em questão. A busca por fornecedores internacionais qualificados é, acima de tudo, uma medida de responsabilidade com o consumidor, de mitigação de riscos e de competitividade. O principal motivador da importação não é o preço, mas sim a qualidade.
Quando uma empresa, após um extenso período de testes, homologa um fornecedor estrangeiro, ela o faz por razões estritas de conformidade e segurança, que não vinham sendo atendidas domesticamente. O mesmo vale para o setor de bebidas, que afirma não existir produto similar no mercado brasileiro com as características técnicas exigidas para suas aplicações.
Negar o acesso a múltiplos fornecedores globais sob o argumento de proteger um único player nacional é ignorar o risco real de desabastecimento e fechar os olhos para a necessidade de evolução tecnológica. A competição saudável é a que estimula a melhoria contínua. Sem ela, a indústria e, no limite, o consumidor, ficam reféns de um único padrão.
Apelamos ao Comitê Executivo de Gestão (GECEX) e ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços para que a decisão final não se baseie em narrativas simplistas. Não está em jogo apenas uma questão comercial, mas a estabilidade de uma cadeia produtiva vital e a segurança de itens que fazem parte da cesta básica e do dia a dia dos brasileiros.
Uma sobretaxa não irá, por decreto, resolver eventuais problemas de conformidade técnica do produto nacional. Ao contrário, irá punir quem busca excelência e segurança. A qualidade não se impõe com barreiras tarifárias; conquista-se com investimento, inovação e respeito ao consumidor.
Thais Fagury é presidente executiva da ABEAÇO (Associação Brasileira da Embalagem de Aço) e da Prolata Reciclagem.