“Quando mudam os acontecimentos, mudo de idéia.”

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(John Maynard Keynes, 1883-1946)

As empresas-cidadãs já podem apresentar uma boa relação de iniciativas empreendidas. São projetos ambientais e sociais, beneficiando tanto o público interno de colaboradores quanto a comunidade em que atuam. É verdade que bom projeto só não é o suficiente – o sistema de gestão empregado e, para muitos, até mesmo o tipo de bem produzido fazem parte da percepção dos públicos sobre a responsabilidade social da empresa.

Os casos mais visíveis de projetos sociais ou ambientais empreendidos por empresas correspondem àquelas de maior porte. São também as mais motivadas pelos resultados da ação social além dos limites da satisfação pessoal do dono e que melhor percebem a contribuição deste investimento para a imagem institucional. Na década de 90, foram constituídas em média 40.830 empresas por mês no Brasil, das quais 22.500 microempresas, o que significa 55% do total.

O papel econômico das micro e das pequenas empresas é significativo, particularmente no que se refere ao emprego de mão-de-obra, correspondendo a mais de 60% do pessoal empregado. Este segmento de empresas, no entanto, registra um elenco de peculiaridades que merecem maior interesse na sua inclusão no elenco de empresas-cidadãs. O documento “A Iniciativa privada e o espírito público, um retrato da ação social das empresas do Sudeste brasileiro”, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no ano passado ofereceu algumas luzes sobre a questão.

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A Região Sudeste foi a que registrou o maior número de microempresas constituídas em 1999, com pouco mais de 46% do total do país. De acordo com a pesquisa citada no documento do Ipea, apesar de um número expressivo, somente o segmento de empresas com até 10 empregados ficou abaixo da média de empresas da região que apoiaram ações para a comunidade, 61% das microempresas contra 67% do total.

A assistência social foi a modalidade de apoio mais freqüentada pelas empresas menores e o atendimento a motivos humanitários foi o que mais as sensibilizou. Enquanto isso, nas maiores, a mais constatada modalidade de apoio foi educação e alfabetização e o motivo mais verificado foi o atendimento a comunidades próximas.

Ainda no que se refere a indicações de diferenças entre empresas maiores e menores, verificou-se que, nas empresas com até 10 empregados, o dono responde pela ação social em 86% dos casos. Nas que tem mais de 100 empregados, a diretoria é a principal responsável em 72% dos casos. Outras diferenças importantes podem ser verificadas na percepção dos resultados da ação social, em que nas menores a maior percepção situa-se na satisfação pessoal do dono da empresa enquanto que nas maiores a maior percepção está localizada na melhoria das condições de vida da comunidade.

Ainda que a comparação dos resultados da pesquisa por porte de empresas registre também algumas analogias, o que merece ser mais observado é a atitude que está sendo imputada às empresas-cidadãs na continuidade desta interação. Às maiores, tem sido atribuído o conjunto de projetos mais complexos e de maior visibilidade junto à opinião dos públicos. Às menores, as iniciativas mais próximas da filantropia, reativas e de avaliação mais desfavorável.

Apesar da inequívoca importância das micro e pequenas empresas na manutenção do emprego, especialmente em circunstâncias recessivas, e das sensíveis diferenças existentes entre os seus processos de gestão e os das maiores, elas vem sendo desprivilegiadas na comparação com as grandes empresas no reconhecimento como empresas-cidadãs.

Pouco a pouco, vai se afirmando a imagem de responsabilidade social apoiada principalmente na manutenção de projetos ambientais, sociais ou sindicais. No cotejo representado pelas relações empresariais, de fornecedores e compradores, muitos desses projetos que as grandes organizações podem exibir são de fato financiados pelo perde e ganha do leilão especulativo de preços, em que pequenos fornecedores de bens padronizados são subordinados às condições de compradores oligopolistas.

Os próprios instrumentos de medição ou avaliação do desempenho social de empresas estão de sofisticando ou sendo burocratizados rapidamente, refletindo valores de segmentos sociais que nem sempre representam a maioria da sociedade. A incorporação da maior parcela de empresas às práticas da cidadania empresarial não pode prescindir de uma rápida revisão dos rumos que o debate sobre a responsabilidade social corporativa vem tomando no Brasil.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Correio eletrônico: [email protected]

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