Quem está mentindo: relator da PEC 10 ou presidente do BC?

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O relator da PEC 10/2020 no Senado, senador Antonio Anastasia (PSD/MG), rejeitou diversas emendas apresentadas por outros senadores que exigiam contrapartidas das empresas que receberiam ajuda financeira advinda da atuação do Banco Central em mercado de balcão.

Nessa nova atuação que a referida PEC pretende autorizar (Art. 7º do Substitutivo da PEC 10/2020 apresentado ao Senado, analisado em “Nota Técnica ACD 3 – Substitutivo do Senado à PEC do Orçamento de Guerra mantém escandalosa transformação de papéis podres dos bancos em Dívida Pública”) o Banco Central passa atuar no desregulado mercado de balcão como um operador independente, podendo adquirir títulos privados, isto é, derivativos emitidos por empresas (S/A), tais como debêntures e outros: CCB, CCI, CRI, CRA, NC.

 

Operação feita às sombras, em mercado de

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balcão, absorvendo R$ 1 trilhão em títulos podres

 

Diversos senadores queriam que as empresas ajudadas se comprometessem a manter empregos e salários durante a crise da pandemia do coronavírus e também não distribuíssem lucros decorrentes dos ganhos obtidos com a ajuda que receberiam.

A justificativa de Anastasia para rejeitar as emendas de seus pares consta de seu relatório, conforme trecho transcrito a seguir:

Por outro lado, a natureza do mercado secundário e as características dos títulos a serem adquiridos impedem que se imponha restrições relativas à dispensa de pessoal ou às bonificações de diretores de empresas, pois a empresa não-financeira emissora do título não é a beneficiária da aquisição no mercado secundário, que tem caráter fluido. Em verdade, o grande objetivo desta medida é dar liquidez ao mercado secundário, gerando confiança em seu regular funcionamento, sem beneficiar individualmente qualquer empresa, mas sim todo o sistema de crédito. Daí a impossibilidade de acolher as emendas que se referem a estas limitações, não por seu justo mérito, mas por impossibilidade fática.”

Resumindo: Anastasia declarou que nenhuma empresa emissora dos papéis a serem adquiridos pelo Banco Central no mercado de balcão seria a beneficiária daquela aquisição e reforçou que nenhuma empresa seria beneficiada individualmente.

Essa justificativa de Anastasia bate de frente com declaração feita pelo presidente do Banco Central, de que o crédito chegaria diretamente às empresas, conforme reproduzido em diversos meios de comunicação:

Em sua fala, Campos Neto comunicou que o novo instrumento é a garantia que crédito chegará ao tomador final.”

Em parecer da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) que circula no Senado, consta:

… a PEC atribui novas funções ao Banco Central do Brasil, com objetivo de converter o aumento da liquidez em crédito efetivo às empresas.”

Ora, se a ajuda chegará às empresas, como dito pelo presidente do Banco Central e pela CNI, o senador Anastasia não teria justificativa para deixar de acatar as emendas de senadores que exigem contrapartidas dessas empresas ajudadas, caso contrário, elas receberão ajuda e poderão demitir seus funcionários e distribuir os lucros aos sócios.

Por outro lado, se as empresas de fato não receberão ajuda alguma, como afirmou o senador Anastasia, então os únicos beneficiários dessa PEC serão os bancos, e o presidente do BC e a CNI estariam errados em suas declarações.

Esse desencontro de informações revela o breu que envolve a grave autorização constitucional para que o Banco Central possa comprar papéis podres de empresas que estão em poder dos bancos, que, segundo o presidente do BC declarou, podem alcançar quase R$ 1 trilhão!

O mais grave é o fato de que esses papéis podres não são de hoje e não têm nada a ver com a crise da pandemia do coronavírus. Levantamento publicado em novembro de 2019, portanto, bem antes da pandemia do coronavírus, por diversos veículos da grande mídia, a “carteira podre” dos grandes bancos somava R$ 1 trilhão, sem computar a correção monetária, e compreendia créditos acumulados ao longo de 15 anos. Ao calcular a correção monetária desses créditos, chegaremos a imensurável cifra de vários trilhões.

Essa PEC 10/2020 está na pauta de votação do Senado de hoje (15/4/2020). Senadores não podem votar essa PEC sem esclarecer o verdadeiro paradeiro dessa cifra que alcançará trilhões, sob pena de estarem autorizando uma mera doação aos bancos às custas do endividamento público que recairá sobre as costas de todo o povo brasileiro.

Não se tem notícia de operação de simples compra, por qualquer Banco Central do mundo (exemplos de outros países citados por Anastasia em seu relatório e pelo presidente do BC e CNI não foram feitos às cegas, como o escândalo que se quer aprovar no Brasil), de carteira podre acumulada no passado por bancos, transferindo-se todos os riscos e prejuízos de lucrativos bancos para as costas do Tesouro Nacional. Essa invencionice que a PEC 10/2020 está querendo incluir na Constituição brasileira configura inaceitável oportunismo que o Senado não pode permitir.

Cabe à cidadania pressionar e exigir que o Senado impeça essa atuação espúria do Banco Central em mercado de balcão, que desvirtua completamente suas funções institucionais e joga seus operadores em práticas delituosas. É por isso que a MP 930/2020, que já está valendo, torna a diretoria e servidores do BC imunes à Lei de Improbidade Administrativa.

Se querem colocar o Banco Central para fazer mera doação de dinheiro do Tesouro Nacional aos bancos (ou às grandes empresas), que isso seja dito assim, às claras, e não mediante subterfúgio de operação feita às sombras, em mercado de balcão, absorvendo títulos podres que serão pagos com títulos da dívida pública brasileira.

Maria Lucia Fattorelli

Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.

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