Questões fundamentais aos nossos médicos

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A gripezinha que já matou mais de 10 mil brasileiros, segundo os dados oficiais, ganhou contorno singular e dramático desde os primeiros minutos, quando o genocida que ocupa a cadeira presidencial resolveu subestimar a dimensão da pandemia, dando vazão perversa à sua nítida pulsão de morte.

Ao desafiar toda a comunidade científica do mundo, Bolsonaro impôs aos nossos médicos um peso de responsabilidade triplicado na contenção da crise sanitária. A falta de coordenação nacional da crise, o desprezo de parcela expressiva da população pelas medidas de isolamento, a incapacidade do Governo Federal de realizar uma TED aos mais pobres, se somam às duras condições enfrentadas pelos médicos de todo o mundo – o trabalho na linha de frente, a falta de EPI, o medo de contaminar os próprios familiares. Tudo isso com o presidente perguntando “e daí?”

Em termos militares, em moda hoje dia, a cena só poderia ser descrita pelo absurdo mando de um general que desse ordens à própria população civil de ir ao campo de batalha para se posicionar de joelhos exatamente em frente as armas dos inimigos. E muitos lá estão, entre o vírus, a descrença e a fome.

Por outro lado, a maior parte dos brasileiros percebe exatamente a situação que o presidente nos impõe e oferece apoio irrestrito à Medicina. Não são poucos os médicos brasileiros que têm tido espaço decisivo na grande imprensa e nas redes sociais, em canais de comunicação fundamentais para convencer nossos compatriotas a não se prostrar aos pés dos inimigos por ordens do Capitão.

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Feito este reparo, a história da pandemia em nosso país, que já vai pra mais de 50 dias, vai se escrevendo sem que algumas questões fundamentais sejam respondidas pelos nossos médicos, porque é mesmo muito difícil levantar a voz para questioná-los no meio dessa guerra. Mas algumas coisas estão gritando tão alto que é impossível não perguntar.

Por que, até agora, não há um levantamento claro sobre a quantidade de leitos de UTI privados disponíveis em território nacional?

Em alguns estados, como Amazonas, Maranhão e Pernambuco, é de conhecimento público que a capacidade da saúde suplementar se esgotou. No Rio de Janeiro, onde o sistema de saúde público já entrou em colapso, e as pessoas estão morrendo nas unidades básicas do SUS, as evidências são claras de que os hospitais privados se encontram com leitos vazios.

No Ceará, o governo do estado tomou a correta iniciativa de conveniar leitos privados para atender à demanda do serviço público. No Rio, enquanto o Hospital Lourenço Jorge registra mortes por insuficiência respiratória de pacientes que não conseguiram uma vaga no Hospital Ronaldo Gazolla, a 30km de distância, quantos leitos de terapia intensiva nos hospitais privados Barra da Tijuca – o mesmíssimo bairro do Hospital Lourenço Jorge – estão vazios?

Aliás, vale aqui a lembrança de que em sua primeira coletiva depois de quase duas semanas no cargo, o ministro Teich externalizou sua profunda preocupação com o fato de a rede privada estar… vazia!

Não é novo na história do Brasil. O problema que enfrentamos não é exatamente de escassez de UTIs e respiradores, mas em sua distribuição. A mesma lógica se estende a aplicação dos testes e a mais absoluta falta de transparência do setor privado também nessa questão.

O Ministério da Saúde publicou que os estados brasileiros realizaram, ao todo, 130 mil testes em todo território nacional. Ao mesmo tempo, matéria do Estadão revela que apenas dois laboratórios privados da capital paulista realizaram, cada um, mais de 40 mil testes.

Assim como não há um levantamento de leitos de UTI na saúde privada, não há nenhuma publicação oficial sobre quantos testes foram realizados e quantos foram descartados pela rede privada a nível nacional e quais são os protocolos obedecidos pelos laboratórios para aplicação.

Ao que tudo indica, basta pagar R$ 350, e é o dinheiro que se torna o critério de vigilância da pandemia. Não a toa, no mesmo dia em que a Barra da Tijuca registrava 247 casos e 11 mortes, a favela da Gardênia Azul, na mesmíssima região, registrava 8 casos e 3 mortes.

Ainda mais grave, outro questionamento fundamental aos médicos brasileiros que não pode passar desapercebido. Diversos levantamentos da imprensa têm apontado para a multiplicação exponencial de registros de óbitos em cartório por Síndrome Respiratória. Fala-se, com razão, que não há capacidade de testagem.

Mas porque não houve coleta do swab com paciente em vida? Por que os óbitos não são registrados como “suspeita de Covid”?

Esses procedimentos são tomados pela própria equipe de saúde dentro do hospital, aos quais Brasília tem pouca ou nenhuma capacidade de manipular. Quais razões levaram os médicos a não registrar a suspeita da Covid nestes casos?

Essas são questões fundamentais que não podem continuar sem resposta dos médicos Brasil afora.

 

Eduardo Beniacar

Doutorando em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense.

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