“Quer ser médico e fazer romances? Ai da sua reputação apesar de incessantes

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estudos, de séria aplicação e de talento inegável.”
(Manuel Antônio de Almeida, crônica publicada em 5 de maio de 1856, no jornal Correio Mercantil, Páginas Menores)

Há quem entenda que a aplicação de métodos atualizados de gestão do desempenho social é incompatível com a empresa-cidadã, como se ela devesse atuar apenas de forma reativa, sem estabelecer objetivos para a sua performance também nas ações sociais, ambientais e sindicais.

A experiência mais antiga, talvez a mais cômoda, de identificar a filantropia com o exercício da responsabilidade social, leva à dispersão dos recursos empregados pela empresa, à perda de foco e à timidez da comunicação. Há mesmo executivos que fazem questão de esconder o que oferecem como doações, fazendo cara de mau, com receio de que se forme uma fila na porta. A empresa da filantropia clandestina é um tipo de organização em vias de extinção.

A empresa de atitude deliberadamente cidadã planeja as suas ações, distingue foco, cria, capacita, investe e busca resultados, através de sistemas de gestão que vão se constituindo para as especificidades deste tipo de empreendimento. Seu primeiro passo é atuar proativamente, deixando a condição de balcão da felicidade, de onde ela teria o seu processo de responsabilidade social comandado de fora para dentro.

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Uma vez assumida a sua condição de empresa-cidadã, o processo social, sindical e ambiental deve ser planejado para convergir para o seu core business. Dois conceitos são importantes para encarnar este processo – o de empresa administrada, cunhado por Peter Drucker, e o de público interessado. O primeiro refere-se à organização que transforma a sociedade conscientemente, a partir da extensão do domínio de técnicas e métodos, inicialmente aplicados à produção.

O segundo conceito – de público interessado – foi revalorizado pelo primado do cliente, que ampliou para além do acionista controlador a percepção das relações de clientela que a complexidade de uma empresa envolve. A empresa-cidadã presta contas ao cidadão, nas suas condições simultâneas de investidor, consumidor, colaborador, fornecedor, vizinho e conhecido.

Em sua expressão mais simples, a gestão do processo de responsabilidade social compreende a definição dos subprocessos e atividades nele incluídos, a identificação dos seus clientes e, dentre estes, do seu foco. Inclui também a análise da cultura organizacional e da correspondência entre esta e domínio de operações, estratégias, crenças, identidade e missão em que a empresa se encontra, sob pena de instituir ações que a organização não absorve, ainda que de boa qualidade.

Além disso, compreende o dimensionamento dos recursos utilizados, sem o que será impossível a gestão de custos do processo, e a observação de três fatores decisivos para o sucesso do desempenho social da empresa. O primeiro é o da identificação dos cenários em que as ações produzirão efeito, o segundo é o das normas que regulamentam a ação e, por fim, o do desempenho das outras instituições que atuam de forma análoga, incluídos concorrentes, sindicatos e fornecedores.

Relações mais complexas exigem sistemas de garantia da qualidade destas relações mais complexos. A gestão do processo de cidadania empresarial, no entanto, não pode cair na armadilha de ser confundido com uma burocratização cara, excludente, cheia de regras, só acessível às grandes empresas ou às admitidas em um clube de elite.

QUALIDADE DE EMPRESA-CIDADÃ

A indústria química Fersol pratica a ação afirmativa no preenchimento do seu quadro de colaboradores. Em relação a mulheres, ela mantém um mínimo de 50% do efetivo. No processo seletivo, a escolha é feita por aptidão mas, no final do processo, se restarem um homem e uma mulher, mesmo com qualificação pouco inferior ao perfil requerido, a preferência recairá sobre a mulher.
Áreas oferecidas aos homens por tradição na Fersol são ocupadas também por mulheres, como manutenção, manuseio de empilhadeiras, almoxarifado e outras. Tomar a mulher como referência para o estabelecimento de medidas, como a utilização de força física, beneficia os homens, assim como beneficia a todos a diversidade verificada em seus quadros.
São proporcionadas ainda palestras com ginecologistas, obstetras, psicólogos e outros profissionais sobre temas como planejamento familiar, direitos da mulher e doenças sexualmente transmissíveis, com suspensão das atividades de produção durante os debates. A amamentação também é favorecida nos primeiros seis meses da criança.
No processo seletivo, na hipótese de não se apresentarem candidatas com as especificações requeridas, a Fersol procura instituições que possam oferecer colaboração. Com negros e portadores de deficiência o mesmo procedimento é aplicado.

Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Correio eletrônico: [email protected]

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